A 15 dias do primeiro turno
  das eleições municipais, di-
  rigentes e parte da militân-
  cia do PT não se entendem
  sobre o comportamento do
  partido, especialmente em São Paulo. Nos
  grupos de WhatsApp, o apoio aos candi-
  datos deu lugar ao bate-boca e à guerra de
  versões entre aqueles que defendem uma
  adesão à campanha de Guilherme Boulos,
  do PSOL, terceiro colocado nas pesquisas,
  com 14%, e quem considera traição o aban-
  dono precoce de Jilmar Tatto, represen-
  tante da legenda na disputa na capital pau-
  lista, 4% nas sondagens de intenções de
  voto. Se as redes sociais refletirem a mé-
  dia dos petistas, há profunda divisão in-
  terna. “Lula perde a eleição, mas não per-
  de o comando do PT”, dispara uma das
  mensagens. “Tatto é mais um acerto da
  cúpula. Ou muda o PT ou perdemos to-
  dos”, alerta outro apoiador.
   
  O acirramento dos ânimos aumentou
  com a publicação de dois recados do teó-
  logo Leonardo Boff ao ex-presidente Lu-
  la, também pelas redes sociais. Em sua
  página no Twitter, Boff escreveu: “Me
  desculpe amigo Lula. Penso que em SP,
  segundo as pesquisas, o PT tem pouca
  chance. Seria um gesto político genero-
  so e amigo dos pobres e sem-teto apoiar
  a chapa Boulos/Erundina. Trata-se de
  vencer o bolsonarismo e salvar a digni-
  dade política do Brasil. Faça e milhões o
  apoiarão”. No mesmo dia, o teólogo rei-
  terou sua posição em nova postagem:
  “Caso o PT e Lula, em SP, apoiarem Bou-
  los/Erundina, ganharão respeitabilida-
  de. Mostrariam de fato que amam mais
  as causas do povo do que do próprio par-
  tido. O partido é parte, o povo é o todo.
  Deve-se buscar sempre o que é melhor
  para o todo. Boulos/Erundina represen-
  tam o melhor”.
   
  As mensagens públicas de Boff são
  emblemáticas. O teólogo preferiu mani-
  festar-se pelas redes sociais quando po-
  deria telefonar ao amigo e defender em
  reservado o apoio à dupla psolista. “Não
  falei com o Lula, nem telefonei, nem tive
  contato nenhum com alguém do PT ou
  da direção”, afirmou Boff a CartaCapital.
   
  A opção de se expor publicamente, jus-
  tifica, baseia-se no seu convencimento
  de que, pelas pesquisas, Tatto tem pou-
  cas possibilidades de chegar ao segundo
  turno e não se pode perder a oportuni-
  dade de transformar São Paulo em cen-
  tro de resistência simultâneo aos tucanos
  Bruno Covas e João Doria e ao bolsona-
  rismo. “Seria uma pena alguém do cam-
  po progressista não avançar na disputa.
  Boulos e Erundina têm essa possibilidade
  aumentada em muito, caso o PT apoie a
  chapa.” Lula não respondeu diretamente
  a Boff, nem a outros amigos e companhei-
  ros que defendem a mesma posição. Em
  recente entrevista publicada no jornal
  Diá rio do Grande ABC, o ex-presidente
  foi, no entanto, taxativo: “Não é possível
  alguém achar que Jilmar pode desistir. Se
  Boulos for para o segundo e o Jilmar não
  for, acho que o PT não tem nenhuma dú-
  vida de apoiar o Boulos”.
   
  Por outro lado, Valter Pomar, dirigen-
  te petista, inflamou a militância ao pu-
  blicar um texto em resposta ao teólogo
  intitulado “Leonardo Boff, o ‘TODO’ e o
  Tatto”. Nele, Pomar justifica sua réplica
  pelo fato de o ex-padre ter se manifesta-
  do sobre uma questão interna do PT sem
  ser filiado ao partido. “Se tivesse se limi-
  tado a dizer que vota em Boulos/Erundi-
  na, eu ficaria na minha”, afirmou. Pomar
  criticou ainda o pedido de desculpas di-
  rigido apenas a Lula, uma vez que a deci-
  são da candidatura teria sido tomada pela
  maioria dos delegados da legenda em São
  Paulo e confirmada pelo Diretório Nacio-
  nal. “Portanto, são a estas pessoas e ins-
  tâncias que deveria se pedir algo, mesmo
  que fossem desculpas.” Quanto ao pedi-
  do “por um gesto político generoso e ami-
  go dos pobres e sem-teto”, afirmou que
  “de boas intenções, o inferno está cheio”.
  Boff, no dia seguinte, em outra publi-
  cação no Twitter, escreveu que suas su-
  gestões de apoio do PT a Boulos e Erun-
  dina “provocaram uma bela discussão de-
  mocrática”. Mas voltou a tratar do assun-
  to quando levantou a questão: “Quem das
  esquerdas tem real chance de ir para o 2º
  turno e derrotar o status quo do bolsona-
  rismo? Temos de superar o partidarismo”.
   
  Quanto ao texto de Pomar, Boff classificou
  como um “arrazoado bem partidista” no
  qual, em nenhum momento, aparece a pa-
  lavra povo. “Falar em PT e não falar de po-
  vo é não falar do PT”, rebateu.
  Por trás desse embate existem diver-
  gências que não serão superadas por con-
  senso ou acordos político-partidários. O
  PSOL surgiu em 2004 de uma costela do
  PT, o qual acusava de traição ideológica.
   
  Desde então, as duas legendas se engalfi-
  nham em uma luta renhida por espaços
  políticos. Vencer as eleições em São Pau-
  lo, a cidade mais importante da Améri-
  ca Latina, e derrotar o “criador” seria um
  feito importante para os psolistas, em-
  bora Boulos, desde a sua filiação, tenha
  atuado para reaproximar as legendas.
  No fundo, o PSOL reproduz os mesmos
  cacoetes do PT, para o bem e para o mal.
   
  Quais? Um deles é a dificuldade de
  abrir mão do protagonismo em eventuais
  alianças. No Rio de Janeiro, o deputado
  Marcelo Freixo desistiu de disputar a
  eleição por não conseguir montar uma
  frente ampla. Alguns dos partidos que se
  recusaram a participar do arranjo recla-
  mam que Freixo e o PSOL jamais aven-
  taram a possibilidade de não ocupar a
  cabeça de chapa. A insistência, imposi-
  ção, segundo os críticos, teria minado as
  chances de acordo. Resultado: neste mo-
  mento, Benedita da Silva, do PT, e Martha
  Rocha, do PDT, disputam com o prefei-
  to Marcelo Crivella uma vaga no segun-
  do turno contra Eduardo Paes, do DEM.
   
  A canibalização das candidaturas pro-
  gressistas, como em São Paulo, pode, no
  entanto, levar a um fim melancólico: um
  abraço de afogados em 15 de novembro,
  data do primeiro turno. Nem Martha,
  nem Benedita. Renata Souza, que assu-
  miu a candidatura do PSOL no Rio após
  a desistência de Freixo, aparece com 5%.
  O PT, por sua vez, segue a orientação
  de Lula e não pretende desistir de Tatto,
  ao menos oficialmente. Gleisi Hoffmann,
  presidente nacional do partido, lembrou
  aos dissidentes das possibilidades de
  punição em caso de traição. “A filiação
  petista carrega consigo algumas respon-
  sabilidades, entre elas a de lealdade aos
  seus candidatos. O estatuto prevê medi-
  das caso isso não aconteça.” Cabem cen-
  sura, suspensão ou até expulsão.
   
  O que explicaria a estratégia do PT?
  Segundo o sociólogo Rudá Ricci, pro-
  fessor na Pontifícia Universidade Cató-
  lica de Minas Gerais, há vários fatores. O
  primeiro, o medo de perder a hegemonia
  do campo progressista, em especial no
  Sudeste, o que confinaria a legenda ao
  Nordeste. O segundo, a dificuldade dos
  atuais dirigentes de esboçar um proje-
  to estratégico para o futuro. “São dire-
  ções defensivas, reativas, que não apre-
  sentaram uma pauta que domine o cená-
  rio nacional.” O terceiro, a falta de com-
  preensão a respeito da nova configura-
  ção social. “A realidade dos nossos dias
  é muito diferente daquela que embalou
  a criação da legenda.” Finalmente, diz
  Ricci, o PT deu uma guinada muito forte
  ao centro e abandonou seus vínculos or-
  gânicos com os movimentos sociais e as
  lutas por direitos mais amplos. Tornou-
  -se uma espécie de “Partido da Ordem”,
  com enormes dificuldades para pensar
  além do padrão político institucional.
   
   “Chamo
  essa situação de ‘parlamenta-
  rização’, ou seja, o estilo acostumado a
  arroubos na tribuna e depois acordos e
  ‘republicanismos’ nos bastidores.”
  Sérgio Braga, professor de Ciência Po-
  lítica na Universidade Federal do Paraná,
  acredita que uma derrota em São Paulo,
  ainda mais se, no fim das contas, “Tatto
  for ‘cristianizado’”, pode comprometer o
  projeto petista de encabeçar uma chapa
  presidencial em 2022. O partido, avalia,
  burocratizou-se excessivamente ao che-
  gar ao poder, adotou uma postura ufanis-
  ta e agora paga um alto preço.]
  Em tempo: uma reunião no Instituto
  Lula selou a reaproximação entre o ex-
  -presidente e Ciro Gomes. O acordo de
  paz não deve produzir efeitos nas elei-
  ções municipais, mas retira de cena um
  dos maiores obstáculos a uma ampla
  aliança para enfrentar o bolsonarismo
  daqui para a frente. A ver. •
  
        
      
 
No comments:
Post a Comment