February 11, 2022

Dividido e belicoso, o bolsonarismo lava roupa suja em público

 


São claros os sinais de fragmentação entre parlamentares, ministros e ex-ministros, olavistas, neopentecostais, militares, negacionistas e ultraconservadores

por MARCELO THUSWOLD

Em casa onde falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão. Transportada à esfera política, a máxima popular aplica-se perfeitamente ao cada vez mais dividido campo que ajudou a eleger Jair Bolsonaro em 2018. Com as eleições se aproximando e a perspectiva de derrota do ex-capitão em outubro, intensificam-se as disputas e os bate-bocas entre expoentes do hete­rogêneo movimento que se convencionou chamar de “bolsonarismo”. São claros os sinais de fragmentação entre parlamentares, ministros e ex-ministros, olavistas, neopentecostais, militares, negacionistas e ultraconservadores em geral que surfaram a onda bolsonarista há quatro anos. De olho nas urnas – e em muitos casos querendo distância de um hoje desgastado Bolsonaro – alguns conhecidos e controversos personagens se engalfinham na luta pelo espólio político da extrema-direita brasileira.

Neste cenário de “vaca estranhar bezerro”, como diria o sempre afiado Leonel Brizola, destaque absoluto para Abraham Weintraub. Decidido a concorrer ao governo de São Paulo mesmo sem as bênçãos de Bolsonaro, o ex-ministro da Educação fez uma acusação, em 16 de janeiro, que poderá render mais um processo contra o presidente no STF. Segundo ele, o ex-capitão disse saber que “estaria para aparecer uma acusação” contra o hoje senador Flávio Bolsonaro. A admissão, diz Weintraub, aconteceu em novembro de 2018, um mês antes da deflagração da Operação Furna da Onça, que, com base em dados do Coaf, jogou luz sobre o caso das “rachadinhas” no gabinete de Flávio e revelou ao mundo a figura do ex-assessor Fabrício Queiroz. “Se ele cometeu alguma coisa errada, ele é que vai pagar por isso”, teria dito a alguns ministros na ocasião o já eleito Bolsonaro, se referindo ao filho Zero Um, segundo Weintraub.

Na sexta-feira 4, o ex-ministro prestou depoimento à Polícia Federal no inquérito que apura a eventual interferência de Bolsonaro na instituição, o que deve azedar ainda mais a relação entre os dois. A mo-vimentação de Weintraub, ainda sem partido, abriu uma pequena crise no clã. Em briga nas redes sociais iniciada quando o secretário de Cultura, Mário Frias, curtiuum post que pedia a prisão de Weintraub e o acusou de “sempre fazer uma oposição sonsa” ao governo, o ex-ministro recebeu o apoio do deputado Eduardo Bolsonaro, ligado ao segmento que defende as “ideias” do ex-astrólogo e “filósofo” Olavo de Carvalho, falecido em 24 de janeiro: “Não se trata de unir ou dividir a direita, mas de separar o joio do trigo”.

 Por trás da briga, está a eleição em São

Paulo, onde Bolsonaro lançará a candi-

datura do ministro Tarcísio de Freitas,

da Infraestrutura, provavelmente pelo

PL. A disputa pública estende-se ao Se-

nado, desde que o presidente anunciou

a intenção de lançar a candidatura da

ministra da Mulher, Família e Direitos

Humanos, Damares Alves. A ideia fixa do

presidente, repetida a aliados, é se reele-

ger com um “Senado diferente”, pois en-

xerga na Casa Legislativa o principal en-

trave às propostas do governo. Com pla-

nos de se lançar ao Senado, a deputada

estadual Janaina Paschoal, do PSL pau-

lista, não poupou o ex-aliado por esco-

lher Damares: “Com a habilidade que

Bolsonaro tem para unir a direita, em

2023 teremos um Senado vermelho pa-

ra dar sustentação a Lula”.

 

 

A CartaCapital Janaina afirma que

Bolsonaro “é um líder que governa no

conflito”. Ela considera incorreta a es-

tratégia utilizada em São Paulo. “No lu-

gar de estímulos à união de seus apoia-

dores, sejam mais radicais ou mais mo-

derados, ele fomenta a competição. Em

um ano eleitoral, isso pode ser fatal para

a direita e para a própria campanha de-

le”, diz. A parlamentar afirma não temer

um “vácuo de liderança” na direita bra-

sileira em caso de derrota de Bolsonaro:

“Muito embora Bolsonaro tenha, em cer-

ta medida, capitaneado a onda conserva-

dora, ele não é o seu único representan-

te. Penso que os líderes com consistên-

cia, em um cenário de derrota de Bolso-

naro, ocuparão esse espaço”. A tarefa de

aglutinar os diversos setores não é fácil,

admite. “Infelizmente, a direita é menos

estratégica que a esquerda e ainda está

muito eivada por vaidades.”

 

Outra disputa pública expõe o racha

no campo que ajudou a eleger Bolsona-

ro em 2018. O ministro das Comunica-

ções, Fábio Faria, apresentou queixa-cri-

me contra o ex-chanceler Ernesto Araújo

depois que este afirmou, em recente live,

que Faria “entregou o 5G para a China”.

A briga também tem implicações parti-

dárias, uma vez que Araújo, outro repre-

sentante do segmento olavista, disse que

o PSD, partido do ministro, seria próxi-

mo ao governo chinês e até mesmo “fi-

nanciado” pelo país asiático. “No meu en-

tender, as ações do Ministério das Comu-

nicações do Brasil são pautadas pelos in-

teresses da China”, afirmou. Ao saber da

ação movida por Faria, o ex-ministro das

Relações Exteriores postou: “O proces-

so contra mim só confirma a sua sanha

de perseguir conservadores”.

 

Diretor do Laboratório de Estudos

sobre Estado e Ideologia da UFRJ, Luiz

Eduardo da Motta observa que “sempre

houve um fracionamento interno” no

campo bolsonarista, agora escancarado

pelas prováveis dificuldades eleitorais.

“As brigas internas que estamos presen-

ciando se explicam porque o bolsonaris-

mo é um movimento, mas não tem uma

concepção orgânica de partido. A onda

bolsonarista agregou, além de neofascis-

tas, outros segmentos de direita, conser-

vadores e antiesquerdistas”, diz. Para o

professor, o momento é de ocaso para

Bolsonaro: “Há um descenso devido ao

próprio fracasso da agenda econômica

do governo. Além disso, a política anti-

corrupção, uma das principais bandei-

ras de campanha de Bo terra nesses três anos.

São problemas na família dele, p

roblemas na aquisição de

vacinas, sem falar na ausência completa

de uma política de combate à pandemia.

Quando há essa crise de hegemonia, as

frações começam a acontecer”.

 

 

Para além do olavismo, figuras proe-

minentes na onda conservadora de 2018

estão entre as defecções no campo bolso-

narista e prometem incomodar o presi-

dente até outubro. É o caso da deputada

federal Joice Hasselmann, rompida com

o presidente desde 2019 e hoje abrigada

no PSDB. Ela já enxerga o pós-bolsona-

rismo e aposta em um discurso mais mo-

derado: “O importante é separar os ex-

tremos, tanto na esquerda quanto na di-

reita, para trabalhar esse grande campo

que vai da centro-esquerda à centro-di-

reita”. A parlamentar dá como certo que

a família Bolsonaro perderá o posto de

protagonista do conservadorismo a par-

tir do ano que vem. “Eles nem podem ser

chamados de conservadores. Eles são ex-

tremistas, nazifascistas capazes de fazer

qualquer coisa. O Bolsonaro é uma far-

sa, inclusive, como pseudolíder do movi-

mento conservador.”

 

Para Hasselman, “aglutinar o campo”
conservador não é fácil até porque há vá-

rios líderes que são mais ou menos radi-

cais”. Por sua vez, Motta afirma que, ca-

so Bolsonaro seja derrotado, não há no ho-

rizonte uma liderança que reúna condi-

ções de ocupar esse espaço em nível na-

cional: “Bolsonaro se tornou uma lideran-

ça carismática no contexto de 2018. Não

há ninguém assim agora”. O professor da

UFRJ acrescenta que Bolsonaro não po-

de ser considerado carta fora do baralho:

“Creio que ele continuará em stand by, de-

ve se manter como liderança. Mas não ve-

jo a possibilidade de manter em torno de

si essa pluralidade de segmentos da ex-

trema-direita e da direita conservadora”.

Motta conclui que, independentemente

de quem estará à frente, o campo ultra-

conservador tende a se manter organiza-

do no Brasil: “O fato é que essas sementes

estão lançadas e eu não acredito que se-

rão superadas no curto prazo. Vai ser ne-

cessária uma transformação cultural pa-

ra superar isso. Não acabará da noite para

o dia, é um processo longo”. •

 

CARTA CAPITAL 


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