A ameaça aos conselhos tem acontecido de diferentes maneiras. O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), protegido por uma lei específica, está acéfalo há três meses. Damares Alves deliberadamente não nomeia um coordenador para ele. “Temos dificuldade para comprar passagens, nos comunicar com o ministério e com outros órgãos do país. Nossos relatórios de missões, que detalham nossas inspeções de violações de direitos humanos, estão todos atrasados. Estamos sem articulação”, descreveu o presidente do colegiado, Leonardo Pinho.
Alguns, sem a mesma proteção em lei que o CNDH tem, diminuíram na tesoura a participação social. No Ministério da Justiça, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas perdeu 17 dos 31 assentos. Antes, a composição era de 17 representantes do governo e 14 da sociedade civil. Hoje, o governo tem 12 assentos e o Terceiro Setor dois. O Conselho Nacional do Meio Ambiente tinha 96 assentos e, por um decreto de Bolsonaro, agora tem 23. Mas, em meio à mudança, aumentou o espaço do governo e diminuiu o da sociedade civil. No Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, outro decreto presidencial, de junho, demitiu 11 peritos encarregados de apurar denúncias de tortura em prisões, hospitais psiquiátricos e asilos de todo o país. Uma decisão da Justiça Federal no Rio de Janeiro restabeleceu os 11 cargos. Graças ao colegiado, o país soube, em setembro, que agentes da força-tarefa federal que atua em presídios do Pará estavam envolvidos em casos de tortura. Bolsonaro chamou as denúncias de “besteira”.
“O barata-voa é tamanho que nem o próprio governo sabe informar quantos colegiados extinguiu até agora”Em abril, no decreto editado nos 100 dias de governo, Onyx Lorenzoni falou vagamente de uma meta de cortar “mais de 600 conselhos”, e assim ocorreu a extinção de “conselhos, comitês, comissões, grupos, equipes” e “qualquer outra denominação dada ao colegiado”. Mas, na mesma leva em que foi extinto o estranho “grupo de trabalho do Centro de Emergência de Computação”, também foi encerrada a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil.
Há duas semanas, em São Paulo, num encontro do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), entidade que reúne filantropos, fundações e institutos de grandes empresas que colocam dinheiro em projetos sociais, Neca Setubal, presidente da entidade e uma das donas do Itaú, reconheceu que o cenário é ruim. “Estamos vivendo tempos difíceis na sociedade civil. Existe um campo autoritário nos atacando. É impressionante como está acontecendo uma deterioração tão rápida nos direitos civis e no ambiente político”, analisou, defendendo que as organizações não se fechem. Pelo contrário: “Deve haver uma escuta ainda mais profunda para entender o que as pessoas estão pensando. Não podemos entrar no ‘nós contra eles’”.
O cenário sombrio não é uma exclusividade brasileira. Somente 4% da população mundial vive em países com um espaço cívico de fato aberto. Pelos cálculos da Civicus, que mantém um monitor sobre o espaço da sociedade civil, em 111 países dos cinco continentes ela está sob “sério ataque”. Entre as cinco categorias formuladas pela entidade — aberto, estreito, obstruído, reprimido e fechado —, o Brasil atual é considerado “obstruído”, por ter um ambiente “fortemente contestado pelos detentores de poder”. É a mesma classificação de Israel, Hungria e Polônia — não à toa países que também têm líderes que flertam com a autocracia.
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