Reinaldo José Lopes
Jeff Bezos, o chefão da Amazon, aparentemente acredita que não há problema no mundo que não possa ser resolvido —desde que se despeje nele uma quantidade apropriadamente copiosa de dólares, é claro.
Temos visto isso em sua decisão de não poupar despesas para chegar ao espaço, mas outra de suas paixões é a ideia de usar meios científicos para retardar ou impedir o envelhecimento.
Em janeiro de 2022, ele esteve entre os investidores que ajudaram a Altos Labs, empresa de biotecnologia criada com esse objetivo, a levantar US$ 3 bilhões em financiamento, e não é a primeira vez que aposta em empreitadas assim.
Não dá para entender como o sujeito ainda se diz fã de "O Senhor dos Anéis".
OK, talvez o leitor não esteja entendendo a conexão lógica entre uma coisa e outra. Ocorre que Bezos também anda gastando os tubos —uma bagatela da ordem de US$ 1 bilhão— para financiar a produção da série "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder", que estreia em setembro deste ano no serviço de streaming da Amazon.
Dizem os coordenadores do seriado que o bilionário tem uma paixão pessoal pela obra de J.R.R. Tolkien. O intrigante aqui é que a trama vai se passar num período desse mundo ficcional em que uma catástrofe de proporções cósmicas é desencadeada… por gente rica e poderosa em busca da imortalidade.
A ironia por trás de tudo isso é imensa, como apontou o colega Diego Klautau, doutor em ciências da religião pela PUC-SP, em um de seus textos. (Antes de prosseguir, fica aqui um ALERTA DE SPOILERS para que ainda não leu os clássicos de Tolkien.)
O pano de fundo da série da Amazon é a tragédia da ilha de Númenor. Nessa narrativa, os humanos que tomaram parte na guerra contra o tirano satânico Morgoth são recompensados com uma nova e maravilhosa morada nesse reino insular, recebendo ainda longevidade, saúde e sabedoria muito superiores às de outros mortais.
No entanto, continuam sujeitos à morte. Com o passar dos milênios, cada vez mais insatisfeitos com seu destino, embarcam num projeto de dominação colonial e escravização de outros povos e, ao mesmo tempo, buscam métodos "científicos" para evitar a morte. (O máximo que conseguem com isso é preservar melhor as carnes de seus defuntos.)
Por fim, o rei de Númenor decide fazer guerra aos próprios "deuses" (na verdade, poderes angélicos que regem o mundo; Tolkien é complicado, gente). Seu plano é obter a imortalidade na marra. Óbvio que o final não é feliz.
Bezos e outros bilionários que creem ser possível alcançar a vida eterna forrando tubos de ensaio com notas de dólar muito provavelmente vão dar com os burros n’água. Organismos multicelulares como nós têm uma arquitetura genômica que simplesmente não foi feita para a imortalidade.
Os mesmos genes que são cruciais para o crescimento e a fertilidade durante a juventude são os que, conforme a idade avança, podem levar ao acúmulo de defeitos moleculares que culminam na velhice e na morte. Há excelentes razões biológicas para duvidar que seja possível ter uma coisa sem ter a outra.
O porquê disso é o básico do básico da teoria da evolução: os seres vivos foram forjados para buscar o sucesso reprodutivo, não a sobrevivência perpétua (a qual, num mundo perigoso, cheio de doenças, predadores e catástrofes, nunca foi uma possibilidade real). É melhor não descobrir isso da pior maneira e evitar o cosplay de Númenor dos bilionários.
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