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Fábio Altman
veja.abril.com.br
Uma sala acanhada, com luz teatral, os focos dramaticamente apontados para instalações de pouco mais de 1 metro de altura, esconde os pequenos pecados da belíssima exposição O Pasquim — 50 Anos, em cartaz no Sesc Ipiranga, em São Paulo, até abril de 2020. Veem-se as tirinhas e charges dissimuladas por trás de peças que lembram aqueles monóculos de plástico coloridos dos anos 1960 e 1970, de formato cônico — com a foto de um lado e uma lente de aumento do outro. Em alguns casos, cortinas cobrem os desenhos. O espaço tem um nome que pressupõe o que se verá lá dentro, um tanto recôndito e evidentemente envergonhado: “Pasquim Incorreto”. Estão disfarçadas, naquele canto, as piadas mais chulas e preconceituosas do tabloide que, ao longo de 22 anos, mas sobretudo em seus primeiros tempos, durante a ditadura militar, cutucou todas as feridas ao se anunciar “livre como um táxi”, “equilibrado como um pingente” e “incômodo como um folião num velório”.
A concentração recatada dos capítulos mais “folgazões” do semanário, para usar uma expressão de um de seus criadores, o jornalista Sérgio Augusto, impõe a retomada de uma questão: o movimento politicamente correto matou o humor? Antes de responder à pergunta, convém anotar o que diz o catálogo da exibição: “O Pasquim foi um jornal moleque e sem limites. No espaço Pasquim Incorreto as obras estão dentro de visores para que sejam apreciadas por meio das lentes do passado, dentro daquele contexto e com o olhar crítico do presente”.
A adaptação aos novos tempos não foi fácil — e segue sendo exercitada incansavelmente. Sérgio Augusto cria uma metáfora: “É como o eSocial, o sistema digital que reúne os dados dos trabalhadores, evita fraudes, força ao pagamento de impostos e significou um tremendo instrumento de justiça, especialmente para as domésticas. É útil, é bom, é muito bem sacado, precisamos nos acostumar e parece não ter recuo — mas é um porre”. Trata-se, para usar uma expressão batida, de um mal necessário. O politicamente correto — denominação criada pela direita americana ao criticar as posturas igualitárias da esquerda, nos anos 1970 — ataca o que precisa ser atacado: o racismo, a discriminação, o fundamentalismo religioso. Ao dar as mãos à zombaria, inaugurou um debate que os humoristas mais sérios sabem ser impossível negar. “A piada está perdendo seu lugar de fala”, ri Helio de La Peña, do Casseta&Planeta, fazendo troça de uma expressão típica de nosso tempo. Para ele, o nascimento e o crescimento das redes sociais romperam um pacto. Humoristas como Chico Anysio, Costinha e Jô Soares tinham um registro recatado na televisão, para milhões de telespectadores. Nos teatros, em espaços mais restritos, “soltavam os cabelos”. Hoje, entre stories e lives, não há mais fronteiras — e essa ágora infinita, somada às boas imposições contemporâneas, impôs limites. “Um cidadão pode fazer a piada que quiser, mas precisa aceitar as críticas que surgirem”, diz Nelito, do Sensacionalista. “Não pode se achar no direito de sair soltando bobagens e depois reclamar da reclamação. O humor está sujeito às regras de convívio social.”
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