Ministro quer cobrar dinheiro de países ricos pelo aumento do desmatamento; não vai dar certo – mas ele já sabe disso
Carlos Rittl
Que diferença um ano faz. No começo de seu mandato, o ministro do
Meio Ambiente,
Ricardo Salles,
justificou assim sua rejeição às negociações internacionais em torno do
clima: “Nossa prioridade no ministério não é ficar mandando grupo de 20,
30 pessoas viajando o mundo inteiro de executiva e ficando em hotel e
comendo por conta do governo para discutir como vai estar o mundo daqui a
500 anos”.
Não se sabe em que classe Salles voará para Madri para participar da 25ª Conferência da Convenção do Clima da ONU, a COP-25, que começa amanhã. Mas, ao menos no discurso, sua visão sobre o encontro parece ter mudado.
No dia 19 de novembro, confrontado com a catástrofe da aceleração do desmatamento na Amazônia, Salles chamou a imprensa para dizer que tinha a resposta para o problema: cobrar dos países ricos, na COP-25, recursos “compatíveis com o desafio de preservação da Amazônia”, que “até agora não recebemos”.
Não será a primeira vez que uma autoridade brasileira tenta obter da comunidade internacional recursos para a proteção da floresta. Mas Salles inova ao ser o primeiro negacionista do clima a ir a uma COP pedir dinheiro para resolver um problema que ele não acha que seja causado por ações humanas.E, mais grave, a fazê-lo num momento em que o governo brasileiro já demonstrou que não tem interesse em resolver o desmatamento, essa “questão cultural”.
É como se um inadimplente entrasse num banco exigindo um aumento em seu limite de crédito, alegando que costumava ser um bom pagador... Antes de abrir a conta.
Em entrevista, Salles calculou a suposta dívida dos países ricos com o Brasil em US$ 10 bilhões por ano — 10% de todo o financiamento climático prometido no Acordo de Paris. Ele afirma ainda que o Brasil já fez demais pelo clima. E que, para fazer mais, deveria receber pelo calote supostamente tomado. Com a truculência de praxe, tem imposto esse pagamento como condição para sentar-se à mesa de negociações.
Não, Salles, ninguém deve nada ao Brasil. Isso é uma estupidez técnica, ética e política.
Técnica porque a meta do Brasil no Acordo de Paris não é condicionada. Ao assumir o compromisso, em 2015, o país não o vinculou ao aporte de recursos internacionais. E fez isso porque conseguiu reduzir o desmatamento ao mesmo tempo em que o PIB brasileiro, inclusive do agro, crescia.
Além disso, nosso inadimplente esquece que o mundo já reconheceu as reduções de CO² por desmatamento do Brasil e já vem pagando por elas de duas maneiras: uma é o Fundo Amazônia, de R$ 3,4 bilhões. A outra são US$ 96 milhões recebidos do Fundo Verde do Clima (GCF). Foi o próprio Salles quem optou por não usar os recursos, porém: parou o Fundo Amazônia por birrinha com ONGs e não nomeou a comissão para gerenciar a verba do GCF.
Estupidez ética porque, como Salles já deve ter notado, o desmatamento subiu 30% neste ano e segue em alta para 2020. O ministro disse na semana passada que ficaria feliz se a destruição subisse apenas 29% no ano que vem.
O raciocínio inovador que permitiu à Noruega doar US$ 1 bilhão ao Fundo Amazônia foi justamente reduzir o desmate primeiro e receber o recurso depois. Um governo que espantou os parceiros do fundo e que admite que “potencializou” a destruição da floresta não tem moral nenhuma para cobrar recurso.
Evidentemente os negociadores que se reunirão em Madri a partir de amanhã sabem disso. Daí a chance de o ministro ter sucesso político em sua chantagem florestal é nula. Salles também sabe disso, é claro; sua ideia nunca foi realmente captar recurso para a Amazônia, mas sim gerar buzz para desviar a atenção da sua responsabilidade pelo aumento do desmatamento.
Fazê-lo num palco como a COP, porém, é uma aposta alta. Como lembra um experiente diplomata sul-americano, no jogo das relações internacionais, quem não se senta à mesa geralmente é parte do cardápio.
*Carlos Rittl, biólogo, é secretário-executivo da ONG Observatório do Clima.
Não se sabe em que classe Salles voará para Madri para participar da 25ª Conferência da Convenção do Clima da ONU, a COP-25, que começa amanhã. Mas, ao menos no discurso, sua visão sobre o encontro parece ter mudado.
No dia 19 de novembro, confrontado com a catástrofe da aceleração do desmatamento na Amazônia, Salles chamou a imprensa para dizer que tinha a resposta para o problema: cobrar dos países ricos, na COP-25, recursos “compatíveis com o desafio de preservação da Amazônia”, que “até agora não recebemos”.
Não será a primeira vez que uma autoridade brasileira tenta obter da comunidade internacional recursos para a proteção da floresta. Mas Salles inova ao ser o primeiro negacionista do clima a ir a uma COP pedir dinheiro para resolver um problema que ele não acha que seja causado por ações humanas.E, mais grave, a fazê-lo num momento em que o governo brasileiro já demonstrou que não tem interesse em resolver o desmatamento, essa “questão cultural”.
É como se um inadimplente entrasse num banco exigindo um aumento em seu limite de crédito, alegando que costumava ser um bom pagador... Antes de abrir a conta.
Em entrevista, Salles calculou a suposta dívida dos países ricos com o Brasil em US$ 10 bilhões por ano — 10% de todo o financiamento climático prometido no Acordo de Paris. Ele afirma ainda que o Brasil já fez demais pelo clima. E que, para fazer mais, deveria receber pelo calote supostamente tomado. Com a truculência de praxe, tem imposto esse pagamento como condição para sentar-se à mesa de negociações.
Não, Salles, ninguém deve nada ao Brasil. Isso é uma estupidez técnica, ética e política.
Técnica porque a meta do Brasil no Acordo de Paris não é condicionada. Ao assumir o compromisso, em 2015, o país não o vinculou ao aporte de recursos internacionais. E fez isso porque conseguiu reduzir o desmatamento ao mesmo tempo em que o PIB brasileiro, inclusive do agro, crescia.
Além disso, nosso inadimplente esquece que o mundo já reconheceu as reduções de CO² por desmatamento do Brasil e já vem pagando por elas de duas maneiras: uma é o Fundo Amazônia, de R$ 3,4 bilhões. A outra são US$ 96 milhões recebidos do Fundo Verde do Clima (GCF). Foi o próprio Salles quem optou por não usar os recursos, porém: parou o Fundo Amazônia por birrinha com ONGs e não nomeou a comissão para gerenciar a verba do GCF.
Estupidez ética porque, como Salles já deve ter notado, o desmatamento subiu 30% neste ano e segue em alta para 2020. O ministro disse na semana passada que ficaria feliz se a destruição subisse apenas 29% no ano que vem.
O raciocínio inovador que permitiu à Noruega doar US$ 1 bilhão ao Fundo Amazônia foi justamente reduzir o desmate primeiro e receber o recurso depois. Um governo que espantou os parceiros do fundo e que admite que “potencializou” a destruição da floresta não tem moral nenhuma para cobrar recurso.
Evidentemente os negociadores que se reunirão em Madri a partir de amanhã sabem disso. Daí a chance de o ministro ter sucesso político em sua chantagem florestal é nula. Salles também sabe disso, é claro; sua ideia nunca foi realmente captar recurso para a Amazônia, mas sim gerar buzz para desviar a atenção da sua responsabilidade pelo aumento do desmatamento.
Fazê-lo num palco como a COP, porém, é uma aposta alta. Como lembra um experiente diplomata sul-americano, no jogo das relações internacionais, quem não se senta à mesa geralmente é parte do cardápio.
*Carlos Rittl, biólogo, é secretário-executivo da ONG Observatório do Clima.
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