December 19, 2019

Sérgio Augusto reúne críticas de cinema em livro e fala da vulgarização do ofício



Claudio Leal



O garoto de 14 anos não esperava descobrir a sua futura profissão naquele jornal deixado na porta de casa, numa manhã de 1956. A leitura da coluna do crítico de cinema Moniz Vianna, no Correio da Manhã, o desobrigou de testes vocacionais. “É isso que eu quero fazer da vida”, ele pensou alto.

Perto de completar 60 anos de jornalismo, Sérgio Augusto, 77, ganha a primeira antologia de ensaios dedicados ao universo cinematográfico. Escritos em sua maioria entre 2000 e 2010, os 89 textos de “Vai Começar a Sessão”, lançado pela editora Objetiva, refletem a maturidade do crítico cultural, que não traiu aquela intuição na adolescência.


December 17, 2019

As 24 horas mais absurdas do Moro, por larga vantagem

do MEDO E DELIRIO EM BRASILIA

Hoje ele tá demais. Comecemos com o triste fim da Moro de saias:
“Conhecida como “Moro de saias”, a ex-juíza Selma Arruda perdeu o mandato de senadora na última terça-feira por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – mas tem vaga cativa no coração de seu amigo de calças. Antes do julgamento, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, visitou integrantes da Corte para tentar convencê-los de que Selma Arruda era pessoa séria e honesta.” [Época]



Imagine, o ministro da Justiça indo ao STF e fazendo lobby por uma ré, esse filho da puta deve ter fumado crack enquanto tomava um chá de cogumelo, só isso explica achar isso uma boa idéia

“Segundo Moro, os indícios contra ela não passavam de equívocos e, portanto, ela não merecia perder o mandato. O chefe da pasta da Justiça chegou a argumentar que, diante do perfil reprovável de boa parte dos parlamentares, a ex-magistrada era um alento no Congresso Nacional.”

Palavras do Samuel Braun:
Isso, o Executivo indo no Judiciário fazer lobby pelo Legislativo. Moro não sabia que isso não pode. Aliás, Moro não sabe muita coisa de leis, né? Barroso recebeu o carcereiro de Maringá, e fez altos elogios à integridade moral da juíza, que foi vítima de seu suplente que lhe doou recursos ilegais. Tadinha… 2013 apontou seus holofotes pro Executivo e Legislativo e viu a “revolução judiciarista” liberal alçar algo ainda mais podre e elitista: o Partido Penal brasileiro, com Judiciário e Ministério Público à frente.” [Facebook]


O mais espantoso é que nenhum ministro expulsou o Moro do STF a base de tapas e pontapés. Imagine, um ministro da justiça intervindo em um julgamento prestes a acontecer!
E deu tão certo que a Moro de saias perdeu por 6 a 1. Palavras do Barroso, que apesar dos elogios votou contra a juíza – e o Moro, por tabela:
“Eu recebi diversas manifestações que exaltavam as virtudes pessoais da senadora Selma Arruda, com ênfase na sua integridade pessoal, na sua coragem e na sua trajetória como magistrada. Na verdade, no entanto, não está aqui em discussão nem seu currículo, nem sua atuação pretérita como juíza. Aqui se discute pura e simplesmente uma questão eleitoral… Eu não duvido que muitos interesses contrariados tenham se articulado para engendrar a perda do mandato da senadora conquistado nas urnas. Me parece impossível negar que esses fatos contrariam a legislação e contrariam a jurisprudência deste tribunal, caracterizando abuso de poder econômico”.”.

E se o presidente não obrigou o moro a escrever esse tweet com uma arma apontada para a sua cabeça isso não faz o menor sentido, puta que pariu.


Tenho grande respeito pela OAB, por sua história, e pela advocacia. Reclama o Presidente da OAB que não é recebido no MJSP. Terei prazer em recebê-lo tão logo abandone a postura de militante político-partidário e as ofensas ao PR e a seus eleitoreshttps://epoca.globo.com/guilherme-amado/presidente-da-oab-diz-que-quem-apoia-bolsonaro-tem-desvio-de-carater-1-24131220 



Alguém avise ao Moro que ele é muito mais popular que o Bolsonaro e não precisa ficar rastejando aos pés do presidente, puta que pariu…

Reação do presidente da OAB:
“Tenho dificuldade em acreditar que o ministro Moro tenha dito que só recebe quem concorda com ele. Aliás, política partidária ele faz desde que era juiz em Curitiba como demonstram as reuniões realizadas antes do segundo turno com a equipe do presidente. Ele reduziu a função de ministro da Justiça à de advogado pessoal do presidente. Isso sim é política partidária. Ele não age como ministro de estado, mas como ministro de governo.”
Mais cedo, em comunicado enviado à imprensa, Santa Cruz afirmou que a notícia publicada na revista Época não refletia o que ele havia falado. “Bolsonaro explora os piores sentimentos que existem na nossa sociedade, como racismo, machismo e homofobia, incentivando o ódio. Essa não é a realidade do conjunto de apoiadores dele, que é composto de vários setores, que têm interesses legítimos. Gostaria de esclarecer que uma frase tirada do contexto dá uma ideia errônea do que falei e do que que penso”, dizia o texto.”

Palavras do Idelber Avelar:
“A questão não é apenas que Sergio Moro tenha sido um juiz profundamente corrompido no sentido mais estrito do termo. A questão não é apenas que Sergio Moro seja um político mentiroso, dissimulado, manipulador e covarde, embora ele seja todas essas coisas. A questão é pior ainda e vai ao coração do Estado democrático de direito.
A dondoca que o governo de extrema-direita do Brasil tem como Ministro da Justiça escreveu um tuíte dizendo que só receberá o presidente da OAB quando este abandonar o que ele, Sergio Moro, considera “postura de militante político-partidário” e “ofensas ao Presidente e seus eleitores”.
Traduzindo: o funcionário público Sergio Moro disse que só recebe o Presidente da OAB — o Presidente da fucking Ordem dos Advogados do Brasil! — no Ministério da Justiça que ele comanda, ou seja, o funcionário público está dizendo que só vai fazer o seu trabalho, no momento em que ELE ACHAR que o Presidente da OAB deixou de ser “militante político-partidário”. Não é uma graça?
O Sr. Sergio Moro não tem — ou finge que não tem, o que dá na mesma — a menor compreensão do que é a impessoalidade no trato com a coisa pública em um Estado democrático de direito. É, e sempre foi, um aprendiz de ditador, um aspirante a ditador e, como tal, um lambe-botas de qualquer aspirante a ditador que esteja ocupando o degrau de cima.
Não sei qual é o “pior” Ministro de Bolsonaro. Mas sei qual é o mais perigoso. Por isso bombardear Sergio Moro incessantemente até derrubá-lo é tarefa de todos os democratas. Quem não viu isso ainda não entendeu bem, creio eu, o que está em jogo no Brasil de hoje.” [Facebook]

Cardozo, ex-ministro da justiça. aproveitou a deixa:
“O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que comandou a pasta no governo de Dilma Rousseff, diz considerar um erro o ministro Sergio Moro se negar a receber o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, porque ele fala mal de Jair Bolsonaro. Cardozo lembra que chegou a receber os maiores adversários da então presidente Dilma Rousseff, que inclusive defendiam o impeachment dela —como os senadores Aécio Neves e Antonio Anastasia. “Só não recebi o Bolsonaro [que era deputado federal] porque ele nunca pediu audiência”, afirma Cardozo.” [Folha]

E não acabou não, se acalme, porra. Moro deu uma entrevista espantosa e é uma resposta pior que a outra.
Ontem eu escrevi aqui sobre o paradoxo que é a aprovação do Moro aumentar ao mesmo tempo em que aumenta a percepção que o governo federal não combate a corrupção. Mas isso não tem nada a ver com Moro ou com o governo, tá ok?! O ministro da Justiça achou de bom tom apontar o dedo e dizer que a culpa é do… STF!
“O que aconteceu nesse período para que essa percepção piorasse foi a revogação do precedente da segunda instância. Isso implicou a soltura de pessoas que estavam condenadas, inclusive por corrupção. Então, as pessoas às vezes têm uma percepção geral e atribuem ao governo” [Folha]

A jornalista pergunta sobre o pilantra do Turismo e a resposta é espantosa:
“Isso mostra que as instituições funcionam e que não existe nenhuma perspectiva de interferência política no trabalho das instituições de controle. A polícia fez seu trabalho, o Ministério Público fez seu trabalho, cabe à Justiça decidir o destino do ministro.”



Alegou demência, coitado.

E Moro, muito mais popular que o presidente, jura ser leal ao Bolsonaro e nem se dá conta do quão mafioso isso soa.
“Como ministro do presidente seria absolutamente inconsistente eu não apoiar a reeleição dele em 2022… Não tenho nenhuma pretensão de seguir a política partidária. A perspectiva de ingressar no governo foi para consolidar o que vinha fazendo como juiz, principalmente no campo de enfrentamento à corrupção.”
Moro elogiou Mourão, em especial pelo então general da ativa ter criticado a comandante em chefe das forças armadas, virou putaria – a pergunta era sobre ser vice em 2022 do Bolsonaro:
“O que temos é um vice-presidente que respeito muito, Hamilton Mourão. Um general consagrado que colocou em risco a carreira em um determinado momento para defender o que ele pensava. Acho que essa discussão não é apropriada no momento.”

Colocou em risco?! Só pode estar de sacanagem, o ministro da justiça tá cuspindo na hierarquia militar dum governo verde-oliva e é incapaz de se atentar. Adivinhe qual seria a reação do Moro se um general da ativa descesse o pau no Bolsonaro.

E Moro jura que ninguém do governo defendeu AI-5:
“O AI-5 não é tema do governo. Isso para mim é um delírio, uma fantasia. Não existe nenhuma perspectiva de medida autoritária.”



E Moro é incapaz de garantir a permanência do diretor-geral da PF, que sujeito triste:
“Não cabe esse tipo de posição. Dentro dos vários quadros do ministério, a gente tem pessoas competentes fazendo seu trabalho. Quando as pessoas competentes fazem seu trabalho, não existe motivo para trocar. O presidente tem o poder de nomeação de alguns cargos. Então, isso cabe a ele. E no meu papel cabe indicar pessoas que entendemos mais apropriadas para esses cargos.”

Moro mudou de idéia quanto à federalização da investigação da morte da Marielle:
“Minha avaliação, e a avaliação da então procuradora-geral Raquel Dodge, era que seria melhor a federalização. Fiz declarações públicas nesse sentido e, no entanto, ouvi de familiares da vítima e de membros da oposição de que isso seria uma tentativa de obstruir as investigações. Nesse cenário, acho que é mais apropriado que fique então na Polícia Civil e no Ministério Público Estadual. Mas, com a ressalva, então, que não se venha depois cobrar o governo federal pela não resolução do caso.”
Parece uma criança de 5 anos.

A parte sobre o áudio entre Lula e Dilma é hilário:
“Externei na minha decisão que havia sido captada uma possível tentativa de obstrução de Justiça, que havia sido finalizada a interceptação, que estávamos dando publicidade àqueles fatos para inclusive coibir a tentativa de obstrução, PARA QUE O PÚBLICO SOUBESSE. NÃO PRECISAMOS ESCONDER SEGREDOS SOMBRIOS DE HOMENS PÚBLICOS. A transparência é fundamental.”
Para que o público soubesse, viado! Ele disse que vazou uma ligação obtida de forma ilegal entre uma presidente e o ex-presidente para que o “público soubesse“, porra!



Esse diálogo é tão espantoso que vai em imagem:
morodemente.JPG
O final e espantoso:
“Então vamos fazer o seguinte, encontrem uma declaração de algum órgão policial dizendo que eu interferi em alguma investigação e aí vocês podem fazer pergunta pra mim ou vir me acusar de alguma coisa. A forma como vocês estão colocando é ofensiva esse tipo de pergunta. A conclusão da Folha sobre a investigação foi equivocada. Eu jamais interferi e jamais interferiria em qualquer investigação.”

Vamos á declaração do Moro na época, só pra não deixar dúvida:
“O PR @jairbolsonaro fez a campanha presidencial mais barata da história. Manchete da Folha de São Paulo de hoje não reflete a realidade. Nem o delegado, nem o Ministério Público, que atuam com independência, viram algo contra o PR neste inquérito de Minas. Estes são os fatos”

Se isso não é sair em defesa da campanha eu não sei mais de nada.

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December 15, 2019

Olha que 171 é o Guedes

do MEDO &; DELIRIO EM BRASILIA 

 Guedes deu entrevista ao Globo e, como era de se esperar, estou boquiaberto: “Eu fiz uma aposta muito clara lá atrás, e minhas expectativas estão se confirmando. O presidente apoiou o programa até hoje. Apoiou a reforma da Previdência, o pacto federativo, mas diz que é uma questão de timing político. É falso dizer que o presidente não apoia a reforma administrativa, por exemplo. É timing político. A mídia também tem apoiado 100% a agenda econômica. Então estou superfeliz. E o que está acontecendo no Congresso? Primeiro, houve um choque inicial. Depois, absorveu. Hoje, Senado e a Câmara dos Deputados estão abraçando as reformas. Para as reformas, eles deram governabilidade. O presidente defendeu uma coisa ou outra corporativa. Mas ele apoiou o resto.” [O Globo]

 

 Vamos, tal qual um estripador, por partes: “Eu fiz uma aposta muito clara lá atrás, e minhas expectativas estão se confirmando. O presidente apoiou o programa até hoje” —> Se o presidente cheirasse a enxofre, tivesse chifres, uma pele avermelhada, voz grave, andasse pra cima ou pra baixo com um tridente e apoiasse a pauta econômica Guedes não veria qualquer problema. Inclusive se diria fã do cramulhão. “E o que está acontecendo no Congresso? Primeiro, houve um choque inicial. Depois, absorveu.” —> 

O choque inicial seriam as patadas de Bolsonaro e Guedes pra cima do parlamento, tá ok?! “Senado e a Câmara dos Deputados estão abraçando as reformas. Para as reformas, eles deram governabilidade.” —>

 Por que se dependesse do governo já sabe né… e quem confessa isso é o todo poderoso ministro da Economia. “O presidente defendeu uma coisa ou outra corporativa. Mas ele apoiou o resto” —>

O presidente pode ser corporativista mas a oposição não, está ok? E quando o Senado cede ao corporativismo o Guedes bate sem dó nos parlamentares. A jornalista cita a inexistência de qualquer coisa que se assemelhe a uma articulação política por parte do governo: “O que está acontecendo é o seguinte: já existe a nova política. Ela já está acontecendo. Temos um Congresso reformista sem que o governo tenha tomado a frente. Há um clima de total cooperação. Os senadores estão com as equipes acampadas no ministério (da Economia) tratando do pacto federativo. A governabilidade está sendo feita em cima da agenda de reformas.”



 Sim, o Guedes está confessando que o governo tem papel secundário, o protagonista das reformas é o parlamento. Não à toa Maia defendeu as reformas muito mais que o Bolsonaro. Olha que 171 é o Guedes: “Como economista, eu não tenho dúvida de que quanto mais rápido você implementar as reformas, mais rápido o país retoma o caminho do crescimento sustentável e mais baixo é o risco de acontecer o que aconteceu na Argentina . Acelerando essa agenda, eu acho que ele poderia perfeitamente crescer 1% este ano, 2% no ano que vem, 3% no seguinte e 4% no último ano. Se nós acelerarmos as reformas agora, os frutos estarão colhidos ali na frente. Mas digo isso como economista. Agora, tem também o processamento político das reformas. Nós estávamos em um caminho. E aí, de repente, começa a confusão na América Latina . Bagunça, desordem, aí o timing politico começa a mudar.”

A sorte do Brasil é que a AL entrou em auto-combustão, do contrário seríamos atropelados pela pauta do Guedes. Lá pelas tantas o Guedes fala dum projeto de saneamento tocado pelo Tasso e pelo Maia e… “Lá fora, de cada dez perguntas, seis ou sete são sobre o setor de saneamento. É um investimento relativamente estável e o investidor gosta de soluções privadas para problemas públicos. É ideal para o Brasil porque estamos sem recurso. O estado brasileiro está quebrado. Com essa lei, em cinco ou seis anos acaba o problema do saneamento básico no Brasil .



 Ora, boa parte do problema de saneamento não está nas grandes cidades, está em lugares que a iniciativa privada não vai nem fodendo! E “de cada dez perguntas, seis ou sete são sobre o setor de saneamento.”, tá de sacanagem, né?!

Guedes mente de forma constrangedora. E eu sempre apontei que qualquer reforma tributária seria tocada por qualquer um que não estivesse no governo, lembra? “Houve uma guerra de versões sobre a reforma tributária e o secretário da Receita (Marcos Cintra) caiu . Então tivemos de refazer tudo, pois era ele que conduzia todos esses assuntos. Mas estamos recuperando rapidamente os vetores para começarmos a entrar. Devemos apresentar ainda este ano, dentro de uma ou duas semanas, a primeira fase da tributária, que é a do IVA Dual (tipo de imposto sobre valor agregado). O (economista Bernard) Appy também tinha feito essa proposta. A gente viu que é mais fácil encaixarmos isso do que tentarmos invadir.”

Viu” o caralho, tomaram uma prensa e colocaram o rabinho entre as pernas. Mais um olé do Maia pra sua extensa conta.

 Lá pelas tantas a jornalista pergunta sobre liberal-democracia e a resposta é espantosa: “Eu exatamente prefiro ficar mais na esfera econômica porque toda vez que eu saio não sou bem compreendido. Eu celebro a nossa democracia como sociedade aberta em construção… Eu defendi sempre isso. E aí eu abro o jornal e vejo as pessoas falando o contrário. Eu falo: olha, eu defendo a democracia, temos que evitar a desordem. Aí distorcem uma defesa da democracia em ataque à democracia.” Ô coitado, o sujeito que considera ditaduras “intelectualmente irrelevantes” é mal compreendido.

Na sequência consegue a proeza de defender a menção ao AI-5 do filho do presidente, é um gênio! “O (deputado) Eduardo (Bolsonaro) não falou isso do nada . Quebraram tudo no Chile. Aí o Lula sai da cadeia e fala: vamos fazer igual no Chile. Eu estava advertindo contra isso, em defesa da democracia.”

A jornalista pergunta sobre sua promessa estúpida de zerar o déficit em um mísero ano: “Deu tudo errado. Mas é o menor déficit em seis anos . Sim, se tivesse dado certo Guedes jura que teria zerado o déficit em um ano, ele é maluco, doido de pedra, daqueles que come merda no café da manhã. “Neste aspecto, é bom pegar uma característica minha. Eu venho do setor privado. No setor privado, a gente trabalha com big, bold target (jargão  do mercado, em inglês, para metas muito ambiciosas ) . Se der tudo errado, deu duas vezes o que o governo anterior queria.”

O sujeito continua atuando como um investidor, e não tem o menor pudor em confessar isso. Vai descobrir da pior maneiro possível que países não são empresas. E alguém por favor me explique esse AVC de letrinhas: “Se der tudo errado, deu duas vezes o que o governo anterior queria.”, que porra é essa!?

  “O previsto era R$ 139 bilhões e vai ser R$ 80 bilhões. Então você tem de trabalhar com a meta ousada. Tem economista que trabalha diferente: “vamos baixar de R$ 139 bilhões pra R$ 122 bilhões e aí você cumpre a meta”. O meu é big, bold target . Todo ano eu vou tentar. Vai ser possível? Não sei. Mas vou tentar. E privatização? Vou vender tudo. Essa é a meta. Tem uma particularmente que pode ser de R$ 250 bilhões.”

Sim, ele esta falando da Petrobras E o liberal Guedes acha de boa intervenção estatal no setor bancário: “Essa agenda é do Banco Central. O (presidente do BC, Roberto) Campos Neto estudou cinco meses o problema do descalabro dos juros do cheque especial . É um negócio completamente absurdo. Os juros estavam em torno de 400% ao ano. Quem recorre ao cheque especial é quem não tem dinheiro. A classe média também usa muito, mas o pobre recém-bancarizado é o usuário intensivo. Eu sempre adverti o seguinte: não gostamos de tabelamento de juros, embora haja uma razão teórica. Qualquer liberal pode, sim, intervir num mercado em que haja alta concentração de poder econômico. Você tem fundamento teórico para intervir. Quando a economia é competitiva, você não precisa se preocupar com exploração do uso. Eu falei para o Campos: esse tabelamento até um liberal tem razões teóricas para fazer, mas acho isso esculhambação. Aí ele disse: não, mas vamos derrubar de 400% pra 200%. Eu falei: pô, aí vai me arrumar problema político. Vão nos criticar que somos liberais e estamos tabelando preço. Assim a gente não precisa de oposição. Então minha reação inicial há cinco meses foi: Campos, cuidado onde você está indo… Ele então argumentou que não era tabelamento e sim a redefinição do produto: “Eu sei onde nós bancos estamos fazendo a maldade. Eu vou desmontar a maldade”, ele disse.

Como se o tópico não estivesse grande o suficiente, encerro com o cirúrgico Celso Rocha de Barros: “O único lado racional do governo Bolsonaro é o lado de fora. Ninguém que se propôs moderar o bolsonarismo por dentro teve, até agora, qualquer sucesso. Pelo contrário, foram todos rebaixados ao nível do chefe. O ministro da Economia disse que entende por que os bolsonaristas pedem um novo AI-5. Segundo Guedes, os apelos por fascismo se justificam porque Lula pode convocar protestos que, inspirados em Leonardo Di Caprio, taquem fogo em tudo. A mera ameaça de algo assim já teria, ainda segundo o ministro, derrubado a reforma do serviço público.  No meio da conversa, Guedes pediu que todos aceitassem o resultado da eleição Na verdade, Bolsonaro abortou a reforma porque nunca quis fazê-la. Guedes fingiu que acreditou que a culpa fosse de Lula porque também precisava de uma desculpa: nunca conseguiu aprovar reforma que Rodrigo Maia não lhe tenha entregado pronta. Quanto a aceitar o resultado da eleição, ministro, faz só um ano, não deu tempo para esquecer: durante a campanha do ano passado, Bolsonaro disse repetidas vezes que não aceitaria o resultado em caso de derrota. Em uma entrevista a José Luís Datena no hospital, Bolsonaro disse: “eu não posso falar pelos comandantes militares, respeito todos eles, mas pelo que eu vejo nas ruas, eu não aceito resultado diferente do que a minha eleição”. Ministro, o senhor tem qualquer interpretação desta frase que não implique que seu chefe teria tentado um golpe de estado contra o presidente Fernando Haddad, com ou sem o apoio logístico do astro de “Titanic”?” [Folha]
O final é ótimo: “Na primeira versão desse texto eu terminava pedindo que o empresariado, os militares e a turma de Sergio Moro se pronunciassem oficialmente, em voz alta, em público, contra o autoritarismo bolsonarista. Eu sei, pode rir, eu também comecei a rir alto enquanto escrevia, por isso apaguei. De qualquer maneira, deixo uma dica para os ricos brasileiros, uma dica que eles não merecem. Como mostrou o artigo de Laura Carvalho na Ilustríssima de ontem, nenhum outro populismo de direita da onda Orbán é liberal em economia como Guedes lhes prometeu que Bolsonaro seria. Quanto mais os bolsonaristas se consolidarem no poder, menos vão precisar do apoio de vocês. Quem vender a democracia brasileira em troca de liberalismo econômico vai acabar sem os dois. Como da última vez.”

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Loucura, loucura, loucura!



A gente precisa vol-
tar a pensar no
mundo real. Nas
pessoas. No povo
de carne e osso.
O povo quer sa-
ber como a vida
pode melhorar de verdade. É só isso.” Em
9 de setembro, estas exatas palavras ar-
rancaram uivos e aplausos de uma plateia
de empresários. Estranho entusiasmo em
um país no qual a elite minimiza as arbi-
trariedades de Jair Bolsonaro e apoia a
destruição do Estado em nome das “re-
formas”. Mais estranho ainda porque o
discurso não saiu da boca de um “populis-
ta de esquerda”, do tipo de gente despre-
zada pelos participantes do convescote.
Quem proclamou a máxima foi o apresen-
tador de tevê Luciano Huck. A claque que
o saudou era composta majoritariamente
de engravatados, convivas em um evento
patrocinado por uma das principais re-
vistas de negócios do País em um hotel ca-
ro na valorizada Zona Oeste de São Paulo.
Esse tipo de contato tem se tornado co-
mum. Ao longo deste ano, Huck estrelou
14 eventos para tratar de política. Falou a
estudantes, empresários, governadores,
publicitários, à comunidade israelita e à
elite financeira internacional.

Acostumado a entreter o público nas
tardes de sábado, o “bom-moço” da te-
vê brasileira não encontra dificuldades
em empolgar a nova plateia. Nos debates
agarra-se a uma bandeira normalmen-
te erguida pelos movimentos progressis-
tas: o combate às desigualdades sociais.

Os discursos repetem um esquema:
o apresentador exibe fotos e vídeos de
personagens que conheceu nas grava-
ções de seu programa Caldeirão do Huck,
na Rede Globo. Cada uma das “histórias
de vida” serve como premissa da defesa
de um novo Brasil. Gosta de citar par-
ticularmente a trajetória de Pelé, pipo-
queiro de Lagoa da Prata, no interior de
Minas Gerais, que teve a casa reformada
pelo apresentador graças a um abaixo-
-assinado com adesão expressiva na pe-
quena cidade. Huck se disse tocado pe-
lo destino do homem negro que, após 45
anos de trabalho e cujos avós foram es-
cravos naquela mesma terra, não conse-
guiu comprar os itens de alvenaria mais
básicos para o próprio lar. A história de
Pelé foi atração da milésima edição do
programa na Globo. Outra menção re-
corrente é à Coreia do Sul, um mito de
progresso sustentado por certos liberais
que se acreditam ilustrados. Segundo o
senso comum, a Coreia superou a pobre-
za em menos de meio século por causa
pura e simples dos altos investimentos
em educação. Quem defende essa versão
esquece de mencionar que os sul-core-
anos foram bafejados pela generosida-
de dos programas dos Estados Unidos
na luta contra o comunismo. Não se sa-
be se a Coreia capitalista teria tanto su-
cesso se não dividisse a mesma penínsu-
la com os temíveis irmãos do Norte. Mas
o que importa, não é mesmo? O sucesso
sul-coreano baseado na meritocracia e
no investimento em ensino emociona e
Huck não iria desperdiçar. Em julho, o
apresentador levou a líder de uma esco-
la beneficente do Rio Grande do Sul para
conhecer o sistema educacional do País,
aventura citada em suas apresentações.
 
Conforme introduz essas
histórias comoventes,
Huck, ainda sem partido,
mas de antiga ligação com
o tucanato, conjectura so-
bre os caminhos para reunir um país di-
vidido e polarizado. Faz um alerta enfá-
tico sobre o risco de o Brasil “implodir”
sem políticas sociais eficazes. Sobre co-
mo os brancos ricos da Avenida Faria
Lima são ineptos para discutir o racis-
mo e as favelas. E de como é inadmissível
que essas comunidades tenham se torna-
do mera paisagem. Embora faça discur-
so de candidato, ele não assume, porém,
a pretensão de disputar a cadeira prin-
cipal do Palácio do Planalto. Diz que seu
protagonismo no debate apenas atende a
uma “convocação geracional”. Em outra
incoerência, rasga elogios à agenda eco-
nômica do ministro Paulo Guedes, cujo
resultado será o aprofundamento das de-
sigualdades que tanto critica.

O desgaste de um governo que parece
existir há décadas, e não meses, foi capaz
de adiantar as especulações a respeito de
2022. Desde o fim da ditadura, nunca o
debate eleitoral começou tão cedo. Huck e
sua turma não fogem das circunstâncias.
O centro devastado pelas últimas eleições
e os tucanos saudosos dos anos FHC co-
locam as fichas no apresentador. “Dada a
conjuntura, é um movimento inteligen-
te e altamente competitivo. Ele pode ocu-
par e reorganizar esse espaço de centro,
e desarticular um pouco a polarização.
O Huck é um problema para Bolsonaro”,
avalia o editor Carlos Andreazza, inte-
grante da turma que rechaça o lulismo,
o petismo e o campo progressista, mas
tem ojeriza ao bolsonarismo.

Embora tenha intensificado a articu-
lação intra e extramuros, o apresenta-
dor evita perguntas mais diretas. Negou
os pedidos de entrevista para esta re-
portagem, alegando que, embora ‘adore’
a CartaCapital, ‘por ora’ prefere não fa-
lar. Uma de suas últimas entrevistas so-
bre o assunto ocorreu em 2017, à Folha
de S.Paulo. Naquela conversa, Huck re-
petiu sete vezes a palavra ética e três ve-
zes a palavra “renovação”. De lá para cá,
o tom mudou um pouco. Com o crepús-
culo precoce do discurso antipolítica –
diante do constrangimento provocado
pelos outsiders que tomaram conta da
República –, a necessidade de comba-
ter a pobreza e a desigualdade gritantes
tem ganhado mais espaço na agenda do
apresentador. Ele evita, entretanto, as-
sociações diretas com o que se conven-
cionou chamar de esquerda no Brasil.
Seus aliados dizem representar um pro-
jeto “liberal-progressista”.
 
O ENTORNO DE HUCK DEFENDE UM
PROJETO “LIBERAL-PROGRESSISTA”,
APESAR DAS CONTRADIÇÕES

Esse projeto é acompanhado
de perto por um grupo de
mentores e apoiadores ali-
nhados aos ideais dos “pais
fundadores” do tucanato.
Além do próprio Fernando Henrique
Cardoso, a quem saúda como uma das
cabeças mais modernas do País, Huck é
pajeado pelo economista Arminio Fraga,
presidente do Banco Central no segundo
mandato de FHC, e pelo senador Tasso
Jereissati. Outro conselheiro oriundo
das hostes tucanas é Paulo Hartung, ex-
-governador do Espírito Santo incensa-
do na mídia pela “austeridade fiscal” im-
plantada no último mandato. Os elogios
entusiasmados no eixo Rio-São Paulo
são vistos com ressalvas no estado. Para
muitos economistas, Hartung pesou a
mão no corte de gastos e deixou de lado
o aumento da receita. “Esse desbalanço
trouxe uma percepção de deterioração
dos serviços públicos. Se fosse algo as-
sim tão espetacular, ele teria defendido
esse legado nas eleições de 2018, mas não
se candidatou nem lançou um sucessor”,
avalia o economista Rodrigo Medeiros.

Outro ponto levantado são as difíceis re-
lações com ex-aliados políticos. “Não se
deve confiar em político que nunca per-
deu uma eleição”, ironiza Luiz Paulo
Vellozo Lucas, do Cidadania, ex-prefei-
to de Vitória e ex-aliado de Hartung.
Apesar de militar em campos simpáticos
ao apresentador, ele vê com ressalvas o
movimento em torno de Huck. “Não es-
tou interessado em formar outro mito.”

O papel central de Hartung no plano
é outro contrassenso para quem defende
o combate à desigualdade. A austeridade
no Espírito Santo foi aplicada à custa da
paralisia de obras públicas e resultou na
greve dos policiais e em uma séria crise
na segurança. Ainda assim, Huck costu-
ma chamar o ex-governador de “Senhor
Miyagi”, o lendário mestre de Daniel San
no filme Karate Kid.

No PSDB, a candidatura de Huck só
entusiasma o entorno de FHC. Em pri-
meiro lugar, o partido é hoje dominado
pelo governador paulista João Doria,
postulante ao Palácio do Planalto. “Não
deve haver um movimento formal pró-
-Huck tão cedo, talvez em 2020”, avalia
uma liderança do partido. O apresenta-
dor também tem boa interlocução com o
DEM. O presidente da Câmara, Rodrigo
Maia, não perde uma oportunidade de
elogiar o global. No campo partidário,
o maior entusiasta de uma futura can-
didatura Huck é o ex-ministro Roberto
Freire, filiado ao antigo PPS. As conver-
sas com Freire começaram ainda no ano
passado, embora Huck tenha declinado
da filiação. Para atrair de uma vez por
todas o apresentador, o partido abriu
as portas aos movimentos de renovação
apoiados por ele. Trocou até de nome,
mais ao gosto das startups: Cidadania. E
aprovou, em junho deste ano, um estatu-
to que prevê, entre outras mudanças, um
extenso normativo de compliance. Freire
tem intensificado as conversas com o
grupo mais próximo do global. Uma fi-
liação, entretanto, só deve sair do papel
às vésperas da eleição. Até mesmo para
evitar um desgaste antecipado.
 
Huck tem tentado lustrar
a imagem de playboy e
ensaia uma aproxima-
ção com o campo popu-
lar. Essa virada, segun-
do fontes próximas à família, em muito
se deve às conversas com o irmão caçula,
o cineasta Fernando Grostein Andrade.
Benquisto entre os setores progressis-
tas, Andrade é diretor do documentário
Quebrando o Tabu, cujas páginas homô-
nimas no Facebook, Twitter e YouTube
alcançam 11 milhões de fãs com conteúdo
em defesa dos direitos humanos. O en-
torno do apresentador avalia que, des-
de o assassinato da vereadora Marielle
Franco, houve um ponto de virada na
percepção pública sobre a questão. De
assunto para “esquerdistas” e “defen-
sores de bandidos”, o tema passou a
sustentáculo da oposição a Bolsonaro.
O diálogo também se dá entre os políti-
cos. Huck testa uma aproximação com
Flávio Dino. Nos últimos tempos, o apre-
sentador e o governador do Maranhão
conversaram ao menos três vezes, sem-
pre a pedido do primeiro. Um desses en-
contros ocorreu em julho, pouco depois
de Bolsonaro ter tentado ofender Dino
com a expressão “paraíba”.


O entourage concluiu ainda que a fa-
mília Huck está cercada por “celebri-
dades coxinhas”. O círculo de amigos
mais próximos do apresentador inclui
Ivete Sangalo, Márcio Garcia, Juliana
Paes, Neymar e Preta Gil, nenhum dos
quais famoso por erguer a voz em defe-
sa dos mais pobres. Ao contrário. A uma
outra amiga mais engajada, a apresenta-
dora Paula Lavigne, mulher de Caetano
Veloso, Huck abriu o jogo sobre a ambi-
ção. Uma das principais articuladoras
políticas na classe artística – em 2018, o
apartamento no Rio de Janeiro no qual
vive com o cantor foi palco de animados
jantares com Guilherme Boulos, Ciro
Gomes e Fernando Haddad –, a empre-
sária exerce influência sobre uma par-
cela de estrelas cuja adesão a um even-
tual projeto Huck é incerta. “Muito cha-
to ouvir as pessoas pirando, falando que
Luciano é de direita, as pessoas deliram”,
reclama. Desde a primeira incursão do
apresentador, ela o aconselha a desis-
tir da ideia. “Eu digo que ele não mere-
ce essa chateação.” Não seria o momento
oportuno para um candidato como ele?,
pergunto. “Como amiga sou contra, co-
mo cidadã sou a favor.”
 

Na busca por um eleito-
rado mais amplo, Huck
foi aconselhado a bai-
xar o tom nos ataques
a Lula e ao PT. Críticas
muito abertas, avaliam interlocutores,
poderiam minar o apoio do petismo
em um eventual segundo turno con-
tra Bolsonaro ou outro nome da mes-
ma cepa. O apresentador esforça-se co-
mo pode. Os elogios são pontuais e sem-
pre acompanhados de um contraponto.
Há cerca de dois meses, Huck percor-
reu os grotões do Piauí ao lado do hu-
morista Whindersson Nunes, cujo ca-
nal no YouTube reúne 37,4 milhões de
fãs. A dupla visitou a cidade natal do jo-
vem, a paupérrima Bom Jesus do Piauí.
Ao rememorar aquela aventura no pal-
co de um encontro com empresários em
 
São Paulo, em 25 de outubro, fez menção
a Lula. “Quando você vai para os vilare-
jos ali, você entende, com todo o respei-
to, o Lula é muito respeitado ali. Quando
você chega em Bom Jesus do Piauí, você
chega na casa do seu João e tem um fio
que veio de longe pra caramba, uma ge-
ladeira que ele não tinha, uma cisterna
que custou 3 mil reais e trouxe água que
ele não tinha também, a família tem 180
reais do Bolsa Família porque não tinha
renda nenhuma. Bem ou mal é o Estado
e a política pública que chega na pon-
ta.” Mas contemporizou: “Obviamente,
muito da política que veio da dona Ruth
(Cardoso). Tem uma herança de dois go-
vernos que trabalharam de forma con-
tínua em projetos de proteção social.”

Para entender os anseios da popula-
ção negra e pobre, Huck escora-se no jor-
nalista Rene Silva, morador do Morro
do Adeus, no Rio de Janeiro, e criador
do Voz das Comunidades, principal veí-
culo de comunicação das favelas cario-
cas. A proximidade da celebridade com
a desigualdade e seus temas correlatos
é mesmo recente. Fizeram a cabeça do
apresentador um tucano e um petista: o
advogado Beto Vasconcelos, ex- secretá-
rio de Justiça na gestão Dilma Rousseff,
e Humberto Laudares, cientista políti-
co ligado ao PSDB, ambos integrantes do
Agora!, movimento cívico do qual Huck é
doador. As primeiras conversas começa-
ram em 2017. “Ele parecia muito distan-
te do tema, mas genuinamente disposto a 
entender”, lembra Vasconcelos, que dei-
xou o grupo pouco depois de a coordena-
ção do Agora! impedir que o grupo mar-
casse posição contra Bolsonaro no se-
gundo turno. Uma reportagem da épo-
ca atribuiu a jogada ao global.
 
O APRESENTADOR RENEGA
A IMAGEM DE PLAYBOY E FLERTA
COM MOVIMENTOS SOCIAIS

Os movimentos da “nova
política” seriam os pila-
res de um Plano Huck
em 2022. O Agora! ofe-
rece o suporte técnico e
intelectual ao apresentador. Seus fun-
dadores, a especialista em seguran-
ça pública Ilona Szabó, o cientista po-
lítico Leandro Machado e o advoga-
do Ronaldo Lemos, compõem a linha
de frente do apoio à candidatura de
Huck. O núcleo mais alinhado ao apre-
sentador, aliás, tem ganhado espaço.
Recentemente, Fraga e Hartung foram
incorporados ao conselho consultivo.
Ao RenovaBR caberia o esteio polí-
tico. O movimento fundado pelo em-
presário Eduardo Mufarej opera como
uma “fábrica de políticos”: fornece bol-
sa e educação a novatos que queiram mi-
grar para a vida pública. Neste ano, for-
mará 1,4 mil possíveis candidatos em
445 cidades diferentes, dez vezes mais
que em 2018. Quando Huck desistiu de
disputar a eleição que elegeu Bolsonaro,
pesou a falta de uma estrutura robusta
o bastante para dar sustentação à can-
didatura. O desempenho dos forman-
dos do movimento nas disputas muni-
cipais de 2020 será o grande termôme-
tro de sua viabilidade eleitoral.

O figurino de renovação não cai, no
entanto, bem ao apresentador. Em 2002,
Huck fez parte de um grupo que elabo-
rou uma “agenda jovem” e propostas de
governo para José Serra. Em 2007, ví-
tima de um assalto à mão armada que
lhe custou um Rolex, escreveu um tex-
to para a Folha de S.Paulo no qual evo-
cava o Capitão Nascimento, truculento
protagonista do filme Tropa de Elite, em
defesa de uma solução dura para a vio-
lência urbana. Seu amigo mais próximo 
 
no PSDB era Aécio Neves, para quem
fez campanha aberta em 2014. Naquela
época, Huck votou vestindo uma cami-
seta azul estampada com o mote da cam-
panha do peessedebista, “Muda Brasil”.
Com um adesivo do número 45 gruda-
do no pulôver, acompanhou ao lado de
Aécio a apuração do segundo turno (e o
desencanto com a derrota). Em 2016, no
calor dos protestos pelo impeachment,
foi vaiado durante uma partida de vôlei
no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. À
época, atribuiu o ocorrido ao clima polí-
tico do País. A relação entre Huck e Aécio
esfriou depois de o hoje deputado ter sido
alvejado pela Operação Lava Jato. Huck
apagou as fotos que tinha com o ex-amigo
na internet. Repetiu a tática com Joesley
Batista e, mais recentemente, com o
ministro Sérgio Moro, cuja moral tem
minguado conforme ficam claros sua co-
nivência com os excessos de Bolsonaro e
sua parcialidade no julgamento de Lula,
conforme as revelações da Vaza Jato.

Huck, não se pode negar, fez fama e
fortuna explorando as agruras do Brasil
abandonado pelo Estado. Depois de uma
passagem por colunas sociais e agências
de publicidade, estreou como apresenta-
dor nos anos 1990, cercado de assisten-
tes de palco seminuas. Estreou na Globo
em 2000 com o Caldeirão do Huck, pro-
grama que comanda até hoje e cujo ei-
xo central reproduz o que há de mais ve-
lho na tevê. O apresentador reforma car-
ros e casas, turbina pequenos negócios,
ajuda parentes a se reencontrarem, or-
ganiza casamentos e oferece dinheiro.
Sempre com o patrocínio de marcas.
Chega a visitar três estados por semana 
 
atrás de histórias e personagens. Mais
recentemente, essas andanças têm si-
do festejadas como a oportunidade de
mostrar “um Brasil profundo” e inspi-
rar cidadãos a mudar essa realidade. No
balanço das mil edições de seu progra-
ma, festejou a chance de conhecer “um
outro Brasil, um Brasil profundo, um
Brasil bem diferente daquele que a gen-
te conhecia” e de usar o alcance da tevê
aberta no Brasil para “inspirar as pes-
soas”. Soou como campanha eleitoral.
 


A Globo sustenta que, ca-
so o funcionário venha
mesmo a disputar votos,
as portas da casa se fe-
charão definitivamen-
te. O mesmo valeria para Angélica, can-
didata a “primeira-dama”. O futuro de-
la na emissora é incerto. Os preparativos
para um novo programa estão em ponto
morto até que se esclareçam as intenções
do marido na política. Sem espaço na gra-
de desde o ano passado, Angélica tem feito
participação especial na novela das 21 ho-
ras como apresentadora de um programa
culinário. O casal vai mesmo se arriscar?
Decida ou não ser candidato, Huck é
quem mais habilmente tem mobilizado
o próprio capital político. O PT ainda es- 
 
pera por Lula. Flávio Dino é
um nome promissor, mas com muitos
obstáculos pela frente, a começar pelas
limitações do PCdoB. Guilherme Bou-
los continua no páreo, embora esteja
ciente da longa estrada pela frente. Ci-
ro Gomes optou por uma caminho dis-
tante do petismo, na expectativa de con-
quistar um eleitor que recusa tanto o lu-
lismo quanto o bolsonarismo. O presi-
denciável do PDT tem sido o único a vol-

tar suas baterias em direção ao apresen-
tador. Segundo ele, Huck é “estagiário”,
sem experiência na política, apesar de
bem assessorado. Ironizou ainda a in-
coerência entre a defesa do combate à
desigualdade e os elogios a Paulo Gue-
des. “Toda declaração ele fala assim: ‘A
política econômica está correta’. Depois
começa a falar que o País tem desigual-
dade, como se a desigualdade não fosse
produto daquilo que ele defende.”

Em um país cuja metade da popula-
ção vive com pouco mais de 400 reais por
mês, a tevê dá a Huck um palanque sem
comparação. A socióloga Esther Solano,
professora da Universidade Federal de
São Paulo e colunista de CartaCapital,
tem entrevistado bolsonaristas arrepen-
didos e ex-eleitores de Lula. E destaca a
simpatia a Huck, especialmente entre
os mais pobres. O apresentador, conta, é
visto como um outsider que coleciona su-
cesso nos negócios e na vida pessoal. No
momento em que a fatia mais vulnerável
amarga os efeitos da crise e das políticas
de Bolsonaro, outro fator tem se sobres-
saído. “Uma ideia que aparece muito é a
de que ele se preocupa com os mais po-
bres, que é bonzinho, realiza os sonhos
deles.” A programação da Globo alcança
todos os dias 100 milhões de brasileiros.
Seria o bastante para ocupar o espaço no
imaginário nacional? “O potencial sim-
bólico, político e afetivo de Lula é enor-
me, mas ele consegue dialogar com es-
se público que Lula conquistou”, obser-
va Solano. Loucura, loucura, loucura! •
Z
 
THAIS  REIS OLIVEIRA






December 14, 2019

Entenda por que 'London Calling' se tornou um grande clássico do rock

O grupo inglês Clash Foto: Divulgação

Lançado há 40 anos pelo grupo inglês Clash e ainda atual, disco marcou a reinvenção dos punks em meio a muito rockabilly, reggae, disco music e política 

 Silvio Essinger


. Lançado em 14 de dezembro de 1979, o álbum duplo "London Calling" ajudou a redefinir os padrões daquilo que se deveria esperar do rock e agora comemora 40 anos como um dos discos mais atuais e influentes da história — sem ele, bandas como U2, Paralamas do Sucesso, Rage Against The Machine,Beastie Boys e BaianaSystem não seriam nada semelhantes ao que se tornaram, tanto em termos de música quanto de manifestação política.

Cansado das limitações do movimento punk onde surgira poucos anos antes em Londres, o Clash aproveitou o sentimento apocalíptico da época como estímulo para compor suas melhores, mais indignadas e mais variadas canções — e, no processo de confecção do repertório, o grupo bebeu tanto na fonte do rock tradicional americano dos anos 1950 quanto do reggae e no ska jamaicano presentes no cotidiano de uma multicultural Londres. Reunidas, as músicas constituíram o último grande disco de rock dos anos 1970 (ou o primeiro dos grandes dos 80).


Uma levada marcial se faz presente logo na abertura de "London Calling": a sua antológica faixa-título. Com a urgência de um noticiário da BBC,  o vocalista, guitarrista e compositor principal Joe Strummer junta numa só letra as preocupações com as tensões sociais no Reino Unido (1979 foi o ano em que Margaret Thatcher assumiu a política com ideias de livre mercado que ajudaram a cavar a cova da classe trabalhadora), o acidente no reator nuclear de Three Mile Island (nos EUA) e a possibilidade de que Londres viesse a sofrer com inundações. "Mas eu não tenho medo / porque Londres está se afogando e eu / eu vivo na beira do Rio", cantava Strummer.

Com uma canção que, além de tudo, constatava o fim da Beatlemania e da Swinging London (orgulhos da cultura pop inglesa dos anos 1960), o Clash apresentava em "London Calling" uma nova proposta, para além do punk, que olhava para o passado e para o presente na direção de um futuro menos ingênuo e mais combativo — embora ainda partidário da festa como mecanismo possível de união (dançar para não dançar). A rebelião é a ideia central do disco, expressa de forma inequívoca na capa: uma paródia da arte do álbum de estreia de 1956 de Elvis Presley com uma foto do baixista do Clash, Paul Simonon, destruindo seu instrumento num show em Nova York.
Detalhe da capa do álbum "London Calling", do grupo inglês Clash Foto: Reprodução
Detalhe da capa do álbum "London Calling", do grupo inglês Clash Foto: Reprodução
Depois de decepcionar-se num flerte com o rock padrão americano no álbum anterior, "Give 'em enough rope" (1978), o Clash estava cheio de criatividade e fúria quando começou a compor e preparar o disco. O grupo saiu do estúdio (onde foi guiado pelo produtor Guy Stevens, um adepto de métodos caóticos para manter o espírito rock) com 19 faixas que atiram para todos os lados, muito mais musicais do que as de qualquer outra banda punk de então.

E muito do resultado de "London Calling" se deve aos esforços de Topper Headon, baterista versátil, capaz de tocar qualquer estilo, e a Joe Strummer e o guitarrista Mick Jones, dupla de compositores que conseguiu reunir um vasto repertório de emoções — paixão, fúria, alegria, romance, revolta — numa coleção de canções que só poderia caber mesmo num álbum duplo.

"Brand new Cadillac", um rockabilly dos anos 1950 de Vince Taylor (que o grupo costumava tocar para aquecer-se), segue-se a "London Calling" num desfile que revisita o punk (em "Clampdown", alertando sobre tendências fascistas dos governos europeus), burila o combat rock (em "Spanish bombs", sobre os ecos da Guerra Civil Espanhola nos novos tempos), revive a batida do pioneiro rocker Bo Diddley ("Hateful"), brinca de jazz em estilo New Orleans ("Jimmy Jazz") e até dá uma passeada pela disco music (em "Lost in the supermarket", crítica ao consumo desenfreado. cantada por Mick Jones).


O que marca "London Calling", porém, é o mergulho profundo na cultura jamaicana do ska e do reggae, que se dá de forma muito respeitosa em "Rudie can't fail", "Wrong 'em boyo", "Revolution rock" e, principalmente em "The guns of Brixton", canção do baixista sobre os efeitos da crise econômica sobre os jovens da Inglaterra, cantada pelo próprio. Ela se tornaria um dos clássicos do Clash, tendo sido relida por bandas que vão do Red Hot Chili Peppers ao Arcade Fire, passando pelos rappers do Cypress Hill (que a usariam para fazer a sua "What's your number?").
Incluída no disco após a arte da contracapa ter ficado pronta, o soul "Train in vain" tornou-se a faixa de encerramento (não creditada) de "London Calling" e também o único grande sucesso nos Estados Unidos desse álbum que venderia  dois milhões de cópias logo do seu lançamento. A crítica não demorou a exaltar o disco, e a sua influência se fez sentir ao longo dos anos — ela está nos trabalhos de bandas de rock que procuraram a verdade da música negra (em especial, a do Terceiro Mundo) e nos dos artistas que seguiram os preceitos do combat rock (muitos, inclusive, do hip hop). Aliás, por falar no rap, ele seria incorporado pelo Clash, ainda no nascedouro, em seu álbum seguinte, o triplo "Sandinista!" (1980) — mas essa é uma outra história a ser contada.
O baixo destruído por Paul Simonon, em exibição sobre o Clash no Museu de Londres Foto: Reprodução
O baixo destruído por Paul Simonon, em exibição sobre o Clash no Museu de Londres Foto: Reprodução
Enquanto isso, o impacto cultural do álbum de 1979 do Clash ganhou uma celebração na cidade que o inspirou: de 15 de novembro até 19 de abril de 2020, o Museu de Londres apresenta "The Clash: London Calling", uma exposição  que revela bastidores da criação "do álbum que agitou a cena musical, servindo de hino para Londres, para os londrinos e para os amantes da música em todo o mundo." Entre os muitos itens, estão os restos do Fender Precision branco que o baixista Paul Simonon arrebentou no palco.

Tutores em baixa: o declínio dos generais dentro do Governo Bolsonaro


Militares que teriam o papel de aconselhar o presidente Jair Bolsonaro hoje têm de demonstrar fidelidade ideológica para permanecer no cargo. Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

ANA CLARA COSTA

A influência dos militares no governo de Jair Bolsonaro costumava ser medida pela sobrecarga das agendas de seus principais expoentes nos primeiros meses de governo. Diante da pouca disposição do presidente para receber em seu gabinete diplomatas, empresários e lideranças políticas, esses setores buscavam os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional, GSI) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (ex-Secretaria-Geral) e o vice-presidente, Hamilton Mourão, para tentar uma aproximação com os novos inquilinos do Palácio do Planalto. Por receber políticos em excesso, Santos Cruz acabou minando o poder da Casa Civil e se indispondo com o chefe da pasta, Onyx Lorenzoni. Terminou demitido. A atribulada agenda de Mourão, somada a declarações que divergiam das de Bolsonaro, chegou a colocá-lo em posição antagônica ao chefe, arruinando a proximidade que ambos haviam alcançado durante a campanha. Bolsonaro o isolou. Já Heleno passou a sofrer ataques da militância bolsonarista por tentar interferir demais na vida palaciana. Viu-se forçado a submergir e elevar o tom de suas declarações de apoio ao governo para mostrar que não era inimigo do presidente. O declínio do prestígio dos três principais expoentes da cúpula militar no Palácio do Planalto, agravado pela saída do chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), general Maynard Santa Rosa, na segunda-feira 4, sepulta uma das principais apostas que se tinha sobre a gestão de Jair Bolsonaro: a de que militares da reserva teriam voz ativa e poderiam modular as ações do presidente.
O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia do Dia do Soldado, em agosto deste ano. Foto: Jorge William / Agência O Globo
O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia do Dia do Soldado, em agosto deste ano. Foto: Jorge William / Agência O Globo
Após quase um ano de governo, ex-ministros e generais reformados, que costumavam ser procurados pelo setor privado justamente por terem boa relação com os novos ocupantes do poder, relatam a mudança de cenário. “Políticos, corporações, sindicatos, empresários, sobretudo do setor de energia, todos vinham conversar para tentar uma forma de interlocução com os militares para chegar ao governo. Hoje, perceberam que não adianta. Não procuram mais”, disse um ex-ministro que costumava ser requisitado para a função de interlocutor junto a Heleno e Mourão. Da agenda oficial do vice, marcações recentes mostram menos compromissos com expoentes do primeiro escalão e mais viagens pelo interior do Brasil, em especial solenidades em federações de indústria e associações comerciais, além de audiências com vereadores (como o emedebista Valter Nagelstein, de Porto Alegre, no último dia 1º) e representantes de lojas maçônicas. No início do ano, Mourão costumava receber ministros, senadores e presidentes de empresas, como Dell e Bradesco. Já Heleno, depois de ser atacado pelos filhos do presidente, passou a atrelar sua agenda à de Bolsonaro, fazendo-se presente, inclusive, nas redes sociais — que usa para desferir críticas a oponentes e elogios ao governo. Em alguns casos, faz eco a opiniões extremas, como quando se posicionou sobre os protestos no Chile e as eleições na Argentina. “Na América do Sul, estamos vivendo um momento difícil, em que a esquerda radical, desesperada pela derrota, vai jogar todas as suas fichas na mesa para conturbar a vida dos países da região. Vai tentar retornar ao poder de qualquer maneira e nos jogar no abismo em que nós paramos na porta”, escreveu, em 23 de outubro.
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, visto como herói nas Forças Armadas, foi demitido do posto de ministro depois de discordâncias no Palácio do Planalto. Foto: Mateus Bonomi / AGIF / AFP
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, visto como herói nas Forças Armadas, foi demitido do posto de ministro depois de discordâncias no Palácio do Planalto. Foto: Mateus Bonomi / AGIF / AFP
Em outro gesto de alinhamento ao presidente, o general chegou a chancelar a declaração de Eduardo Bolsonaro à jornalista Leda Nagle sobre a volta do Ato Institucional nº 5. “Não ouvi ele ( Eduardo ) falar isso”, disse o ministro ao jornal O Estado de S. Paulo . “Se falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir. Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem de fazer alguma coisa para conter. Mas até chegar a esse ponto tem um caminho longo”, afirmou. Dias depois, em entrevista ao mesmo jornal, Heleno afirmou que sua fala fora tirada de contexto e negou apoio a uma medida autoritária. À Folha de S.Paulo , disse que a atual geração de militares está vacinada contra “qualquer sintoma de ditadura”. Mas esse não foi o primeiro episódio em que ele se esforçou para demonstrar fidelidade ao presidente. Na mesma manhã em que voltou do G20, no Japão, em 30 de junho, o general vestiu uma camisa amarela e um boné azul e acompanhou Eduardo Bolsonaro em um carro de som em frente ao Congresso Nacional, durante os protestos em que manifestantes criticavam o presidente da Câmara e o do Senado e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi a primeira vez em que um ministro de Estado comparecia a uma manifestação convocada pela militância bolsonarista.
“Heleno voltou seus interesses para questões de geopolítica, área em que demonstrava divergências patentes com o núcleo mais ideológico do governo, em especial no aspecto do alinhamento automático aos Estados Unidos”
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Foi ainda durante a campanha eleitoral que o general Augusto Heleno descobriu que não seria tutor de Jair Bolsonaro caso sua eleição se confirmasse. Ao tentar aconselhá-lo sobre as alianças políticas que vinham sendo costuradas pelo então candidato do PSL, ouviu dele uma invertida: “De política, entendo eu”. A partir de então, voltou seus interesses para questões de geopolítica, área em que demonstrava divergências patentes com o núcleo mais ideológico do governo, em especial no aspecto do alinhamento automático aos Estados Unidos. Chegou a se envolver em entrevero com o assessor internacional de Bolsonaro, o olavista Filipe Martins, por discordar da tentativa de influência de Olavo de Carvalho nas indicações para cargos no Palácio do Planalto e em ministérios. Também dizia desconhecer a obra do ideólogo, o que causou revolta em alguns integrantes do núcleo duro do presidente, em especial os filhos Eduardo e Carlos. Heleno tampouco demonstrou simpatia pela ideia da indicação do zero três à Embaixada em Washington. Então avesso às redes sociais, um perfil não oficial do general foi criado no Twitter pela militância bolsonarista. No auge da indisposição diplomática com a Venezuela, em fevereiro, a conta publicou uma declaração de apoio a uma possível reação militar do Brasil à Venezuela, em caso de “agressão à soberania” do país. O comentário terminou sendo veiculado na imprensa. O general se irritou com a associação de seu nome à ideia de “reação” e imediatamente ordenou que o perfil fosse apagado.
O ex-ministro Gustavo Bebianno
O ex-ministro Gustavo Bebianno
As faíscas com o núcleo ideológico se transformaram em incêndio em junho, quando o sargento da Aeronáutica Manoel Silva Rodrigues foi preso em Sevilha com 39 quilos de cocaína na mala, numa aeronave da Força Áerea Brasileira (FAB) que acompanhava a comitiva presidencial ao G20. O episódio despertou a ira de Bolsonaro, que atribuiu ao GSI a falha por não ter detectado o passageiro traficante. O descontentamento do presidente abriu as portas para que seus filhos, já contrariados com a postura do general, atacassem o trabalho de Heleno. “Por que acha que não ando com seguranças? Principalmente aqueles oferecidos pelo GSI? Sua grande maioria podem ( sic ) ser até homens bem-intencionados, e acredito que sejam, mas estão subordinados a algo que não acredito”, escreveu Carlos Bolsonaro. Eduardo também usou as redes para fazer um gesto de apoio ao irmão. “O Carlos só expressou uma desconfiança dele, pessoal, e, mesmo assim, fazendo uma ressalva dizendo que a maioria dos funcionários, das pessoas que trabalham dentro do GSI ou fora, são pessoas que fazem um bom trabalho”, afirmou. Nos bastidores, os filhos do presidente fizeram uma consulta sobre a possibilidade de os agentes designados para fazer a proteção presidencial deixarem de integrar o GSI e passarem a responder apenas ao Ministério da Justiça, o que minaria a principal função da pasta de Heleno. O pedido não prosperou — e os sinais públicos de fidelidade ao presidente se intensificaram na rotina do general.
O general Maynard Santa Rosa
O general Maynard Santa Rosa
O general Maynard Santa Rosa, com quatro estrelas cravadas na farda, era um dos mais próximos assessores do presidente. Por ter feito carreira na área de Inteligência do Exército antes da reserva, era visto como um dos principais informantes de Bolsonaro, mesmo antes de integrar o governo. Assim como o presidente, sempre demonstrou entusiasmo com o período da ditadura militar, acredita na ideia conspiratória de que os países desenvolvidos querem anexar a Amazônia e se diz contra políticas que demarquem reservas a comunidades indígenas e quilombolas. “A tese do aquecimento global é cientificamente uma mentira”, disse Santa Rosa, em seminário sobre a Amazônia neste ano.
A saída desta semana é a terceira exoneração de Santa Rosa de cargos de relevo. O militar havia ocupado o posto de secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa no governo Lula, mas foi exonerado em 2007, depois de dar uma entrevista ao Globo em que atacava a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Em 2010, também no governo Lula, foi exonerado do cargo de chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Exército depois de uma carta de sua autoria circular na internet expondo críticas à criação da Comissão da Verdade. Segundo a carta, a comissão seria formada por “fanáticos” e viraria uma “comissão da calúnia”, e os integrantes seriam “os mesmos fanáticos que, no passado recente, adotaram o terrorismo, o sequestro de inocentes e o assalto a bancos como meio de combate ao regime, para alcançar o poder”. O então ministro da Defesa, Nelson Jobim, determinou a exoneração do general. O Exército acatou. Santa Rosa nunca negou ter sido o autor do texto.
“A demissão de Santos Cruz, visto como herói dentro das Forças Armadas, somada à crítica feita por Bolsonaro ao general Luiz Eduardo Rocha Paiva, outra figura de prestígio no Exército, foi entendida como o ponto de ruptura entre o presidente e os militares”
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Apesar da forte sinergia de ideias com o presidente, o general acumulou derrotas desde que entrou no governo. Como secretário especial da SAE, acreditava que teria acesso preferencial ao gabinete presidencial, elaboraria planos de ação para áreas estratégicas e teria orçamento para trabalhar. Nenhum dos três anseios se tornou realidade. A pasta nunca teve orçamento próprio, ficando submetida à Secretaria-Geral da Presidência, hoje comandada por Jorge Oliveira. Santa Rosa tinha especial interesse no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que ficou integralmente com a Casa Civil. Outros objetos do desejo do militar eram o programa aeroespacial brasileiro, a cargo do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e um plano de ação para transformar o Brasil em exportador de urânio. O primeiro ainda engatinha. O segundo não saiu do papel. A gota d’água para a insatisfação foi a discordância com o chefe direto, Jorge Oliveira, que exigiu da pasta um relatório de produtividade. Incomodou o general a humilhação do pedido e a procedência: Oliveira, ex-major da Polícia Militar e um dos principais homens de confiança de Bolsonaro, era visto pelo general como alguém “pouco capaz”. Sua saída fez subir para seis o número de generais expelidos do primeiro escalão do governo. Antes dele, deixaram o Executivo Santos Cruz, da Secretaria de Governo; Franklimberg de Freitas, que comandava a Funai; Juarez Cunha, que presidia os Correios; João Carlos Jesus Corrêa, então presidente do Incra; e Marco Aurélio Vieira, secretário especial de Esporte.
Bolsonaro, ao lado dos ministros Luiz Ramos e Fernando Azevedo, ambos militares. Ramos, da ativa, é amigo de longa data. Azevedo, na Defesa, é responsável pela articulação política entre as Forças Armadas e o Congresso. Foto: Charles Sholl / Brazil Photo Press / Folhapress
Bolsonaro, ao lado dos ministros Luiz Ramos e Fernando Azevedo, ambos militares. Ramos, da ativa, é amigo de longa data. Azevedo, na Defesa, é responsável pela articulação política entre as Forças Armadas e o Congresso. Foto: Charles Sholl / Brazil Photo Press / Folhapress
A saída de Santa Rosa e o recrudescimento do discurso de Augusto Heleno colocam em evidência dois movimentos do bolsonarismo. O primeiro é a desmitificação da figura militar por parte do presidente e de seu núcleo duro. Há o ressentimento cada vez mais presente nas alas radicais sobre os generais não terem feito “o suficiente” para “combater a esquerda”. A demissão de Santos Cruz, visto como herói dentro das Forças Armadas, somada à crítica feita por Bolsonaro ao general Luiz Eduardo Rocha Paiva, outra figura de prestígio no Exército, foi entendida como o ponto de ruptura, em que o presidente expôs a frustração em relação àqueles que costumava enaltecer. Bolsonaro referiu-se a Rocha Paiva como “general melancia”, que significa “verde por fora, vermelho ( comunista ) por dentro”, depois que o militar fez críticas a Olavo de Carvalho. Carlos Bolsonaro foi mais além. Disse que Rocha Paiva integrava um grupo de militares que “nunca lideraram nem guerra de travesseiros”. Ainda o definiu como um “recruta” que “jamais abriu significativamente a boca quando o PT assaltava o país”. Um dos homens de confiança do ex-comandante-geral do Exército Eduardo Villas Bôas, Rocha Paiva é considerado pela caserna o sucessor do general Meira Mattos, morto em 2007 e visto como um dos maiores formuladores de geopolítica que já passaram pelas Forças Armadas.
“Quando Bolsonaro decidiu demitir o general Santos Cruz, um dia antes comunicou sua decisão ao general Heleno. O ministro do GSI revelou a notícia a algumas pessoas próximas. Mas não ao colega de caserna”
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O segundo movimento do bolsonarismo é restringir o acesso ao presidente de aliados que não compartilhem com ele exatamente a mesma visão mundo. Nesse caso, estão excluídos os militares e políticos de visão mais moderada — e daí também advém a versão mais radical de Augusto Heleno, que visa à sobrevivência, na avaliação de assessores do Planalto. A estratégia palaciana mira o exemplo de Donald Trump. Há a convicção de que, no início do governo do presidente americano, a presença de nomes de mercado ou não alinhados necessariamente à postura política mais enérgica de Trump resultou em um rosário de denúncias anônimas e públicas sobre as entranhas da Casa Branca. Casos como o de Gustavo Bebianno, ex-ministro e hoje crítico do governo Bolsonaro, são o que o núcleo duro presidencial deseja evitar.
Bolsonaro quer isolar aliados que possam vir a sair do governo e dar declarações públicas contra sua gestão. O presidente mira o exemplo de Donald Trump, cujo gabinete foi praticamente substituído ao longo da gestão. John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional, foi a baixa mais recente. Foto: Alex Wong / Getty Images
Bolsonaro quer isolar aliados que possam vir a sair do governo e dar declarações públicas contra sua gestão. O presidente mira o exemplo de Donald Trump, cujo gabinete foi praticamente substituído ao longo da gestão. John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional, foi a baixa mais recente. Foto: Alex Wong / Getty Images
Hoje desbaratada, a ala militar nunca foi homogênea no governo. Por não ser demissível, o general Mourão encampou agenda própria, sem ligação com os demais generais do Palácio. Muitos enxergam nela ímpetos eleitorais. Bento Albuquerque (ministro de Minas e Energia) e Tarcísio Freitas (ministro da Infraestrutura), considerados técnicos, conduzem suas próprias pastas, sem interferência política de Bolsonaro. Os militares palacianos, mais ligados à política, nem sempre agiram no mesmo compasso. Quando Bolsonaro decidiu demitir o general Santos Cruz, um dia antes comunicou sua decisão ao general Heleno. O ministro do GSI revelou a notícia a algumas pessoas próximas. Mas não ao colega de caserna, que estava despachando normalmente no dia 15 de junho, quando foi chamado ao gabinete de Bolsonaro para ouvir que estava fora do jogo. Em seu lugar entrou outro militar, o general da ativa Luiz Eduardo Ramos, um dos melhores amigos de Bolsonaro, ainda dos tempos em que ambos frequentavam o curso preparatório para a escola de cadetes. Trata-se de amizade à prova de traição, brincam aliados do presidente.
O destino dos generais da reserva mostra que o Palácio do Planalto não produz poder autônomo. E, a despeito do inquilino da vez, quem manda no Palácio sempre é o presidente. Quando João Baptista Figueiredo assumiu a Presidência, em 1979, manteve o general Golbery do Couto e Silva na chefia da Casa Civil. Chamado de “bruxo” ou “feiticeiro” por sua notável capacidade estratégica, Golbery era considerado o homem mais poderoso do regime militar. Falava-se que poderia tutelar Figueiredo. Golbery durou dois anos no cargo.