Sérgio Matsuura
O Globo
Com a aproximação da eleição presidencial americana, em novembro de 2020, plataformas digitais mudam regras para a veiculação de anúncios políticos. O objetivo é minimizar as interferências da internet em votações, como aconteceu em 2016 na eleição de Donald Trump e no Brexit, referendo que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia. O Twitter foi o mais radical, proibindo qualquer anúncio pago de conteúdo político. Na semana passada, o Google engrossou o movimento ao restringir a segmentação das propagandas, aumentando a pressão sobre o Facebook .
A rede liderada por Mark Zuckerberg tem sido criticada por relaxar ainda mais as regras para anúncios políticos segmentados, permitindo até conteúdos mentirosos. Com a pressão da concorrência, o Facebook estuda aumentar o número mínimo de pessoas a serem alcançadas pela publicidade, de cem para milhares, para reduzir a segmentação.
Em discurso na Universidade Georgetown, em Washington, no mês passado, Zuckerberg, defendeu a liberdade de expressão para justificar a permissão de anúncios políticos. Argumentou que uma empresa não deve julgar o que políticos podem ou não dizer.
— Não checamos anúncios políticos — disse Zuckerberg. — Não fazemos isso para ajudá-los, mas porque as pessoas devem poder ver o que os políticos estão dizendo. Sei que muita gente discorda, mas não acho certo uma empresa privada censurar políticos ou notícias numa democracia.
Para especialistas, o debate não é sobre censura, mas sobre microssegmentação e desinformação. Na mídia tradicional, é possível escolher horários de exibição de anúncios na TV ou no rádio para alcançar determinados grupos.
O mesmo acontece com revistas e jornais, direcionados a diferentes públicos. Em outdoors, pode-se selecionar a audiência pela localização. Mas, na internet, dá para mirar num eleitor do Partido Republicano, casado, que mora num vilarejo do Texas, gosta de beisebol e é filiado à Associação Nacional de Rifles, por exemplo.
— É importante distinguir publicidade paga de discurso político em geral — diz Evelyn Douek, pesquisadora do Berkman Klein Center For Internet & Society da Universidade Harvard, nos EUA. — Embora a decisão de não derrubar o discurso de políticos seja defensável, afinal, é a única forma de responsabilizá-los pelo que dizem, isso se desfaz quando o Facebook permite anúncios para fatias incrivelmente pequenas da comunidade que podem ser mais suscetíveis.
Dessa forma, os anúncios microssegmentados ficam fora do debate público, alcançam apenas o segmento selecionado por quem paga e ainda são de difícil detecção se difundirem mentiras. Um político alvo de anúncio calunioso na TV pode se defender. Nas redes sociais, ele nem saberia da propaganda, que circula em grupo restrito, mais propenso a crer na mensagem.
O tema virou preocupação mundial com o escândalo da Cambridge Analytica (consultoria política britânica que teve acesso a dados de usuários do Facebook sem que fossem informados), que revelou como anúncios direcionados a pequenas parcelas do eleitorado americano podem ter influenciado na vitória de Trump em 2016.
— Existe um incentivo para se criarem campanhas coordenadas de desinformação — afirma Dipayan Ghosh, pesquisador do Shorenstein Center on Media, Politics and Public Policy, da Escola de Políticas Públicas de Harvard. — Isso é o que qualquer ator político racional tende a fazer quando há capacidade de disseminar mentiras que o favoreçam.
A pressão sobre o Facebook só cresce. No fim de outubro, o diretor-executivo do Twitter, Jack Dorsey, aproveitou as críticas à rede rival para anunciar a proibição de qualquer anúncio com conteúdo político, impedindo que candidatos e partidos políticos comprem publicidade na rede social. E mandou uma indireta para o rival Zuckerberg.
“Não é sobre liberdade de expressão. É sobre pagar por alcance. E pagar para aumentar o alcance do discurso político tem ramificações significativas que a infraestrutura democrática de hoje talvez não esteja preparada para lidar”, escreveu Dorsey, em seu perfil no Twitter.
Na última quarta-feira, foi a vez do Google anunciar novas regras para a propaganda política. A partir de janeiro, os anúncios terão restrições na segmentação, com filtros apenas por idade, gênero e localização. No Reino Unido, que tem eleições no mês que vem, as regras já estão valendo.
— Acho que essa pressão vai fazer o Facebook adotar alguma medida — prevê Ghosh. — A decisão do Twitter pôs enorme pressão sobre Zuckerberg, que deve fazer a coisa certa, suspendendo temporariamente a propaganda política até que possamos compreender o fenômeno da desinformação e garantir que não seja um problema na plataforma.
Decisão envolve negócios
Na semana passada, segundo o Wall Street Journal, o Facebook procurou potenciais compradores de anúncios ligados aos partidos Democrata e Republicano, para discutir mudanças nas regras, num esforço para limitar a disseminação da desinformação.—Estamos buscando formas para refinar nossa abordagem sobre anúncios políticos — afirmou um porta-voz da companhia na quinta-feira.
Mas essa decisão não é tão simples. Nos últimos anos, o Facebook começou a ser visto por apoiadores do Partido Republicano como anticonservador, por ter excluído contas consideradas disseminadoras de fake news . A rede social também tem sido alvo dos democratas. A senadora Elizabeth Warren, uma das principais concorrentes à candidatura democrata à Casa Branca, defende dividir gigantes da tecnologia como o Facebook.
E existe a questão financeira. Nas eleições legislativas de 2018 nos EUA, anúncios políticos renderam menos de US$ 3 milhões ao Twitter. O relatório do Google informa que, desde abril de 2018, a propaganda política rendeu US$ 129 milhões. No Facebook, estima-se que esse tipo de propaganda responderá por até 0,5% do faturamento da empresa em 2020. Algo em torno de US$ 420 milhões.
— É fácil para o Twitter dizer que não vai mais exibir anúncios políticos, porque não é um grande player nesse mercado — pondera Jessica Alter, cofundadora da organização Tech for Campaigns.
Ela também avalia que banir anúncios políticos vai atingir candidatos menos populares:
—Meios analógicos são mais caros, só candidatos com muito dinheiro ou tempo para cultivar seguidores nas redes continuarão dominando. Candidatos estabelecidos, ricos e celebridades terão vantagem enorme.
Como são anúncios políticos em cada plataforma
- Google: A partir de 6 de janeiro de 2020, políticos poderão segmentar anúncios só por idade, gênero e localização. Não será possível focar em eleitores inclinados para a esquerda ou para a direita, ou filiados a determinado partido político. Também não serão permitidos argumentos falsos nem vídeos manipulados.
- Twitter: Baniu qualquer anúncio pago de conteúdo político. Isso inclui qualquer conteúdo pago com referência a “candidato, partido, políticos com mandato, eleições, referendos, apuração, legislação, regulação, diretiva ou resultado judicial”.
- Facebook: Decidiu se abster de qualquer ação que restrinja anúncios políticos, cujo conteúdo não passa por checadores. Mas já estuda fazer alguma restrição à segmentação, como aumentar o alcance do anúncio.
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