por Thiago Prado
Sentado no gabinete 254 do anexo IV da Câmara dos Deputados, o deputado e vice-líder do governo na Câmara, Marco Feliciano (Podemos-SP), tem prazer em se lembrar das vezes em que mostrou ter influência sobre o presidente Jair Bolsonaro. Ele risca em um bloco em cima de sua mesa de trabalho palavras soltas sobre a última delas — uma reunião ocorrida há 20 dias entre a Frente Parlamentar Evangélica e integrantes do primeiro escalão. Perto do fim do encontro, um irritado Feliciano pediu a palavra para reclamar por não ter sido atendido em duas demandas pelo general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política com o Congresso Nacional.
Aos 46 anos, o deputado eleito para o terceiro mandato por São Paulo tem prestígio junto a Bolsonaro. O futuro da amizade ainda é incerto em razão de acontecimentos pregressos: em menos de um ano, o presidente já rifou de seu núcleo duro aliados de primeira ordem, como o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno e o ex-senador Magno Malta. Mas, enquanto o fim não se aproxima, Feliciano cumpre seu papel. Além de cuidar da satisfação de aliados com a distribuição de cargos, é um dos responsáveis por azeitar um jogo que hoje é de “ganha-ganha” entre o presidente e o segmento evangélico.
Feliciano se ajeita na cadeira de seu gabinete enquanto enumera, orgulhoso, exemplos concretos de seu poder. Sua camisa social não exibe o monograma com suas iniciais, como é usual, mas a grafia extensa de seu sobrenome. O farto topete está milimetricamente arrumado — afinal, qualquer instante pode ser propício para tirar uma selfie para as redes sociais. Ele diz ter levado Bolsonaro a vários eventos para ser visto por milhares de fiéis. Entre eles, o aniversário de 108 anos da Assembleia de Deus em Belém, no Pará, o Congresso Internacional das Missões dos Gideões Missionários, em Camboriú, Santa Catarina, e a Marcha para Jesus, em São Paulo. “Só depois que conversei com o Marcos Pereira, presidente do PRB, é que Bolsonaro esteve no Templo de Salomão com Edir Macedo ( líder da Igreja Universal do Reino de Deus ). Já tenho pedidos de dez igrejas para novos encontros. E vou levá-lo em outubro à Expo Cristã”, afirmou o deputado, em referência ao maior evento de negócios cristãos do Brasil. A relação vai de vento em popa — a ponto de o deputado ter sido convidado a acompanhar a comitiva presidencial na viagem ao Oriente Médio e à China neste mês.
“‘Sim, subi ao palanque da Dilma Rousseff em 2010. A política é dinâmica, e eu era um ignorante político. Ainda bem que o professor Olavo de Carvalho me abriu os olhos’, disse o deputado, fã dos cursos on-line do ideólogo do bolsonarismo”Entre interlocutores mais próximos, Bolsonaro admite que Feliciano foi mesmo importante ao colocá-lo diante de lideranças evangélicas que antes não eram de seu convívio. Até o início do ano passado, o único chefão pentecostal que realmente se relacionava com o então candidato a presidente era o pastor Silas Malafaia, fundador da igreja Vitória em Cristo. Durante anos, a primeira-dama Michelle Bolsonaro foi seguidora de Malafaia, mas acabou migrando para a Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, após um entrevero entre o pastor e o marido. Em 2016, Malafaia ficou incomodado porque Bolsonaro não o defendeu publicamente depois de uma condução coercitiva que sofreu da Polícia Federal para apurar se estava lavando dinheiro. As pazes coincidiram com o crescimento da expectativa de poder que passou a rondar Bolsonaro no início de 2018.
A conversão de Feliciano ao bolsonarismo também é recente. Assim como os argumentos malabaristas de Malafaia — que já esteve ao lado de Lula, Marina Silva e Aécio Neves —, o vice-líder do governo também tem discurso pronto para o fato de ter apoiado o PT no passado. “Sim, subi ao palanque da Dilma Rousseff em 2010. A política é dinâmica, e eu era um ignorante político. Ainda bem que o professor Olavo de Carvalho me abriu os olhos”, disse o deputado, fã dos cursos on-line do ideólogo do bolsonarismo. “Em três meses de aulas, me desamarrei da esquerda”, comemorou. Feliciano, ressalte-se, só entrou de cabeça na campanha de Bolsonaro após o atentado a faca em Juiz de Fora. Seu partido tinha um candidato ao Planalto, o senador Alvaro Dias (Podemos-PR), que jamais engrenou na disputa.
Foi como presidente do colegiado que Feliciano saiu do anonimato e apareceu para o Brasil. Ali, fez barulho ao deixar tramitar um projeto de lei que autorizava psicólogos a “tratar” a homossexualidade, o que se convencionou chamar de “cura gay”. Foi apoiado pelo então deputado Jair Bolsonaro, na época filiado ao PP e suplente da comissão. “Como capitão do Exército, sou um soldado do Feliciano”, disse Bolsonaro em março daquele ano. “Ali nasceu o conservadorismo brasileiro”, afirmou Feliciano, atribuindo a si papel de destaque no movimento. “A igreja acordou naquele ano. Depois, em junho, um evento evangélico colocou mais de 100 mil pessoas em Brasília para defender os valores da família”, disse o deputado, sobre um ato em frente ao Congresso Nacional comandado por Malafaia.
“‘Mourão está paz e amor, quase convertido’, afirmou Feliciano, entre risos. ‘Quando ele entrou no Planalto, achou que era melhor que o presidente, sentiu o gostinho do poder. Mas as coisas voltaram aos eixos. O Palácio não é uma caserna’, disse”No ímpeto por uma sigla que represente os valores que diz defender, Feliciano não se privou de analisar a possibilidade de saída de Bolsonaro do PSL. “O Brasil inteiro sabe que ele ( Bolsonaro ) está muito desconfortável. Foi um partido que cresceu às pressas para uma eleição. O PSL tem quatro facções que permanecem em guerra entre si o tempo todo. Veja a disputa em São Paulo, toda hora entre as deputadas Joice ( Hasselmann ) e Carla ( Zambelli ). Por outro lado, é muito difícil sair do PSL a esta altura”, admitiu.
Feliciano contou que o presidente jamais o autorizou a falar por ele sobre qualquer tema, mas, quando não o desautoriza, ele acaba se sentindo legitimado a se posicionar. Foi o que aconteceu no caso das críticas que elaborou contra os militares do governo, em especial o vice-presidente Hamilton Mourão. Em maio, o deputado começou a dar declarações públicas dizendo que Mourão minava a autoridade de Bolsonaro ao se posicionar contra determinadas opiniões do presidente, como a transferência da embaixada de Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Sua ofensiva, considera, teve efeito: “Agora Mourão está paz e amor, quase convertido”, afirmou, entre risos. “Quando ele entrou no Planalto achou que era melhor que o presidente, sentiu o gostinho do poder. Mas as coisas voltaram aos eixos. O Palácio não é uma caserna”, disse.
A agenda para colocar um ministro “terrivelmente evangélico” no Supremo Tribunal Federal (STF) após as aposentadorias de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello também está na pauta de Feliciano — que, como toda bancada evangélica, é a favor da ideia. “Precisamos colocar pessoas que tenham nosso pensamento lá. Hoje, o STF é extremamente progressista e pouco conservador. Há um desequilíbrio se observarmos nosso tamanho no país”, disse, descartando o nome do ministro da Justiça, Sergio Moro, para um dos cargos. “O nome dele teria muitas dificuldades de passar no Senado. Uma pessoa certa é o André Luiz de Almeida Mendonça, da Advocacia-Geral da União. Outro que pode surpreender é o novo procurador-geral da República, Augusto Aras”, previu, sempre com aquele ar de quem tem informações privilegiadas vindas do Planalto.
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