March 5, 2017

O drama do Uber

Pedro Doria

  Série de controvérsias na qual a empresa se meteu neste ano evidencia a relação entre tecnologia e precarização do trabalho 

 Quando o vídeo de um bate-boca entre o CEO do Uber, Travis Kalanick, e um motorista que usa o sistema de sua empresa veio à tona, durante o carnaval, o tempo fechou. O Vale do Silício está habituado com arrogância de muitos tipos, mas Kalanick é diferente. Por anos, ele pareceu não ligar para controvérsias. Mas, na quarta-feira, tornou público um pedido de desculpas humilhante. “Pela primeira vez admito que preciso de ajuda para me aprimorar como líder e vou atrás”, escreveu em um post público. “Preciso me tornar adulto.”

Na semana passada, um motorista do serviço premium Uber Black, ao final da corrida, se apresentou e reclamou das constantes mudanças na política de preços. Contraiu uma dívida alta para comprar seu carro, explicou ao executivo, e o dinheiro que ele consegue fazer por corrida só cai. Sua queixa é comum. A empresa exige carros novos, caros, sempre apresentáveis, mas oferece pouco em troca. O CEO foi grosseiro em resposta. “Algumas pessoas não se responsabilizam pelos próprios problemas”, disse em fúria.
Não é a única controvérsia na qual a empresa se meteu neste ainda curto 2017.
Em janeiro, taxistas que atendem o aeroporto internacional de Nova York fizeram greve em protesto contra as mudanças na política migratória de Donald Trump. Lá, boa parte dos motoristas dos amarelinhos vêm da Ásia Central e Oriente Médio. Enxergando uma oportunidade, a Uber pôs no ar uma promoção. Para quê. Numa cidade antirrepublicana até o talo, o resultado foi o nascimento duma campanha #deleteuber e, só naquele mês, 200 mil contas foram apagadas no serviço. É pouco para fazer um estrago financeiro, mas suficiente para atingir a imagem.

Na sequência, uma engenheira que deixou a companhia escreveu sobre a experiência de ser mulher lá dentro. Uma vida de assédio sexual e moral constante na qual queixas aos Recursos Humanos não dão em nada. A primeira resposta oficial da empresa fez parecer que os executivos se sentiram magoados com as declarações. Só que, aí, tanto investidores quanto membros do conselho tornaram públicas suas reservas.

É controvérsia demais para um ano que só começou. Nos EUA, concorrentes como o Lyft estão crescendo rápido. Em São Paulo, os espanhóis da Cabify estão indo atrás de mercado com agressividade. Já entraram também no Rio e Porto Alegre. E uma das estratégias que cresce contra o Uber é, justamente, tentar seduzir os motoristas insatisfeitos.

Há, de fato, uma cultura que valoriza o crescimento acima de tudo no Vale do Silício. E, por conta de profissões ligadas às exatas terem tido pouca capacidade de atrair mulheres, a cultura é predominantemente masculina na indústria. Mas, junte-se tudo, por trás do início de ano desastroso do Uber há uma questão maior: a relação entre tecnologia e precarização do trabalho.
 
O Uber é um serviço melhor do que o táxi por menos dinheiro. Isso quer dizer, também, que os motoristas fazem menos. Para um liberal extremo, jogo jogado, o mercado agiu e criou eficiência. Certo. Robôs seguem substituindo operários, e esta é mesmo a marcha da história. Tecnologia sempre arrumou um jeito de aumentar a produção diminuindo seus custos. Com os avanços tanto em robótica quanto em inteligência artificial, o setor de serviços será ainda mais atingido. De garçons a contadores, passando por assistentes executivas, recepcionistas, agentes de viagem e mesmo motoristas, o número de profissões que caminha para a extinção não é pequeno.

O drama do Uber, no fim das contas, é este. O drama do trabalho no século XXI. A longo prazo, tudo se resolve. Mas nas próximas duas décadas vai ter muita gente sofrendo.

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