Cacá Diegues
Estou
escrevendo na sexta-feira, mais de 48 horas antes de conhecer o
resultado do primeiro turno da eleição. A esta altura, quem me lê já
sabe quem foi para o segundo turno. Ou se haverá mesmo segundo turno. Se
não estivermos felizes com o resultado, sejam quais forem nossos
sentimentos em relação aos dois finalistas ou ao vitorioso único de
ontem, não podemos nos comportar como se o país tivesse acabado. Não
podemos desistir do Brasil.
O nosso velho patriarcalismo ibérico nos faz procurar sempre um poderoso e, de preferência, misterioso culpado para o que nos contraria, fruto de uma conspiração. Evitamos assim encarar o desamor de quem juramos amar. Sejamos de que partido formos, declaramos nosso maior amor pelo povo, razão política e moral de nossa intervenção na vida pública. Quando perdemos uma eleição democrática ou somos vítimas de uma violência que o povo aprova, temos certeza de que ele foi enganado por seus inimigos, aqueles que estão sempre tramando contra nós e contra o bem do povo.
Passamos a interpretar o que sabemos segundo nossos interesses de amantes traídos, inventamos frágeis argumentos para justificar o equívoco que o povo cometeu ao recusar, em benefício do contrário, o que lhe havíamos proposto. E, no entanto, mesmo que esteja enganado, o que o povo quer é quase sempre aquilo mesmo que ele acaba de escolher.
Todo mundo já falou dessa eleição polarizada, dessa divisão sectária, quase inédita no país, entre “nós” e “eles”. O que precisamos compreender e aceitar é que ninguém é inocente, o ódio foi destilado por todos os envolvidos na vida pública brasileira, gente de qualquer um dos muitos lados. Sim, pelos eleitores. E os eleitores são o povo que cortejamos tanto, a ponto de estarmos dispostos a isentá-lo da derrota que nos infligir.
O voto certamente ontem majoritário, por exemplo, foi um voto de evidente revide, um voto de desforra daqueles que se julgaram enganados ao longo desses últimos tempos. A vida sob os governos de Itamar, FHC e Lula era bem equilibrada e bastante presumível. Havia sobretudo mais oportunidades, com uma esperança concreta de mobilidade social. Mas, a partir de 2012, o povo começou a ver perplexo que nada acontecia como seus supostos representantes anunciavam, e ninguém procurava explicar as razões dos sucessivos fracassos. Enquanto seus líderes eram acusados de roubalheira e incompetência, o povo se sentia ludibriado. Bastava reconhecer os erros, desculpar-se pelos equívocos, refundar o partido e recomeçar de onde parou nos anos antes de 2002; mas a reação às dúvidas e às críticas indignavam os acusados, não mereciam nem ao menos ser ouvidas. A mesma reação das forças de direita.
O que o eleitor disse agora, ao rejeitar os candidatos convencionais, foi mais ou menos o seguinte: já que é para seguir na merda, com os mesmos políticos que sempre nos enganaram, vamos pelo menos nos divertir, vendo-os se estreparem, agarrados a suas mentiras como se fossem boias. Na Alemanha dos anos 1930, Adolf Hitler também se aproveitou de tais oportunistas, de centro ou de centro-direita ou de centro-esquerda ou de centro-qualquercoisa, gente que se protegia sob definições indefinidas. E era só os populistas autoritários abrirem os braços, que os oportunistas se projetavam em seus colos.
Sempre que alguma revolução, de direita ou de esquerda, ganha a guerra e se instala no poder, depois das alegres comemorações solidárias acontecem sempre noites de terror, com fuzilamentos e guilhotinas indiscriminadas. Não acho que isso possa acontecer no Brasil, não é o caso. Mas antes que cheguem as nossas brandas noites de terror, vamos acreditar que o Brasil cansou mas não acabou.
Nestas eleições mesmo, com tão pouca reflexão, a multiplicação das posições políticas, deixando o esquematismo tradicional dos diversos populismos nacionais, é uma notícia positiva que deve ser desenvolvida, fora das eleições, por quem estiver afim de reencontrar o povo. As mulheres brasileiras, por exemplo, foram às ruas, exercendo seu direito de manifestação e inaugurando uma nova etapa em seu papel na história do país.
O fundamental mesmo é defender a democracia a qualquer preço e, com ela, o respeito aos direitos humanos já tão esquecidos por nossos políticos, que nem os citam mais. A imposição rigorosa dos direitos humanos e a consolidação democrática vão nos garantir o controle permanente de tudo o que nos acontecer nos próximos quatro anos. Seja quem for o nosso novo presidente, ninguém vai deixar pôr em risco o nosso direito à liberdade.
O nosso velho patriarcalismo ibérico nos faz procurar sempre um poderoso e, de preferência, misterioso culpado para o que nos contraria, fruto de uma conspiração. Evitamos assim encarar o desamor de quem juramos amar. Sejamos de que partido formos, declaramos nosso maior amor pelo povo, razão política e moral de nossa intervenção na vida pública. Quando perdemos uma eleição democrática ou somos vítimas de uma violência que o povo aprova, temos certeza de que ele foi enganado por seus inimigos, aqueles que estão sempre tramando contra nós e contra o bem do povo.
Passamos a interpretar o que sabemos segundo nossos interesses de amantes traídos, inventamos frágeis argumentos para justificar o equívoco que o povo cometeu ao recusar, em benefício do contrário, o que lhe havíamos proposto. E, no entanto, mesmo que esteja enganado, o que o povo quer é quase sempre aquilo mesmo que ele acaba de escolher.
Todo mundo já falou dessa eleição polarizada, dessa divisão sectária, quase inédita no país, entre “nós” e “eles”. O que precisamos compreender e aceitar é que ninguém é inocente, o ódio foi destilado por todos os envolvidos na vida pública brasileira, gente de qualquer um dos muitos lados. Sim, pelos eleitores. E os eleitores são o povo que cortejamos tanto, a ponto de estarmos dispostos a isentá-lo da derrota que nos infligir.
O voto certamente ontem majoritário, por exemplo, foi um voto de evidente revide, um voto de desforra daqueles que se julgaram enganados ao longo desses últimos tempos. A vida sob os governos de Itamar, FHC e Lula era bem equilibrada e bastante presumível. Havia sobretudo mais oportunidades, com uma esperança concreta de mobilidade social. Mas, a partir de 2012, o povo começou a ver perplexo que nada acontecia como seus supostos representantes anunciavam, e ninguém procurava explicar as razões dos sucessivos fracassos. Enquanto seus líderes eram acusados de roubalheira e incompetência, o povo se sentia ludibriado. Bastava reconhecer os erros, desculpar-se pelos equívocos, refundar o partido e recomeçar de onde parou nos anos antes de 2002; mas a reação às dúvidas e às críticas indignavam os acusados, não mereciam nem ao menos ser ouvidas. A mesma reação das forças de direita.
O que o eleitor disse agora, ao rejeitar os candidatos convencionais, foi mais ou menos o seguinte: já que é para seguir na merda, com os mesmos políticos que sempre nos enganaram, vamos pelo menos nos divertir, vendo-os se estreparem, agarrados a suas mentiras como se fossem boias. Na Alemanha dos anos 1930, Adolf Hitler também se aproveitou de tais oportunistas, de centro ou de centro-direita ou de centro-esquerda ou de centro-qualquercoisa, gente que se protegia sob definições indefinidas. E era só os populistas autoritários abrirem os braços, que os oportunistas se projetavam em seus colos.
Sempre que alguma revolução, de direita ou de esquerda, ganha a guerra e se instala no poder, depois das alegres comemorações solidárias acontecem sempre noites de terror, com fuzilamentos e guilhotinas indiscriminadas. Não acho que isso possa acontecer no Brasil, não é o caso. Mas antes que cheguem as nossas brandas noites de terror, vamos acreditar que o Brasil cansou mas não acabou.
Nestas eleições mesmo, com tão pouca reflexão, a multiplicação das posições políticas, deixando o esquematismo tradicional dos diversos populismos nacionais, é uma notícia positiva que deve ser desenvolvida, fora das eleições, por quem estiver afim de reencontrar o povo. As mulheres brasileiras, por exemplo, foram às ruas, exercendo seu direito de manifestação e inaugurando uma nova etapa em seu papel na história do país.
O fundamental mesmo é defender a democracia a qualquer preço e, com ela, o respeito aos direitos humanos já tão esquecidos por nossos políticos, que nem os citam mais. A imposição rigorosa dos direitos humanos e a consolidação democrática vão nos garantir o controle permanente de tudo o que nos acontecer nos próximos quatro anos. Seja quem for o nosso novo presidente, ninguém vai deixar pôr em risco o nosso direito à liberdade.
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