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November 24, 2019
As reinações de Eduardo Bolsonaro
NATÁLIA PORTINARI
A indicação de Eduardo Bolsonaro para a Embaixada do Brasil em
Washington, enterrada nesta semana, sempre fez parte de um plano mais
amplo do presidente Jair Bolsonaro. Sem consultar os limites da
Constituição, o presidente via no filho uma chance de continuidade para
2022, se resolvesse cumprir a promessa feita em campanha de não tentar a
reeleição. Ex-ministros e pelo menos dois diplomatas confirmam que a
hipótese chegou a ser aventada no primeiro semestre deste ano. A ideia
não foi adiante por um conjunto de razões. Há uma trava constitucional
que veda a familiares de um presidente se candidatarem imediatamente
após o fim do mandato. Além disso, houve a própria mudança de planos do
pai, cada vez mais candidato a tentar continuar na cadeira ele mesmo por
mais quatro anos. O plano era claro: Eduardo iria para Washington, se
beneficiaria do prestígio de estar próximo da família Trump e de Steve
Bannon — um ex-assessor do presidente americano com ambições de liderar a
extrema-direita global — e voltaria ao país alçado a outro patamar
político. A trajetória internacional o transportaria ao posto de
sucessor natural do pai. Nesse aspecto, havia uma dificuldade extra:
eles não contavam com o alto custo político do apoio de senadores à
empreitada diplomática, que terminou por sepultar o plano.
Na tribuna
da Câmara dos Deputados, na terça-feira 22, Eduardo protagonizou seu
“Dia do Fico”. “Este que vos fala (…) diz que fica no Brasil para
defender os princípios conservadores, para fazer do tsunami que foi a
eleição de 2018 uma onda permanente”, afirmou, ao reforçar que sua curta
trajetória de quase embaixador terminara por decisão própria, e não em
razão da falta de apoio político. Derrotado na seara diplomática, foi
alçado ao posto de líder do PSL na Câmara à revelia da direção de seu
partido, numa sequência enfadonha de disputa de listas contra e a favor
de sua nova função. Aos 35 anos, completados em julho, o filho do
presidente da República tenta ocupar os espaços disponíveis dentro e
fora da esfera pública com um objetivo ambicioso: firmar-se como a
principal liderança de direita do Brasil e como sucessor político do
pai. “Se fizer um bom trabalho como deputado, talvez, quem sabe um dia,
eu seja alçado a voos maiores na política”, admitiu ao jornal O Estado de S. Paulo
. Questionado sobre se podia vir a suceder ao pai, colocou-se dentro do
jogo. “É uma possibilidade que eu aceitaria se fosse uma missão, como
foi para Jair Bolsonaro. Não tendo outro nome ou havendo algum clamor
popular, na falta de sucessores, enfim, em qualquer cenário desses.”
A autoconfiança necessária para postular os
cargos de embaixador, líder partidário, mentor ideológico e até
presidente é uma construção recente na vida de Eduardo. Quando ainda
atuava à sombra do pai nos corredores da Câmara dos Deputados, em sua
primeira legislatura, o zero três tinha um papel bem definido. Apesar do
mandato de deputado, fazia as vezes de assessor e gravava as
intervenções do pai em plenário, suas entrevistas e suas declarações
polêmicas. Também o acompanhava em todas as votações e seguia seus
passos nas várias vezes em que o patriarca do clã caminhava os 400
metros que separavam seu gabinete do Salão Verde. Foi apenas durante a
campanha de 2018 que Eduardo teve sua primeira chance de protagonismo.
Enquanto o pai convalescia no hospital, vítima de uma facada que quase o
matou, o zero três viajava pelo país em seu lugar. Terminou como
deputado mais votado da história, com 1,8 milhão de votos.
Foto: Reprodução
Em agosto de 2018, encontrou-se pela primeira
vez com Steve Bannon em Nova York, numa visita organizada pelo hoje
assessor especial da Presidência da República Filipe Martins.
Considerado um dos mais aplicados alunos do curso de filosofia do
ideólogo Olavo de Carvalho, Martins conseguira contato com o
ex-estrategista da campanha de Trump por meio de uma das filhas de
Bannon. Outro interlocutor foi o investidor de origem brasileira Gerald
Brant, que conhecia Eduardo dos tempos de juventude e vivia nos Estados
Unidos. A aproximação com Bannon tinha o aval de Olavo de Carvalho, de
quem Eduardo já era entusiasta. Idealizador do The Movement, uma aliança
internacional da direita contra o chamado “globalismo”, Bannon acusa as
grandes empresas multinacionais de serem organizações que visam
derrubar a soberania nacional dos países. O mesmo pecado também é
imputado por Bannon, hoje rejeitado até por Trump, a organismos
internacionais, como a ONU. Eduardo faz coro à ideia. Ao ser anunciado
pelo consultor americano, em fevereiro, como o líder do The Movement na
América Latina, Eduardo se disse “muito orgulhoso”. “Trabalharemos com
Bannon para resgatar a soberania de forças progressistas, globalistas e
elitistas e para expandir o nacionalismo de bom senso para todos os
cidadãos latino-americanos”, escreveu, à época, em comunicado.
Alçado a presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa da
Câmara, Eduardo virou “chanceler informal” do governo do pai. No
primeiro semestre, viajou para Estados Unidos, Israel, Argentina,
Hungria e Itália representando Bolsonaro. Chamou a atenção com sua visão
de política externa, ao dizer, por exemplo, que “são bombas nucleares
que garantem a paz” e que havia a chance de guerra com a Venezuela se o
governo de Nicolás Maduro, “um maluco associado a terroristas e ao
narcotráfico”, evoluísse “para um quadro pior”.
“Sem consultar os limites da Constituição, o presidente via no filho
uma chance de continuidade para 2022, se resolvesse cumprir a promessa
feita em campanha de não tentar a reeleição. O plano B acabou sendo a
embaixada”
Com Donald Trump e o assessor Filipe Martins, em
tentativa de aproximação com a Casa Branca. Foto: Joyce N. Boghosian /
Official White House Photo
O protagonismo recém-conquistado contrasta com o
início da carreira política de Eduardo. Escrivão na Polícia Federal,
foi o último dos três filhos adultos a ingressar na carreira política.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
concorreu a sua primeira eleição apenas em 2014, aos 30 anos, diante dos
apelos do pai de que havia espaço para um candidato com o discurso
similar ao de Bolsonaro em São Paulo, sobretudo em corporações como as
polícias Militar e Civil. O hoje presidente havia construído sua
carreira política no Rio de Janeiro, assim como os filhos Flávio e
Carlos. Até ser eleito, a única incursão feita por Eduardo no ambiente
político foram os 16 meses em que apareceu como servidor comissionado do
gabinete da liderança do PTB na Câmara dos Deputados, partido então
comandado por Roberto Jefferson, segundo reportagem publicada pela BBC.
Era 2003, e Eduardo tinha 18 anos recém-completados. Havia acabado de
ser aprovado no curso de Direito no Rio de Janeiro, apesar de receber
rendimentos por um emprego em Brasília.
Eduardo se transformou em pária dentro do PSL, articulando a saída de Delegado Waldir
O ex-deputado Alberto Fraga (DEM), amigo de
Bolsonaro desde os tempos do Exército, disse que Eduardo era o mais
comedido e “calado” dos três filhos que entraram na política. Sua sede
de protagonismo, hoje, surpreende os que o conhecem de outros tempos.
Durante a campanha de 2018, já em vias da transformação, Eduardo dizia
que, ao ser reeleito, gostaria de ser líder do PSL na Câmara ou mesmo
líder de governo, dando como certa a vitória do pai. Um aliado chegou a
questionar Jair Bolsonaro, na época, sobre se Eduardo teria mesmo a
capacidade de separar a defesa do próprio pai da defesa do presidente da
República. Ouviu do presidente que o filho já estava maduro o
suficiente para separar essas coisas. Após a eleição, conseguiu
segurar-se no cargo de líder por cerca de um mês, mas uma discussão com
outros deputados da mesma sigla no grupo de WhatsApp da bancada acabou
levando colegas a convencê-lo de que o posto não era para ele. Calado na
vida real, Eduardo demonstrava personalidade ferina no meio virtual.
“Um aliado chegou a questionar Bolsonaro sobre se Eduardo teria mesmo
a capacidade de separar a defesa do próprio pai da defesa do
presidente. Ouviu do patriarca que o filho já estava maduro o suficiente
para separar as coisas”
Os dez meses de mandato do pai, contudo, acabaram selando a
metamorfose política do filho, que passou a sentir-se seguro para
empreender brigas fora da internet. Um episódio de julho retrata a
transformação. Eduardo convocara uma reunião partidária em seu gabinete
em Brasília. Estavam presentes os colegas Luciano Bivar (PE), presidente
nacional do PSL, e os deputados paulistas Alexandre Frota (hoje do
PSDB) e Joice Hasselmann. A deputada — atualmente desafeto de Eduardo —
aproveitou o encontro para externar seu plano de concorrer à prefeitura
de São Paulo, com o apoio de Bivar, mas recebeu imediatamente uma
invertida do filho do presidente: “Não, você não vai ser nossa
candidata”, afirmou. Hasselmann, que não é conhecida pelo caráter
plácido, se exaltou. Com a face avermelhada, levantou-se da cadeira e
disse que, se aquele era o caso, não teria mais por que ficar ali.
Eduardo argumentou que seria preciso escolher um candidato que
preenchesse requisitos “técnicos”. Frota saiu em defesa da colega,
enaltecendo seu desempenho político no governo, mas a situação só
piorou. Eduardo se referiu a Frota como “caroneiro” e ameaçou: “Cara, eu
tenho pena de você. Com uma tuitada minha, vão arrebentar você na
internet”. De perfil conciliador, Bivar colocou panos quentes na
discussão antes que ela pudesse escalar.
Eduardo agia como auxiliar do pai enquanto ele era ainda deputado. Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo
A advogada do PSL Karina Kufa, aliada de
Eduardo, contou que a ideia era fazer um “processo seletivo”. Um dos
nomes mais levantados era o do apresentador de TV José Luiz Datena. “A
gente recebeu o Datena, ele se mostrou interessado em participar desse
processo”, contou. Outro nome na jogada seria o deputado estadual Gil
Diniz (PSL-SP), conhecido na internet como “Carteiro Reaça”. Aluno de
Olavo de Carvalho, o “carteiro” ganhou notoriedade ao propor que alunos
de universidades públicas passassem por exames toxicológicos, depois de
Carvalho ter afirmado que “estudante está na universidade só para fumar
maconha e fazer suruba”. Hoje, Diniz é acusado de operar um esquema de
“rachadinha” em seu gabinete na Assembleia Legislativa de São Paulo
(Alesp). Já Eduardo, apesar de ter crescido em ambição, continua sendo
criticado como articulador político. “Eduardo não senta para conversar
com ninguém. Político, jornalista. Se alguém pede para tirar uma foto,
ele trata a pessoa mal. Dá para ser político assim?”, provocou o hoje
desafeto Delegado Waldir (PSL-GO), que perdeu o cargo de líder para o
zero três. Na Câmara, Eduardo tem poucos amigos. Os parlamentares mais
próximos a ele são Bia Kicis (PSL-DF) e Luiz Philippe de Orleans e
Bragança (PSL-SP). Os três se encontram para jantar de vez em quando.
Entusiasta do torturador Brilhante Ustra, Eduardo o
entrevistou para seu canal na internet. Foto: Gustavo Basso / NurPhoto /
Getty Images
Os atritos não se restringem ao PSL. Em sua
primeira reunião de líderes depois da disputa dentro do partido, na
terça-feira, causou estranheza o tom agressivo das intervenções de
Eduardo. O evento, que reúne os comandantes dos partidos na Câmara e o
presidente da Casa, Rodrigo Maia, ocorre a portas fechadas, e a
cordialidade é praxe mesmo entre opositores. Naquela manhã, era
discutido um acordo com a oposição para atrasar a votação do projeto de
lei que autoriza o porte e a posse de armas, mas com a garantia de que
ele seria votado ainda naquela semana. Eduardo debochou da negociação,
dizendo que “o PT é assim mesmo”. Como diversos partidos de centro
participaram do acordo, e não apenas o PT, o momento causou
constrangimento e a sensação de que o parlamentar não entendia como
funcionava a pauta.
“Na primeira reunião de líderes após a disputa do PSL, causou
estranheza o tom agressivo das intervenções de Eduardo. No evento, que
reúne os chefes dos partidos na Câmara e o presidente da Casa, Rodrigo
Maia, a cordialidade é praxe até entre opositores”
Eduardo também aproveitou a reunião para dizer que o óleo derramado
nas praias do Nordeste era fruto de uma conspiração da esquerda com a
participação da Venezuela — outro episódio incomum. Apesar das
divergências ideológicas patentes no Congresso, nesse tipo de reunião,
de caráter burocrático, o habitual é que líderes encontrem pontos de
negociação entre partidos. Expoentes do centrão interpretaram a
“estreia” de Eduardo como sinal de que ele será um parlamentar isolado, o
que poderá abrir margem para derrotas maiores do que as que o governo
já sofre. “É um cara extremamente mimado, que não aceita opinião
contrária. Começou a usar o fato de ser filho do presidente para crescer
aqui. Levou metade dos cargos do PSL”, acusou Alexandre Frota. “Eduardo
não tem personalidade de líder. Quero ver ele sentar a bunda na cadeira
aqui, como fazia o ( Delegado ) Waldir, e atender deputados,
falar com o presidente, ir e voltar do Palácio do Planalto.” Kufa, a
advogada, discorda. Disse que ele é um rapaz dedicado. “Quando tem uma
reunião mais técnica, ele gosta de anotar coisas. Tem um caderninho em
que ele gosta de anotar até decisões judiciais. É uma pessoa que gosta
de se qualificar”, afirmou.
Da esquerda para a direita, Eduardo e os irmãos Flávio e Carlos com a mãe, Rogéria. Foto: Reprodução
Em seu primeiro discurso como líder, na tribuna
da Câmara dos Deputados, Eduardo repetiu o que dissera em privado e
insinuou que o óleo nas praias do Nordeste tem relação com as
manifestações no Chile e que tudo seria parte de uma “conspiração da
esquerda” para deslegitimar os governos “de direita” na América Latina.
“O Brasil, durante muito tempo, engordou o Foro de São Paulo. Agora,
eles estão colocando as garras deles de fora. Não fiquem surpresos se
mais instabilidade vier por aí. Eles vão usar qualquer tipo de argumento
para tentar fazer essa instabilidade acontecer, porque o que eles menos
são é democratas”, disparou.
“Jair Bolsonaro disse que os filhos deram uma ‘mergulhada’. Mas há
dúvidas sobre o real ímpeto de Eduardo, que hoje se diz líder de
direita, em submergir”
Jair Bolsonaro tem demonstrado apoio ao ímpeto do filho. Defendeu sua
postulação a Washington afirmando que, se quisesse, poderia nomeá-lo
até mesmo chanceler, para que Eduardo tivesse sob seu comando “mais de
uma centena de embaixadas”. Também disse, em outra ocasião, que não via
problemas em colocar o filho em um cargo de maior prestígio. “Pretendo
beneficiar um filho meu, sim”, disse Bolsonaro, em uma de suas
transmissões ao vivo nas redes sociais. “Se eu puder dar um filé-mignon
para meu filho, eu dou, sim”, acrescentou. Na disputa partidária no PSL,
áudios de Bolsonaro pedindo que deputados assinassem a lista com o nome
de seu filho foram revelados por ÉPOCA. Em uma reunião interna,
deputados se queixaram de terem sido pressionados pelo presidente da
República para endossar o nome do filho.
Eduardo nos Estados Unidos. Ele tem posse e porte de arma e defende a derrubada do Estatuto do Desarmamento. Foto: Reprodução
Poucos dias depois, ao falar com jornalistas
durante a viagem a Tóquio, no Japão, Bolsonaro tentou baixar o tom.
Disse que seus filhos deram uma “mergulhada”, referindo-se ao fato de
eles terem adotado uma postura mais discreta, mas sem mencionar os
problemas que os afligem, como o caso Fabrício Queiroz. “O Flávio está
mergulhado há muito tempo. O Eduardo está na dele, de vez em quando dá
uma alfinetada, é do DNA dele, e o Carlos, pelo que estou vendo,
resolveu comprar uma briga com a Joice ali. Eu falei para ele dar uma
mergulhada também. Todo mundo perde em qualquer alfinetada”, afirmou. A
serenidade da fala do presidente, contudo, tem encontrado pouco eco na
realidade. Pelo menos em relação ao zero três — que não dá qualquer
sinal de que deseja submergir.
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