ALDO FORNAZIERI
O conflito na Ucrânia é uma guer-
ra mundial localizada no terri-
tório ucraniano. Todas as gran-
des e médias potências têm interesses
envolvidos. Se ela não for bloqueada, po-
derá extrapolar para outras partes da
Europa. Daí em diante, o mundo mer-
gulharia no abismo do imponderável.
Esta é ainda uma guerra do século XX
que trouxe para o século XXI entulhos
não resolvidos ou mal resolvidos implica-
dos com o fim da Guerra Fria. O Ociden-
te aproveitou-se daquele desfecho para
se expandir indevidamente para o Leste
Europeu. Os Estados Unidos impuseram o
seu unilateralismo ao mundo, o que, agora,
não é mais viável. Teimam em não aceitar.
As guerras do Vietnã, do Iraque e do
Afeganistão mostraram que o recurso à
violência não é um método viável e acei-
tável para impor hegemonias. Somente
aqueles desprovidos de humanidade po-
dem supor que as guerras não estão im-
plicadas em imperativos morais. Esses im-
perativos estiveram presentes em todos
os tempos e somente criminosos não os
consideraram. Não fosse assim, não teria
existido o Tribunal de Nuremberg nem os
princípios da paz e da autodeterminação
dos povos da Carta da ONU, e não haveria o
Tribunal de Haia. É desolador ver quem se
diz de esquerda supor que não se deve con-
siderar imperativos morais nesta guerra.
Antes da invasão da Ucrânia, a Rús-
sia tinha a vantagem moral, pois suas
demandas eram e ainda são legítimas.
Mas, ao agredir injustificadamente, co-
locou a vantagem moral na boca de líde-
res ocidentais que têm as mãos sujas de
sangue. Quando se tem demandas legíti-
mas, é lícito usar a força para alcançá-las.
Mas força não é necessariamente violên-
cia e a violência só pode ser usada como úl-
timo recurso defensivo. A Rússia poderia
até ocupar militarmente as repúblicas au-
tônomas de Donetsk e Lugansk para fazer
valer o acordo de Minsk e ainda seria uma
ação legítima. Mas, ao impor uma guerra
cruel ao povo ucraniano, adotou o cami-
nho da ação criminosa.
Putin cometeu vários erros de curto
e longo prazos. De curto prazo, subesti-
mou a resistência dos ucranianos, a ca-
pacidade do Ocidente de impor sanções
avassaladoras e cometeu várias trapalha-
das estratégicas e logísticas. De longo pra-
zo, não levou em conta que as guerras se
tornaram contraproducentes em termos
econômicos e financeiros, que a imposi-
ção pela força a povos independentes não
subsiste no tempo e que, no fim de tudo,
a posição agressora sairia derrotada. Não
calculou sequer as consequências de uma
guerra na era das comunicações digitais.
A guerra uniu a Europa e fortaleceu a
Otan. Impõe sacrifícios ao povo russo e a
dor e o desespero aos ucranianos. Putin
cometeu ainda a insanidade de ameaçar o
mundo com o uso de armas nucleares. Ele
conseguiu transformar um comediante
inexpressivo num herói internacional. A
única saída racional que ele tem consis-
te em parar a guerra e negociar.
O Ocidente precisa encontrar um ca-
minho de garantir uma saída negociada a
Putin. Nesta guerra, todos têm pouca ra-
zão e todos terão graus variados de per-
das se se quer evitar o pior. Putin terá de
engolir a sua ambição e vaidade imperiais
de destruir o Estado ucraniano. A Ucrâ-
nia terá de abrir mão de querer entrar na
Otan, terá de reconhecer a autonomia das
duas repúblicas e de ser uma zona neutra.
Uma Ucrânia esmagada a ferro e fogo e
coberta por rios de sangue imporá enor-
mes dificuldades à Rússia nas negocia-
ções. Se a Ucrânia for preservada da des-
truição, o Ocidente terá de aceitar que as
demandas de segurança da Rússia são le-
gítimas e colocar um fim à expansão da
Otan. Terá de negociar com a Rússia no-
vos termos da segurança europeia, en-
volvendo, inclusive, as armas nucleares.
A opinião pública mundial precisa exi-
gir que, com o tempo, a Otan seja extin-
ta, com contrapartidas da Rússia.
Os melhores estrategistas de todos os
tempos disseram que as hegemonias não
podem ser mantidas pela violência e pe-
la opressão das armas. Depois dessa vio-
lência, os ucranianos nunca aceitarão o
domínio de Moscou. Os povos das anti-
gas repúblicas soviéticas repudiam Putin
e sua dominação. Os povos da Crimeia,
da Bielorrússia e da Geórgia nunca serão
aliados dóceis.
Socialistas e democratas não podem
aceitar impérios hegemônicos. Se não é
possível evitá-los neste momento, o me-
lhor é que o mundo tenha vários centros de
poder, que seja multipolar. Ao escolher a
violência, Putin escolheu o pior caminho.
“Ninguém pode concordar com a
guerra... A guerra não leva a nada, a não
ser mais destruição, a não ser mais de-
semprego, mais desespero, mais fome”,
disse Lula. Acrescentou que é impor-
tante repudiar esta guerra e que a Rús-
sia faz aquilo que os Estados Unidos, a In-
glaterra e a França sempre fizeram. Lu-
la cumpriu com seu dever moral, junta-
mente com o PSOL e a esquerda demo-
crática mundial ao condenar a guerra. •
CARTA CAPÍTAL
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