March 14, 2017

Belas, libertárias e do mundo



Adriana Carranca

Quando cheguei ao pequeno apartamento em Teerã para entrevistar Shirin Ebadi, ela usava o hijab. Shirin é advogada e a primeira muçulmana a ganhar o Prêmio Nobel da Paz por sua luta em defesa da liberdade e dos direitos civis para as iranianas sob o regime dos aiatolás, instaurado após a Revolução Islâmica de 1979. Perguntei a ela por que se cobria em casa (nas ruas, o uso do véu era imposto mesmo às estrangeiras, avisadas a cobrir-se quando o avião entra no espaço aéreo do Irã, obrigatoriedade contra a qual ela lutava). “Porque não luto para não usar o véu, mas pelo direito de escolha, ainda que seja escolher usá-lo.”

Por muito tempo, muitas mulheres no Oriente rechaçaram a ideia do feminismo por associá-lo a valores ocidentais e demandas como o uso da pílula e da minissaia. Mas o direito á escolha universaliza a bandeira da igualdade.

Fui à casa de Shirin em um táxi dirigido por uma iraniana que fora obrigada a se casar aos 12 anos com alguém que não escolheu, fingiu-se louca para que o marido tomasse a iniciativa do divórcio (por lei, exclusiva aos homens), economizou dinheiro por dez anos, comprou os filhos de volta e, quando a encontrei, sustentava a casa com o trabalho numa cooperativa de taxistas mulheres que fundara e reunia 900 motoristas nas ruas de Teerã.

No Afeganistão, conheci a médica Massouda Jalal, primeira mulher candidata à Presidência; a deputada Fawzia Kofi; a editora da primeira revista feminina, Shukria Barakzai; a comandante do primeiro batalhão feminino do Exército afegão, Fahima Misbaha, que aos 36 anos estava prestes a se casar por amor com um cadete dez anos mais jovem, de outra etnia e patente inferior à sua, quebrando de uma vez todos os tabus da sociedade local.

A inclusão de mulheres no Exército afegão garantiu o acesso às casas onde a tradição impedia a presença de militares homens. A ação feminina reduziu a capacidade de recrutamento e ataques do Talibã, segundo o general aposentado John Allen, ex-comandante da Força Internacional de Assistência à Segurança no país que mais tarde fez parte da coalizão de combate contra o EI. “Nenhuma sociedade conseguiu transitar do conflito para o desenvolvimento sem que as mulheres fizessem parte central dela”, disse ele num simpósio sobre a participação de mulheres em prevenção e resolução de conflitos, promovido pelo Council on Foreign Relations em Washington.

A participação de mulheres em processos de paz aumenta em 35% as chances de um acordo durar pelo menos 15 anos; a de organizações civis que incluem grupos de mulheres reduz em 64% as chances de um acordo de paz falhar. A igualdade de gênero está associada à propensão menor de conflitos entre Estados ou guerras civis. Se incluídas em ações de prevenção e em esforços para combater o radicalismo e o extremismo violento, o resultado tende a ser mais positivo e duradouro.

Não exatamente porque a mulher seja menos propensa a violência ou guerras, para o bem ou para o mal acreditar nisso seria também uma forma de sexismo — 40% das forças curdas de orientação marxista que lutam nas trincheiras do Iraque e da Síria contra o Estado Islâmico são mulheres; na outra ponta, a ascensão da extrema-direita que incita o ódio a imigrantes, refugiados e minorias na Europa tem sido largamente liderada por mulheres como Marine Le Pen, na França. Mas por abarcar as experiências, a visão, as possibilidades e escolhas trazidas por uma parcela da população amplamente ignorada.

Entre 1992 e 2001, período que abarcou conflitos tão sangrentos quanto a primeira Guerra do Golfo e o genocídio em Ruanda, as mulheres somaram menos de 4% entre signatários de acordos de paz e tiveram apenas 9% de representatividade em negociações. Esse período compreendeu ainda o início da segunda guerra civil na Libéria. Quatro anos depois, sete mulheres, entre elas Leymah Gbowee, iniciaram protestos não violentos que evoluíram para uma greve geral de sexo cuja repercussão acabou por convencer o presidente Charles Taylor a recebê-las num encontro do qual saíram com o rascunho de um acordo de paz. A ação abriu caminho para a eleição, mais tarde, de uma mulher como presidente. E inspirou ações semelhantes em Guatemala, Togo e outros países.

“Ponha as mulheres na mesa (de negociações) e notará que mais questões e perspectivas são trazidas à luz”, escreveu esta semana a ministra de Relações Exteriores da Suécia, Margot Wallström, que propõe uma agenda feminista na política externa. “Feminismo é um dos componentes da visão moderna em política global.”

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