Lula é favorito, mas a eleição não está ganha
A vitória precisará ser conquistada a partir de ampla mobilização nos becos e vielas. É preciso gastar a sola do sapato
POR GUILHERME BOULOS...
Em 1992, o economista James Carvill, integrante da campanha de Bill Clinton à Presidência dos EUA, resumiu o foco da vitória sobre George Bush com a seguinte frase: “É a economia, estúpido!” Sim, o cenário econômico foi decisivo para o descontentamento social que impediu a reeleição do presidente republicano. Famoso e usado à exaustão, o bordão ganha outro sentido nas eleições que enfrentaremos no Brasil este ano.
Se fôssemos analisar os dados econômicos frios, Bolsonaro já estaria derrotado: PIB provavelmente negativo no ano eleitoral, desemprego elevado e inflação crescente. Mesmo quando houve algum crescimento econômico em seu governo, foi alicerçado no agronegócio, que gera poucos empregos e está voltado para a exportação. Pela economia, strictu sensu, a eleição estaria decidida. Isso sem mencionar a conduta criminosa do ex-capitão na pandemia, as suas constantes ameaças autoritárias e os escândalos com milicianos, orçamento secreto e rachadinhas.
De fato, todos esses fatores definem o
favoritismo de Lula, atestado em qual-
quer pesquisa de opinião. Nem precisa-
ria do Datafolha. O Data Boteco, o cli-
ma nas ruas e nas redes sociais, reve-
la uma mudança de ventos contra Bol-
sonaro e a favor do ex-presidente, que
renasce como uma Fênix após anos de
linchamento público e uma prisão po-
lítica de quase dois anos.
Insisto, porém, em um ponto que
tenho martelado em todas as conver-
sas políticas: o jogo não está ganho. A
disputa será mesmo, ao que tudo indi-
ca, contra Bolsonaro. Nenhum nome da
chamada terceira via – a começar pelo
patético Sergio Moro, ex-ministro do ca-
pitão – demonstra condições de cresci-
mento eleitoral. Mas é justamente Bol-
sonaro que, apesar da aparência de ca-
chorro morto, pode crescer onde hoje as
pesquisas menos indicam: o eleitorado
popular, nas periferias do Brasil.
Pode parecer um contrassenso, dada
a popularidade de Lula entre os mais
pobres e, particularmente, no Nordes-
te. Mas não é. Seria um erro grosseiro
subestimar o efeito de um auxílio de
400 reais para 18 milhões de famílias
brasileiras que se encontram na extre-
ma pobreza. Não é pouca coisa em tem-
pos de vacas magras. O benefício pode
representar a diferença entre comer ou
não, entre ser despejado ou conseguir
pagar o aluguel.
Que o Auxílio Brasil seja uma jogada
eleitoreira, que tem prazo de validade
no fim do ano; que a fome, a inflação e
a estagnação econômica foram produ-
zidas pela política deste mesmo gover-
no; tudo isso, quem está no calor da luta
política sabe, mas pode não surtir tan-
to efeito diante da sensação de melhora
de vida para milhões de pessoas atira-
das no desespero. Isso sem mencionar
as centenas de pequenas obras, espa-
lhadas pelo País, fruto do retalho do in-
vestimento público pelo orçamento se-
creto, destinado a parlamentares com-
prometidos com o governo. A propósi-
to, pesquisas internas que partidos têm
feito nas últimas semanas apontam um
crescimento de Bolsonaro precisamen-
te neste setor da sociedade.
Enquanto a mídia e a maior parte das
forças partidárias focam suas atenções
na superestrutura do debate político –
federações, coligações, montagem dos
palanques etc. –, pode estar em curso, si-
lenciosamente, uma recuperação relati-
va de Bolsonaro nas periferias urbanas e
no interior do País. Repito, não há dúvi-
das de que Lula seja o favorito para ven-
cer as eleições de outubro, mas a vitória
precisará ser conquistada a partir de am-
pla mobilização e diálogo nas periferias.
Mais que nunca, essa campanha exigi-
rá engajamento muito além de jogadas
espertas de marqueteiros profissionais.
Será uma batalha de becos e vielas,
a envolver os meios de comunicação e
as redes sociais, mas também bastante
sola de sapato e militância. A eleição de
2022 será uma guerra, em um país con-
flagrado. Aos que acham que o jogo está
resolvido; aos que imaginam que com-
posições partidárias e gestos ao cen-
tro sejam suficientes para levar a fatu-
ra, vale parafrasear o batido slogan de
James Carvill, realocando no centro da
nossa batalha: é a periferia, estúpido! •
cartacapital.com.br
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