Ruy Castro
A ideia de fazer um “jornal de jornalistas”, “sem patrões”, era maluca demais para dar certo, com o que até Tarso, Sérgio e Jaguar concordavam. Jornalistas eram bons para fazer jornal, mas destrambelhados demais para administrá-lo. A prova era que todas as tentativas feitas no Rio nos 20 anos anteriores haviam fracassado, mesmo que capitaneadas por Rubem Braga, Joel Silveira e Millôr Fernandes.
O engraçado é que O Pasquim, com todo o tremendo sucesso que experimentou de saída, apenas confirmou aquela máxima. Como Tarso, Sérgio e Jaguar não contavam sequer com a sobrevivência do jornal, e muito menos com um estouro da circulação, não estavam preparados para a contabilidade que ele passou a exigir.
O Pasquim deu certo porque pegou todo mundo desprevenido. Em 13 de dezembro do ano anterior, o governo militar baixara um ato institucional, o de número cinco, que determinara o fechamento do Congresso, o fim das garantias constitucionais, a censura a vários veículos da imprensa, a asfixia quase letal ao Correio da Manhã e a implantação de um regime de força, comandado agora pelos três militares hidrófobos que formavam uma junta governativa.
Como soltar um jornal de humor num momento desses? Pois O Pasquim revelou-se exatamente o que o médico tinha receitado ao país —um veículo para o deboche contra tudo que parecesse severo, “respeitável”, oficial.
Se não se podia falar de política, podia-se debochar do oficialismo que se tentava impor ao país na cultura e nos costumes. “Um folião no velório”, como ele se autodefiniu.
Isso se refletia nos cartuns (de Jaguar, Millôr, Ziraldo, Henfil, Claudius, Fortuna), nas colaborações (de Paulo Francis, Glauber Rocha, Chico Anysio), nas seções (como as Dicas, de Martha Alencar, e a Contracultura, de Luiz Carlos Maciel) e nas entrevistas —caóticas, reveladoras e revolucionárias, como a de Leila Diniz, no número 22. Nesta, no lugar dos palavrões ditos por Leila ao gravador, puseram-se asteriscos, que o leitor “traduzia” sem dificuldade para os palavrões originais.
Quando os militares se deram conta da fórmula do Pasquim, estenderam a ele a censura —mas, então, ele já estava no número 39.
E havia o jeito de escrever do Pasquim, um sucedâneo do que às vezes se fazia nos segundos cadernos do Correio da Manhã, do Jornal do Brasil e da Última Hora e em revistas como as extintas Senhor, Pif-Paf e Diners. Todos no Pasquim tinham passado por pelo menos um desses veículos.
O jornal não parecia escrito, mas falado, tal o seu grau de informalidade. E, a partir de certo momento, todos os colaboradores passaram a escrever à maneira do Pasquim.
Assim que saiu, o jornal exalava o espírito franco, moderno e sem compromisso da antiga Ipanema. Ironicamente, sua primeira redação era na Lapa, perto do Correio da Manhã, onde rodava; depois iria para Botafogo, onde ficaria anos; em seguida, para vários endereços de Copacabana; e, a partir daí, eu próprio perderia a conta. Nunca chegou a Ipanema, o que não impediu que, desde o começo, ele fosse, como disse o diplomata Edgard Telles Ribeiro, “Ipanema bottled”.
De 1969 até, digamos, 1979, O Pasquim foi a voz do Brasil que tentava falar. Mas a abertura política, a partir do governo Figueiredo (1979-1985), fez com que outras vozes, menos ou mais sérias, se juntassem à do Pasquim e se misturassem as estações. Por muitos anos ainda, ele continuaria a falar —só que, já então, ninguém mais queria ouvi-lo. Nem precisava.
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