Filme abordará os bastidores da campanha política de 1988 no Rio
— Ele era um cidadão do Rio e um candidato que ficou em terceiro lugar nas eleições daquele ano. Foi uma figura política da nossa cidade e merece ser homenageado. Há documentários produzidos de tantas outras personalidades, por que não do macaco Tião? — questiona o diretor.Em 1988, Tião foi lançado candidato à prefeitura pela “legenda” Partido Bananista Brasileiro (PBB), uma brincadeira dos redatores do “Planeta Diário” e da “Casseta Popular”, que mais tarde se tornariam o grupo humorístico “Casseta &; Planeta”. Mas o que tornou um chimpanzé do zoológico do Rio um fenômeno das urnas?
— A representatividade da classe politica era muito contestada. Não tinha em quem votar, quem o povo abraçasse como futuro prefeito do Rio. E aí surgiu a candidatura. O que começou como uma grande brincadeira, transformou-se em um protesto contra os candidatos e um incentivo ao voto nulo nas antigas cédulas eleitorais. As pessoas escreviam o que queriam, o nome que fosse, a frase que quisessem — conta Alex.
E o macaco Tião não fez feio: estima-se que ele tenha recebido 400 mil “votos”, não contabilizados oficialmente, dos eleitores. Essa votação o deixou em terceiro lugar entre os 12 candidatos que disputaram o pleito. Cerca de 9,5% dos cariocas que compareceram às urnas apostaram nele. Quem levou a eleição naquele ano foi Marcello Alencar. Se fosse no primeiro turno da eleição de 2016, Macaco Tião ficaria em quinto lugar, entre Flávio Bolsonaro (424.307 votos) e Índio da Costa (272.500).
Para Alex Levy-Heller, muitos queriam apenas expressar as suas frustrações com o cenário político da época por meio do animal.
Jorge Luiz de Oliveira foi um dos tratadores do macaco Tião. Durante 10 anos, ele conviveu com o "macaco mais humanizado que ele já conheceu". O funcionário do RioZoo há 31 anos conta que Tião tinha as suas manias e que precisava ser agradado a todo momento. Diferentemente do que falam por aí, Tião não jogava as suas fezes nos outros. Jorge conta que ele arremessava uma mistura de terra, lama e frutas.
— Ele não colocava a mão nas fezes dele, sempre foi assim. Ele separava as frutas e legumes que não gostava e deixava em um cantinho para jogar no público — lembra.
Foto: Marcos Ramos em 05/01/1994 / O Globo
Um dos prazeres de Tião era admirar as luzes acesas das torres que ficam no alto do Morro do Sumaré, na Zona Norte do Rio. Jorge conta que ele forrava o chão com sacos de estopa e passava as noites sentado na jaula e olhando as luzes. Outra curiosidade revelada pelo tratador era o fascínio que as mulheres loiras exerciam sobre o animal.
— Ele ficava louco, olhando para todas. Principalmente as que usavam botas nos pés. Mas apesar de toda essa admiração, infelizmente o macaco Tião morreu solteirão, sem formar uma família e nem deixar descendentes — lamenta Jorge.
A ESCOLHA DO SUCESSOR
Quando o macaco Tião faleceu, em 23 de dezembro de 1996, aos 33 anos, em virtude da diabetes, uma votação foi realizada para tentar encontrar o seu sucessor como uma das estrelas do zoológico. Na briga, estavam os chimpanzés Pipo e Paulinho. À época, o primeiro foi escolhido vencedor e tinha tudo para chegar ao estrelato. No entanto, Paulinho sempre foi considerado mais animado e engraçado, conquistando o coração dos frequentadores.
— Ele já estava no RioZoo há 10 anos e cresceu solto até os três anos de idade, correndo pelos corredores. Tanto que, até hoje, quando foge da jaula pelo acesso dos tratadores, ele vai direto para a cozinha dos animais, pois já conhece o caminho — revela Jorge.
A criação livre nos primeiros anos de vida é um ponto em comum entre Paulinho e Tião, que ganhou esse nome em homenagem ao padroeiro da cidade - São Sebastião - já que nasceu próximo ao seu dia, 16 de janeiro de 1963. Quando filhote, Tião passeava pelo zoológico de mãos dadas com seus tratadores e visitava diariamente as salas da administração.
A alimentação de Paulinho é a base de frutas, verduras, iogurte e legumes. Melancia, tomate e banana são os alimentos preferidos do macaco. Tião também sempre gostou de comer do bom e do melhor. No entanto, o tratador dos primatas recorda que o macaco sofreu muito quando viu as mangas, abacaxis e outras frutas serem substituídas por repolho e chicória devido a diabetes. Segundo Jorge, mesmo doente, Tião sempre era agradado com uma banana pelos outros funcionários do zoológico.
O esqueleto do Macaco Tião está exposto no Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, em Guapimirim, a serviço da ciência.
A COMÉDIA COMO FERRAMENTA CRÍTICA
Além de imagens da época, “Macaco Tião — O candidato do povo” terá depoimentos dos cassetas Marcelo Madureira, Helio De La Peña, Beto Silva, Hubert e Claudio Manoel, e de sociólogos e cientistas políticos como Roberto DaMatta e Sergio Besserman. O diretor Alex Levy-Heller afirma que há vários pontos por trás da campanha eleitoral de Tião: o voto obrigatório, o voto de protesto e a insatisfação dos eleitores.
— Considero que há um legado. Hoje, vários candidatos políticos são seus seguidores. Pessoas sem vocação e sem um nível educacional adequado para fazer carreira política, mas que mesmo assim recebem uma quantidade expressiva de votos — explica o diretor.
Alex Levy-Heller lembra que o macaco Tião sempre teve a vida documentada pelas emissoras de TV, que faziam matérias e reportagens sobre os aniversários e peripécias do animal. Por isso, segundo ele, não foi difícil encontrar boas imagens. Um dos entrevistados para o filme, Marcelo Madureira afirma que, na época, o macaco reunia as principais características para um bom político, e lembra a grande repercussão conquistada.
— A campanha foi um sucesso absurdo. Uma pena que ele não pode prosseguir na carreira política. Mas eu acho que o macaco Tião não teria a menor chance no cenário político atual, pois ele sempre foi um animal honesto e nunca roubou ninguém — afirma.
O treinador Jorge Luiz, do RioZoo, lembra dos cabos eleitorais que iam até o zoológico, estampando a foto do Tião em camisas e cartazes. O diretor Alex Levy-Heller conta que o Bussunda, casseta falecido em 2006, era o grande porta voz da campanha que colocava o macaco Tião como o grande representante do "povão" no fim da década de 80.
— O fato saiu no Le Monde e no New York Times, teve fama internacional. As pessoas não acreditavam que um macaco tinha sido eleito para um cargo tão importante — conta o diretor Alex Levy-Heller, que mergulhou nas curiosidades do macaco Tião no final de 2014 e passou os últimos anos colhendo boas histórias. O documentário tem produção da Alelo Filmes e Afinal Filmes, e distribuição da Pipa Produções.
O GLOBO, 10 DE MARÇO DE 2017
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