Para pesquisador americano, papéis comprovam o silenciamento dos negros
por Mariana Filgueiras
Esta é a estrofe de abertura do samba que Elton Medeiros, Cristóvão da Silva
Bastos Filho e Antonio Valente compuseram no fim de 1973, em homenagem a
Pixinguinha, que havia morrido em fevereiro daquele ano. “Mas o preto velho vai
embora e diz adeus, penso com prazer: hoje vai ter festa no céu/ Corre no tempo
som imortal/ flor que renasce a cada carnaval.”
Quando submeteram o samba à censura, receberam um veto com a seguinte justificativa: “Conteúdo que permite lembrar a situação social do negro em nossa história: racismo”. O documento, que só agora vem à público, em meio ao acervo da ditadura militar que está sendo digitalizado pelo Arquivo Nacional até o final do ano — projeto iniciado em 2015 e que tem o financiamento do BNDES —, é um dos muitos que provam como o negro e qualquer menção à sua situação social foram temas silenciados no período.
— Essas descobertas nos permitem não somente historiar o samba e a cultura negra e sua relação com o Estado e os censores durante o período militar de uma forma jamais vista, mas também nos possibilitam uma releitura instigante e reforçam a ideia de como o samba e a cultura negra têm sido silenciados e historicamente branqueados antes e durante a época do Estado Novo e do regime militar — argumenta o pesquisador americano Stephen Bocskay, professor visitante da Universidade Federal de Pernambuco, que está debruçado sobre o material para escrever o livro “Samba e afropolítica durante a ditadura militar brasileira”, ainda sem data de lançamento. O material pesquisado por Bocskay deu origem a uma série de quatro reportagens do GLOBO, que chega ao fim hoje.
— Lendo o texto daquele veto fica mais fácil perceber por que a ideologia da mestiçagem se mantém reinante no Brasil e a quem beneficia, não é mesmo? — questiona ele. — Se era tão difícil se afirmar negro e falar sobre a sua história social no Brasil na década de 1970, imagine como era na década de 20 ou 30? Aí, como a história do negro era algo a ser obliterada da face da Terra, dá para entender por que os compositores negros, no período da internacionalização do samba e da imagem do Brasil, tendiam a canalizar a temática negra a gêneros como jongo e batuque, mas não ao samba. O racismo estrutural permeia todos os poros da sociedade brasileira.
Um dos mitos que os documentos ajudam a derrubar, de acordo com ele, é o fato de que o samba não abordava tanto os temas políticos e sociais quanto os temas do amor, ciúme, o erotismo ou os relatos testemunhais do cotidiano.
— Havia questionamentos ou ironias referentes às autoridades, ao militarismo, até aos aspectos do sistema, como o Serviço de Assistência ao Menor, o SAM. Mas vários sambas foram vetados, caindo no esquecimento, enquanto outros foram alterados com a finalidade de amenizar o conteúdo político.
Outra leitura iluminada pelos documentos é a de que a censura havia sido mais dura com os compositores no período do então presidente Médici, entre 1969 e 1974. O pesquisador encontrou exemplos até os anos 1980, como “Me faz um dengo”, samba de gafieira de Martinho da Vila, vetado em 1981.
— Como há pouquíssimas pesquisas científicas sobre samba nesse período, e menos ainda relativas à censura no samba, agora será possível atualizar várias dimensões da historiografia sobre música popular brasileira e censura — reforça ele. — Ainda impera a ideia de que os militares desviaram sua atenção à censura da música durante o governo do Ernesto Geisel, entre 1974 e 1979. Embora a censura pegasse mais pesado no governo Médici, o que vemos é que os sambistas foram censurados até o governo Figueiredo, entre 1979 e 1985. Essa é a História do Brasil.
Quando submeteram o samba à censura, receberam um veto com a seguinte justificativa: “Conteúdo que permite lembrar a situação social do negro em nossa história: racismo”. O documento, que só agora vem à público, em meio ao acervo da ditadura militar que está sendo digitalizado pelo Arquivo Nacional até o final do ano — projeto iniciado em 2015 e que tem o financiamento do BNDES —, é um dos muitos que provam como o negro e qualquer menção à sua situação social foram temas silenciados no período.
— Essas descobertas nos permitem não somente historiar o samba e a cultura negra e sua relação com o Estado e os censores durante o período militar de uma forma jamais vista, mas também nos possibilitam uma releitura instigante e reforçam a ideia de como o samba e a cultura negra têm sido silenciados e historicamente branqueados antes e durante a época do Estado Novo e do regime militar — argumenta o pesquisador americano Stephen Bocskay, professor visitante da Universidade Federal de Pernambuco, que está debruçado sobre o material para escrever o livro “Samba e afropolítica durante a ditadura militar brasileira”, ainda sem data de lançamento. O material pesquisado por Bocskay deu origem a uma série de quatro reportagens do GLOBO, que chega ao fim hoje.
Recém-disponibilizados no site da instituição — o que facilita a pesquisa de estudiosos à distância, como é o caso de Bocskay, e o acesso dos próprios compositores —, os documentos permitem iluminar a interpretação que se tinha, até então, da relação entre samba e censura. O exemplo de “Flor negra”, para ele, é crucial:
— Lendo o texto daquele veto fica mais fácil perceber por que a ideologia da mestiçagem se mantém reinante no Brasil e a quem beneficia, não é mesmo? — questiona ele. — Se era tão difícil se afirmar negro e falar sobre a sua história social no Brasil na década de 1970, imagine como era na década de 20 ou 30? Aí, como a história do negro era algo a ser obliterada da face da Terra, dá para entender por que os compositores negros, no período da internacionalização do samba e da imagem do Brasil, tendiam a canalizar a temática negra a gêneros como jongo e batuque, mas não ao samba. O racismo estrutural permeia todos os poros da sociedade brasileira.
Um dos mitos que os documentos ajudam a derrubar, de acordo com ele, é o fato de que o samba não abordava tanto os temas políticos e sociais quanto os temas do amor, ciúme, o erotismo ou os relatos testemunhais do cotidiano.
— Havia questionamentos ou ironias referentes às autoridades, ao militarismo, até aos aspectos do sistema, como o Serviço de Assistência ao Menor, o SAM. Mas vários sambas foram vetados, caindo no esquecimento, enquanto outros foram alterados com a finalidade de amenizar o conteúdo político.
Outra leitura iluminada pelos documentos é a de que a censura havia sido mais dura com os compositores no período do então presidente Médici, entre 1969 e 1974. O pesquisador encontrou exemplos até os anos 1980, como “Me faz um dengo”, samba de gafieira de Martinho da Vila, vetado em 1981.
— Como há pouquíssimas pesquisas científicas sobre samba nesse período, e menos ainda relativas à censura no samba, agora será possível atualizar várias dimensões da historiografia sobre música popular brasileira e censura — reforça ele. — Ainda impera a ideia de que os militares desviaram sua atenção à censura da música durante o governo do Ernesto Geisel, entre 1974 e 1979. Embora a censura pegasse mais pesado no governo Médici, o que vemos é que os sambistas foram censurados até o governo Figueiredo, entre 1979 e 1985. Essa é a História do Brasil.