Marcello Corrêa
Uma tese polêmica circula pela internet: não há déficit na Previdência Social. A ideia tem como principal base um estudo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), que sustenta que as contas do Orçamento da Seguridade Social — que engloba os gastos com aposentadorias, pensões, assistência social e saúde — poderiam estar no azul, caso fossem calculadas de forma diferente. Segundo a entidade, o governo deixa de contabilizar receitas e acrescenta despesas a esse orçamento, o que provoca o rombo. A metodologia é contestada pela maioria dos especialistas em contas públicas e pela equipe econômica.
Mas, para a Anfip, a regra tira dinheiro da Seguridade. Um vídeo, distribuído pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco), resume o estudo e destaca que o Orçamento da Seguridade Social perdeu R$ 66 bilhões em 2015 por causa da DRU. A legenda diz que “não há rombo na Previdência, e sim um desvínculo anual”, com uso de impostos para outros fins. Nas contas da entidade, haveria superávit de R$ 11,2 bilhões naquele ano, valor suficiente para pagar as despesas da Previdência Social. A Anfip também alega que as desonerações fiscais tiraram dinheiro da seguridade ao longo dos anos.
Os dados do governo estão de acordo com os dos auditores fiscais, mas a equipe econômica nega que seja esse o motivo para o rombo da Previdência. Também em vídeo, criado para rebater a tese de que não há déficit no sistema, o Ministério da Fazenda confirma que as desvinculações chegaram a R$ 61 bilhões em 2015 — número semelhante ao usado pela Anfip —, mas que a Seguridade Social continuaria no vermelho em R$ 106 bilhões naquele ano, mesmo que os recursos não fossem desvinculados. Descontando as receitas usadas na DRU, o déficit calculado pela Fazenda é de R$ 166,5 bilhões.
A diferença entre os resultados é porque a associação, além de contabilizar volume diferente de receitas, desconsidera algumas despesas em sua metodologia. A principal delas são os gastos com aposentados e pensionistas do serviço público. Na avaliação da Anfip, esses gastos não fazem parte do Orçamento da Seguridade Social, pois são regidos por outro capítulo da Constituição Federal, que detalha o funcionamento dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).
Criador da DRU, o economista Raul Velloso explica que, na prática, a DRU não faz mais tanta diferença na conta, por causa do déficit na Seguridade, que se intensificou em 2016. Ele conta que a ideia surgiu para flexibilizar o dinheiro dos impostos criados em 1988, muitos com destinação exclusiva. Mas a estratégia só tem sentido quando sobra dinheiro da Seguridade Social — que, então, pode ser movimentado para dar conta de outros gastos.
Como os gastos com Previdência são obrigatórios, o governo até desvincula esse dinheiro, mas tem de devolver o que tirou e complementar para pagar os benefícios. Esse déficit é bancado pelo Tesouro Nacional.
— A DRU hoje é inócua. Minha invenção foi superada pelos fatos. Ela não consegue tirar mais dinheiro, o que adianta?
Para o presidente da Anfip, o mecanismo é prejudicial ao sistema previdenciário.
— A Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) é destinada exclusivamente para o social. A Cofins é destinada para seguridade social. Como o governo inventa uma DRU que permite retirar 30% dessas receitas, quando o sistema é solidário, e as receitas são de destinação exclusiva? — critica Vilson Romero, presidente da Anfip.
Ele contesta, ainda, a inclusão dos gastos com servidores na conta da Seguridade.
— É uma pedalada na Constituição — resume.
Para o governo, é correto contabilizar os gastos com servidores nessa parte do Orçamento.
— Hoje, o déficit (da Previdência) dos servidores públicos é de R$ 77 bilhões. Eles falam que não é um gasto com seguridade social porque não está no capítulo da seguridade social. Da mesma forma que gasto com professor é de educação, gasto com aposentado, do setor público ou privado, tem que ser Previdência — diz Arnaldo Lima, assessor especial do Ministério do Planejamento.
Benedito Passos, diretor do Núcleo Atuarial de Previdência, concorda com a visão da Anfip.
— A seguridade social poderia ter mais de R$ 1 trilhão de recursos hoje se nos últimos 12 anos não estivéssemos fazendo as transferências — avalia.
A opinião de Passos, porém, não encontra eco entre outros analistas. A maioria dos economistas especializados em contas públicas destaca que a tese do superávit não se sustenta, principalmente porque, no fim das contas, o dinheiro é um só.
— A Previdência Social, e ainda mais a dos servidores, não é uma ilha da fantasia descolada do resto dos Poderes e recursos públicos. Ainda mais porque o seu déficit será sempre pago pelo próprio governo, logo, fica capenga fazer uma análise em que se considera apenas uma parte dos gastos — destaca José Roberto Afonso, economista do Ibre/FGV e professor do IDP.
O economista da FGV Samuel Pessôa destaca que, independentemente da forma de se contabilizar, há déficit, não só no sistema previdenciário, como na Seguridade Social:
— (A tese da Anfip) não pode ser considerada. Há déficit a partir de 2016 (mesmo sem a DRU) e ele será crescente independentemente da forma de contabilizar e de se devolver ou não as desonerações.
O GLOBO, 12 DE MARÇO DE 2017
Criador da DRU, o economista Raul Velloso explica que, na prática, a DRU não faz mais tanta diferença na conta, por causa do déficit na Seguridade, que se intensificou em 2016. Ele conta que a ideia surgiu para flexibilizar o dinheiro dos impostos criados em 1988, muitos com destinação exclusiva. Mas a estratégia só tem sentido quando sobra dinheiro da Seguridade Social — que, então, pode ser movimentado para dar conta de outros gastos.
Como os gastos com Previdência são obrigatórios, o governo até desvincula esse dinheiro, mas tem de devolver o que tirou e complementar para pagar os benefícios. Esse déficit é bancado pelo Tesouro Nacional.
— A DRU hoje é inócua. Minha invenção foi superada pelos fatos. Ela não consegue tirar mais dinheiro, o que adianta?
Para o presidente da Anfip, o mecanismo é prejudicial ao sistema previdenciário.
— A Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) é destinada exclusivamente para o social. A Cofins é destinada para seguridade social. Como o governo inventa uma DRU que permite retirar 30% dessas receitas, quando o sistema é solidário, e as receitas são de destinação exclusiva? — critica Vilson Romero, presidente da Anfip.
Ele contesta, ainda, a inclusão dos gastos com servidores na conta da Seguridade.
— É uma pedalada na Constituição — resume.
Para o governo, é correto contabilizar os gastos com servidores nessa parte do Orçamento.
— Hoje, o déficit (da Previdência) dos servidores públicos é de R$ 77 bilhões. Eles falam que não é um gasto com seguridade social porque não está no capítulo da seguridade social. Da mesma forma que gasto com professor é de educação, gasto com aposentado, do setor público ou privado, tem que ser Previdência — diz Arnaldo Lima, assessor especial do Ministério do Planejamento.
Benedito Passos, diretor do Núcleo Atuarial de Previdência, concorda com a visão da Anfip.
— A seguridade social poderia ter mais de R$ 1 trilhão de recursos hoje se nos últimos 12 anos não estivéssemos fazendo as transferências — avalia.
A opinião de Passos, porém, não encontra eco entre outros analistas. A maioria dos economistas especializados em contas públicas destaca que a tese do superávit não se sustenta, principalmente porque, no fim das contas, o dinheiro é um só.
— A Previdência Social, e ainda mais a dos servidores, não é uma ilha da fantasia descolada do resto dos Poderes e recursos públicos. Ainda mais porque o seu déficit será sempre pago pelo próprio governo, logo, fica capenga fazer uma análise em que se considera apenas uma parte dos gastos — destaca José Roberto Afonso, economista do Ibre/FGV e professor do IDP.
O economista da FGV Samuel Pessôa destaca que, independentemente da forma de se contabilizar, há déficit, não só no sistema previdenciário, como na Seguridade Social:
— (A tese da Anfip) não pode ser considerada. Há déficit a partir de 2016 (mesmo sem a DRU) e ele será crescente independentemente da forma de contabilizar e de se devolver ou não as desonerações.
O GLOBO, 12 DE MARÇO DE 2017
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