December 12, 2019

A sociedade civil obstruída

O Mecanismo de Combate à Tortura é um conselho que quase foi esvaziado por Jair Bolsonaro. Foto: Diego Vara / Reuters

 
Foi numa live de 7 de outubro de 2018 que o então candidato Jair Bolsonaro, acompanhado de Paulo Guedes, anunciou: se eleito, colocaria “um ponto final” em “todos os ativismos” no Brasil. Naquele dia, a frase fez gelar a espinha de integrantes da sociedade civil em todo o país. O que Bolsonaro queria dizer com aquilo? O que ele entendia como “ativismos”? Seria uma ameaça vazia de quem queria passar a ideia de que “ativismo” e “esquerda” são sinônimos? Ou haveria algo de concreto pela frente? No primeiro dia de governo, o Mito cumpriu a promessa: editou uma medida provisória estabelecendo que a Secretaria de Governo seria responsável por controlar e supervisionar as organizações da sociedade civil — o texto depois seria alterado no Congresso, graças à mobilização lá dentro. Os dez meses de governo trouxeram outras más notícias para o Terceiro Setor. Os conselhos de formulação e fiscalização das políticas públicas, que tratam de temas diversos como drogas, combate à tortura, direito de crianças e adolescentes e até acidentes com óleo, foram afetados. Uns foram extintos (como o do óleo), outros viram sua participação social ser diminuída ou penam por não terem verba para atuar da maneira devida. Embora a própria eleição de Bolsonaro tenha sido em parte fruto de um intenso ativismo — nem sempre comprometido com a democracia, vá lá, mas ativismo —, a canetada presidencial já diminuiu a capacidade da sociedade civil de influir e fiscalizar o Executivo. Agora, o próprio Terceiro Setor se organiza para tentar diminuir o impacto dessa ameaça à democracia como um todo.

Bolsonaro nunca teve muita simpatia pelo papel desempenhado por essas organizações, vistas por ele com os contornos da conspiração — na linha de entendimento olavista — de que são financiadas por metacapitalistas internacionais à George Soros. A atuação delas visaria apenas ao próprio interesse, na tentativa de minar a soberania dos países. Parte dos militares também comunga da paranoia, especialmente para com as voltadas ao meio ambiente, sem apresentar evidências que embasem a suspeita.

A ameaça aos conselhos tem acontecido de diferentes maneiras. O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), protegido por uma lei específica, está acéfalo há três meses. Damares Alves deliberadamente não nomeia um coordenador para ele. “Temos dificuldade para comprar passagens, nos comunicar com o ministério e com outros órgãos do país. Nossos relatórios de missões, que detalham nossas inspeções de violações de direitos humanos, estão todos atrasados. Estamos sem articulação”, descreveu o presidente do colegiado, Leonardo Pinho.

Alguns, sem a mesma proteção em lei que o CNDH tem, diminuíram na tesoura a participação social. No Ministério da Justiça, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas perdeu 17 dos 31 assentos. Antes, a composição era de 17 representantes do governo e 14 da sociedade civil. Hoje, o governo tem 12 assentos e o Terceiro Setor dois. O Conselho Nacional do Meio Ambiente tinha 96 assentos e, por um decreto de Bolsonaro, agora tem 23. Mas, em meio à mudança, aumentou o espaço do governo e diminuiu o da sociedade civil. No Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, outro decreto presidencial, de junho, demitiu 11 peritos encarregados de apurar denúncias de tortura em prisões, hospitais psiquiátricos e asilos de todo o país. Uma decisão da Justiça Federal no Rio de Janeiro restabeleceu os 11 cargos. Graças ao colegiado, o país soube, em setembro, que agentes da força-tarefa federal que atua em presídios do Pará estavam envolvidos em casos de tortura. Bolsonaro chamou as denúncias de “besteira”.

Conselhos não mostram resultado do dia para a noite. Para o bem e para o mal, é um trabalho que demora a aparecer. A construção da política pública é resultado de um vaivém de propostas e debates. Mas não existe democracia madura no mundo em que a sociedade civil não participe dessas formulações — e não há nada de esquerdismo ou excesso de burocracia nisso.
“O barata-voa é tamanho que nem o próprio governo sabe informar quantos colegiados extinguiu até agora”
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Em abril, no decreto editado nos 100 dias de governo, Onyx Lorenzoni falou vagamente de uma meta de cortar “mais de 600 conselhos”, e assim ocorreu a extinção de “conselhos, comitês, comissões, grupos, equipes” e “qualquer outra denominação dada ao colegiado”. Mas, na mesma leva em que foi extinto o estranho “grupo de trabalho do Centro de Emergência de Computação”, também foi encerrada a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil.

Há duas semanas, em São Paulo, num encontro do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), entidade que reúne filantropos, fundações e institutos de grandes empresas que colocam dinheiro em projetos sociais, Neca Setubal, presidente da entidade e uma das donas do Itaú, reconheceu que o cenário é ruim. “Estamos vivendo tempos difíceis na sociedade civil. Existe um campo autoritário nos atacando. É impressionante como está acontecendo uma deterioração tão rápida nos direitos civis e no ambiente político”, analisou, defendendo que as organizações não se fechem. Pelo contrário: “Deve haver uma escuta ainda mais profunda para entender o que as pessoas estão pensando. Não podemos entrar no ‘nós contra eles’”.
O presídio no Pará onde houve um massacre de presos em julho e que foi inspecionado pelo Mecanismo de Combate à Tortura. Foto: Danilo Verpa / Folhapress
O presídio no Pará onde houve um massacre de presos em julho e que foi inspecionado pelo Mecanismo de Combate à Tortura. Foto: Danilo Verpa / Folhapress
Inês Mindlin Lafer, que dirige o Instituto Betty e Jacob Lafer, também está preocupada. Ela concorda que houve redução do espaço da sociedade civil e percebe a necessidade de pôr mais recursos nas mãos do Terceiro Setor. Lafer lançará na quarta-feira 13, em São Paulo, o Confluentes, uma iniciativa para conectar pessoas interessadas em doar para projetos com causas compatíveis com as buscadas pelos filantropos. “Se você quiser um país com uma sociedade civil independente, desenvolvendo ideias e inovando nas maneiras de controlar os agentes públicos, você precisa de recursos para ter profissionais na ponta. E isso custa”, afirmou.

O cenário sombrio não é uma exclusividade brasileira. Somente 4% da população mundial vive em países com um espaço cívico de fato aberto. Pelos cálculos da Civicus, que mantém um monitor sobre o espaço da sociedade civil, em 111 países dos cinco continentes ela está sob “sério ataque”. Entre as cinco categorias formuladas pela entidade — aberto, estreito, obstruído, reprimido e fechado —, o Brasil atual é considerado “obstruído”, por ter um ambiente “fortemente contestado pelos detentores de poder”. É a mesma classificação de Israel, Hungria e Polônia — não à toa países que também têm líderes que flertam com a autocracia.

December 5, 2019

O gancho não acabou, mas está em falta ver TV coletivamente




Com streaming, a catarse coletiva hoje é reservada a eventos esportivos e a raras produções 


Quem decreta que as séries enterraram o gancho clássico —a cena final, insidiosa, que fisga o espectador e o enche de expectativa para o episódio seguinte— esqueceu-se da HBO, que redobra a aposta no formato de exibição semanal em seus dramas e comédias.
Com êxito, aliás: parte da potência de “Game of Thrones”, seu maior sucesso (e também de toda TV paga ou streaming), vem justamente do suspense mantido entre os episódios, exibidos ao ritmo de um por semana, esperados e assistidos de forma coletiva.
Outros títulos da emissora, de “Chernobyl” a “Catherine the Great” passando pela comédia “Silicon Valley”, adotam o formato, todos com sucesso ainda que sem tanto estrondo.
Mesmo a série que pariu as maratonas como conhecemos hoje, “House of Cards”, na Netflix, não abria mão do suspense nos minutos finais de cada episódio, especialmente no início, antes de o roteiro desandar.

Se em grande parte os melhores autores mantêm-se fieis a esse pilar da dramaturgia, porém, não se pode dizer o mesmo do público em geral.
O acesso permanente a uma torrente de séries (ou “conteúdos”) nos leva a consumi-las vorazmente, muitas vezes sem pensá-las por mais de alguns segundos. O gancho no fim segue lá, impelindo-nos para o próximo capítulo, nós é que não nos entregamos a ele.
Esse modelo pariu produções que mais parecem um filme ou peça fatiados, técnica que não é boa ou ruim em si, mas que é mais traiçoeira.
Woody Allen errou a mão ao escrever para a Amazon “Crise em Seis Cenas”, em 2016, dessa forma; mas recentemente Phoebe Waller-Bridge arrebatou crítica e espectadores (com “Fleabag”), na mesma plataforma. Ambas prescindem de gancho, preferindo uma interrupção quase casual.
E há aquelas histórias que desdenham o gancho mas não se contam em fôlego único, explorando a divisão em capítulos como linguagem. Entra aí “Boneca Russa”, um dos roteiros mais originais dos últimos anos, e suas repetições que talvez desencantasse o espectador se exibidas ao longo de semanas.

Mais do que o suspense experimentado individualmente por cada espectador entre um capítulo e outro, o que parece esvanecer é a experiência televisiva como algo coletivo.
O streaming é a potencialização da experiência solitária, conveniente em uma sociedade ultraindividualista (daí, talvez, seu sucesso agora).
A catarse vivenciada em salas de cinema e com finais de séries e novelas outrora hoje é reservada a eventos esportivos e umas raras produções, que passaram a ser tratadas também como eventos, pois a experiência de trocar ideias, dividir sensações e conciliar gostos é cada vez mais indesejada a olhos grudados em celulares e existências absortas.
Não é à toa que o termo usado para “maratonar” em inglês, “binge-watching”, ecoa “binge-drinking”, que significa encher a cara às pressas. Em um e em outro caso, depois de um certo ponto, nem se consegue apreciar mais nada.


 

 

December 4, 2019

Ninguem aprende nada! Nada!




Ana Paula Lisboa Foto: OGlobo

Ana Paula Lisboa

É UM ABSURDO!
ALIÁS, É INTRAGÁVEL, ABISSAL, INVIÁVEL, ABSOLUTAMENTE REPULSIVO. É ULTRAJANTE, ENJOATIVO, HUMILHANTE, ABISMAL, MONSTRUOSO, SINISTRO, HEDIONDO, DESASTROSO, MALDITO, REPUGNANTE, ESPANTOSO, FEROZ E DEMONÍACO. A POLÍCIA BRASILEIRA É TENEBROSA, MAQUIAVÉLICA, INSUPORTÁVEL, HORRIPILANTE, DESUMANA E INEXPLICÁVEL.
Eu nem quero te convidar a imaginar porque isso pra mim deveria ser inimaginável, deveria ser crime o simples fato de colocar no mundo o pensamento de o Estado ser responsável pelo assassinato de jovens, por motivo torpe e sem a possibilidade de defesa. Aliás, isso não descreve um homicídio qualificado?
Dia 28 de novembro fez quatro anos que cinco jovens foram assassinados com 111 tiros de fuzil dentro de um carro em Costa Barros, quando voltavam de um passeio de domingo no Parque Madureira. Na madrugada do último sábado, nove jovens foram assassinados pisoteados durante um baile funk em Paraisópolis, em São Paulo.
ISSO SÓ PROVA QUE NÓS NÃO APRENDEMOS NADA! ISSO SÓ MOSTRA QUE CARLOS, ROBERTO, CLEITON, WILTON E WESLEY MORRERAM À TOA, QUE TODAS AS LÁGRIMAS DERRAMADAS PELAS SUAS FAMÍLIAS, ATÉ HOJE, FORAM À TOA. QUE A MÃE DE ROBERTO, QUE MORREU DE DEPRESSÃO, MORREU TAMBÉM À TOA.
Mesmo a condenação de dois dos três policiais assassinos, apesar de importantíssima, não serve para muita coisa. Isso que chamamos de justiça, se não vem acompanhada de medidas que mudem estruturalmente a polícia e as políticas de Segurança Pública, vira punições individuais, causadas pela comoção pública, sem mexer na estrutura. OS JOVENS CONTINUAM E CONTINUARÃO SENDO ASSASSINADOS EM ABORDAGENS RACISTAS E DESUMANAS CHAMADAS DE “TRABALHO DA POLÍCIA”.
NÃO SE APRENDE NADA! NADA! NINGUÉM APRENDE NADA, NINGUÉM REPENSA NADA, SÓ ATIRA.
QUEM EDUCA O ESTADO? QUEM EDUCA A POLÍCIA? QUEM EDUCA O PAÍS? QUE PROJETO POLÍTICO NOS FARÁ AVANÇAR COMO SOCIEDADE? QUE PENSAMENTO DE NAÇÃO?
Meu deus, como eu sou ingênua, mas como não o ser? Eu devo então perder as esperanças? Devo me contentar com o que sobrar? O que vai sobrar? Quantos sobrarão? Quem sobrará depois desses quatro anos? QUEM TEM TEMPO PARA ESPERAR QUATRO ANOS?
EU NÃO ESTOU FALANDO NO PREÇO DO DÓLAR, EU ESTOU FALANDO SOBRE VIDA! AS PESSOAS AINDA ESTÃO LUTANDO PARA PERMANECER VIVAS!
EU TÔ GRITANDO PORQUE É SÓ ASSIM QUE EU CONSIGO FALAR NESSE MOMENTO.
SAIBA, TODOS NÓS SEREMOS COBRADOS. TODOS NÓS! O TEMPO E A HISTÓRIA COBRAM. COBRA QUEM AGIU, QUEM AUTORIZOU QUE AGISSE, QUEM SE OMITIU DIANTE DA AÇÃO.
PORQUE NÃO ADIANTA FECHAR OS OLHOS, MESMO DE OLHOS FECHADOS É POSSÍVEL VER, é possível ouvir, o cheiro de morte está no ar e entra pelos poros, uma fumaça cinza chumbo que toma os pulmões.
Não é possível que você não veja! Não é possível que você não aja. Não é possível que você não tenha vontade de gritar! Não é possível que você esteja em paz, a paz é um horror! A paz está matando todos os dias, a cada 23 minutos, um jovem preto!
EU QUERO QUE A PAZ SE F*DA!
Você assistiu aqueles jovens encurralados chorando? Aquilo é a visão do inferno! O inferno! Eu vi!
E VOC
Ê ACHA QUE ISSO É SÓ UM PROBLEMA MEU? VOCÊ ACHA QUE ISSO É SÓ UM PROBLEMA DOS FAVELADOS, DOS FUNKEIROS, DOS JOVENS, DAS FAMÍLIAS?
Esse é um problema seu e você vai ter que cuidar. Pronto, coloquei o problema bem no seu colo; há uma contagem regressiva e em breve ele vai explodir. O que você vai fazer?

 

 

A era de ouro da TV acabou

Image courtesy of HBO.

Mauricio Stycer

Lançada em janeiro de 1999, a série "Família Soprano" se tornou o marco inicial de um período que ficou conhecido como a era de ouro da TV americana. Seguiram-se "The Wire" (2002-2008), "Mad Men" (2007-2014) e "Breaking Bad" (2008-2013), entre outros títulos que fazem parte desta época brilhante.
Mais do que as listas de programas memoráveis (ótimo tema para discussão na mesa de bar), houve bastante debate entre críticos e estudiosos nesta segunda década do século 21 buscando entender o que permitiu o salto de qualidade da produção para a TV.
Há consenso que o avanço ocorreu graças à autonomia concedida aos chamados "showrunners". Com controle criativo total sobre todas as etapas da produção, profissionais experientes elevaram o nível de qualidade e imprimiram um caráter autoral a um processo altamente industrial.


Vinte anos depois da primeira aparição de Tony Soprano, o jornalista Sam Adams considera que a era de ouro chegou ao fim. "À medida em que os serviços de streaming apresentam seus planos para a terceira década do século 21, fica cada vez mais claro que tudo realmente acabou", escreveu em um recente artigo publicado na revista eletrônica Slate.
O diagnóstico é duro, mas faz bastante sentido para mim. Na sua visão, a era de ouro nasceu de um misto de incerteza com prosperidade. Havia recursos para produzir, mas dúvidas sobre como fisgar o público, cujo interesse parecia se dirigir a outras formas de entretenimento. Como ninguém sabia ao certo o que iria funcionar, acredita ele, houve um impulso a tentar de tudo.
As produções inovadoras e surpreendentes contaram com o suporte, em sua maioria, de empresas que atuavam em franjas do mercado, como os canais "premium" HBO e AMC. Dando os seus primeiros passos, Netflix e Amazon tiveram papel importante, igualmente, no impulso à ousadia e ao inesperado.
A HBO hoje pertence ao conglomerado AT&T e a Netflix se tornou uma empresa gigante, com 158,3 milhões de assinantes em todo o mundo. Os "insurgentes" de ontem se parecem cada vez mais com empresas tradicionais, observa Adams. "Estão assinando cheques de nove dígitos para grandes nomes e licenciando toda a propriedade intelectual que possam ter em mãos."

    Os novos donos da HBO querem o próximo "Game of Thrones". A Netflix busca sucessos globais. A aversão ao risco parece dominar a indústria como um todo, que prefere apostar no certo —os super-heróis, as franquias bem-sucedidas, os remakes e reboots de sucessos do passado.
    Sempre haverá boas séries, "mas a atmosfera de 'pode tudo', que permitiu muitos dos destaques da era de ouro da TV, está se dissipando à medida em que o ar se enche com o som do dinheiro sendo contado", escreve Adams.
    Duas produções brasileiras recentes, uma para a HBO e outra para a Netflix, ilustram muito bem este novo quadro.
    "Santos Dumont", de Estevão Ciavatta e Fernando Acquarone, é uma superprodução sobre a trajetória do "pai da aviação", apresentada em ritmo de documentário de canal educativo. Exibidos os três primeiros episódios, de um total de seis, a série da HBO impressiona pelos recursos investidos, mas conta de forma convencional uma história que não decola.
    "Ninguém ​Tá Olhando", de Daniel Rezende, é uma comédia sobre o cotidiano de um grupo de anjos da guarda e suas reflexões sobre a vida. Todos os seus oito episódios já estão disponíveis. A premissa é a mesma dos filmes "Asas do Desejo" (1988), de Wim Wenders, e de "Cidade dos Anjos" (1998), de Brad Silberling, mas destinada a um público adolescente. Por isso, levíssima e descartável.

December 2, 2019

A chantagem florestal de Ricardo Salles



Desmatamento e queimadas consomem a floresta no município de Altamira, no Pará Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Ministro quer cobrar dinheiro de países ricos pelo aumento do desmatamento; não vai dar certo – mas ele já sabe disso 

 

Nos piores anos da mordaça, O Pasquim foi a voz do Brasil


Ruy Castro 
 
Em novembro de 1969, um semanário humorístico carioca, O Pasquim, fundado em fins de junho, completara cinco meses de existência e pulara dos humildes 14 mil exemplares de seu número um para 200 mil no 27. Nem mesmo seus fundadores e proprietários, os jornalistas Tarso de Castro e Sérgio Cabral (pai) e o cartunista Jaguar, esperavam por isso.

A ideia de fazer um “jornal de jornalistas”, “sem patrões”, era maluca demais para dar certo, com o que até Tarso, Sérgio e Jaguar concordavam. Jornalistas eram bons para fazer jornal, mas destrambelhados demais para administrá-lo. A prova era que todas as tentativas feitas no Rio nos 20 anos anteriores haviam fracassado, mesmo que capitaneadas por Rubem Braga, Joel Silveira e Millôr Fernandes.

O engraçado é que O Pasquim, com todo o tremendo sucesso que experimentou de saída, apenas confirmou aquela máxima. Como Tarso, Sérgio e Jaguar não contavam sequer com a sobrevivência do jornal, e muito menos com um estouro da circulação, não estavam preparados para a contabilidade que ele passou a exigir.
O resultado foi uma série de trapalhadas fiscais e contábeis que se revelariam no futuro próximo e seriam difíceis de desarmar. Nem mesmo o título O Pasquim fora registrado. Até que eles fossem ao cartório para legalizar a marca —mais de dois anos depois—, qualquer um poderia ter se apoderado dela. E a marca Pasquim já valia ouro.
O Pasquim deu certo porque pegou todo mundo desprevenido. Em 13 de dezembro do ano anterior, o governo militar baixara um ato institucional, o de número cinco, que determinara o fechamento do Congresso, o fim das garantias constitucionais, a censura a vários veículos da imprensa, a asfixia quase letal ao Correio da Manhã e a implantação de um regime de força, comandado agora pelos três militares hidrófobos que formavam uma junta governativa.
Como soltar um jornal de humor num momento desses? Pois O Pasquim revelou-se exatamente o que o médico tinha receitado ao país —um veículo para o deboche contra tudo que parecesse severo, “respeitável”, oficial.
Se não se podia falar de política, podia-se debochar do oficialismo que se tentava impor ao país na cultura e nos costumes. “Um folião no velório”, como ele se autodefiniu.

Isso se refletia nos cartuns (de Jaguar, Millôr, Ziraldo, Henfil, Claudius, Fortuna), nas colaborações (de Paulo Francis, Glauber Rocha, Chico Anysio), nas seções (como as Dicas, de Martha Alencar, e a Contracultura, de Luiz Carlos Maciel) e nas entrevistas —caóticas, reveladoras e revolucionárias, como a de Leila Diniz, no número 22. Nesta, no lugar dos palavrões ditos por Leila ao gravador, puseram-se asteriscos, que o leitor “traduzia” sem dificuldade para os palavrões originais.
Quando os militares se deram conta da fórmula do Pasquim, estenderam a ele a censura —mas, então, ele já estava no número 39.
E havia o jeito de escrever do Pasquim, um sucedâneo do que às vezes se fazia nos segundos cadernos do Correio da Manhã, do Jornal do Brasil e da Última Hora e em revistas como as extintas Senhor, Pif-Paf e Diners. Todos no Pasquim tinham passado por pelo menos um desses veículos.
O jornal não parecia escrito, mas falado, tal o seu grau de informalidade. E, a partir de certo momento, todos os colaboradores passaram a escrever à maneira do Pasquim.
Assim que saiu, o jornal exalava o espírito franco, moderno e sem compromisso da antiga Ipanema. Ironicamente, sua primeira redação era na Lapa, perto do Correio da Manhã, onde rodava; depois iria para Botafogo, onde ficaria anos; em seguida, para vários endereços de Copacabana; e, a partir daí, eu próprio perderia a conta. Nunca chegou a Ipanema, o que não impediu que, desde o começo, ele fosse, como disse o diplomata Edgard Telles Ribeiro, “Ipanema bottled”.
De 1969 até, digamos, 1979, O Pasquim foi a voz do Brasil que tentava falar. Mas a abertura política, a partir do governo Figueiredo (1979-1985), fez com que outras vozes, menos ou mais sérias, se juntassem à do Pasquim e se misturassem as estações. Por muitos anos ainda, ele continuaria a falar —só que, já então, ninguém mais queria ouvi-lo. Nem precisava.

O Pasquim 50 Anos

  • Quando Ter. a sex., das 9h às 21h20. Sáb., das 10h às 21h30. Dom., das 10h às 18h30. Até 12/4/19
  • Onde Sesc Ipiranga, r. Bom Pastor, 822, Ipiranga, São Paulo
  • Preço Grátis





December 1, 2019

Os 99% tomam as ruas - lá fora








Um áudio vazado da primeira-da-
ma do Chile, Ce-cilia Morel, vale
mais do que mil teses acadêmi-
cas sobre o inal-cançável topo
da montanha econômica
ocial e comportamental onde o 1%
mais rico se mantém protegido do res-
tante do planeta. Embora os manifes-
tantes que despejam fúria e frustração
pelas ruas chilenas sejam seus compa-
triotas e vivam nos limites das mesmas
fronteiras, Morel, na mensagem a uma
amiga, os chama de “alienígenas”, clas-
sifica os protestos de “invasão estrangei-
ra” e admite a contragosto a nova rea-
lidade: “Vamos ter de diminuir o nosso
privilégio e compartilhar mais”.

A repulsa ao povo demonstrada pela
primeira-dama, a percepção de que aque-
les que reclamam são seres diferentes, ha-
bitantes de um outro mundo ou planeta,
ofuscou o ato de contrição do marido, Se-
bastián Piñera. Na noite da terça-feira 22,
durante um pronunciamento em rede na-
cional, o presidente pediu perdão aos chi-
lenos e anunciou não só a suspensão do
reajuste das tarifas de metrô, estopim dos
protestos, mas um pacote de medidas de
cunho social, entre elas o congelamento
dos preços da energia e um aumento de
20% nas aposentadorias – cujo modelo
de capitalização, inspirador da proposta
do ministro brasileiro da Economia, Pau-
lo Guedes, empurrou milhares de idosos
à pobreza extrema no país vizinho. “Re-
conheço essa falta de visão e peço descul-
pas”, discursou. “Diante das necessidades
legítimas e das demandas sociais dos cida-
dãos, recebemos com humildade e clareza
a mensagem que os chilenos nos deram.”

Ainda não está claro se os “alieníge-
nas” aceitarão o pedido de desculpas.

Antes de retroceder, Piñera recorreu ao
velho manual da repressão, incluídos o
tradicional toque de recolher e o estado
de exceção. Como em outros momentos de
triste memória, a polícia e o Exército abu-
saram da violência. Em quatro dias, as for-
ças de segurança e seus inúmeros agentes
infiltrados, carros blindados e metralha-
doras deixaram um saldo de 18 mortos e
mais de 2 mil detidos. Nem assim os chile-
nos se amedrontaram. Até a noite do pro-
nunciamento do presidente, a massa indo-
mável continuava a desafiar as autorida-
des. Bombeiros corriam de um canto a ou-
tro para apagar os incêndios em estações
de metrô, escritórios de empresas estran-
geiras, transportadoras, fábricas, ônibus e
lojas. Em Valparaíso, terceira maior cida-
de, manifestantes destruíram a sede do El
Mercurio, o mais antigo jornal do país, fa-
moso por seu histórico apoio entusiasma-
do e irrestrito à sangrenta ditadura de Au-
gusto Pinochet. “O Chile despertou”, can-
tavam as multidões, armadas de paus, pe-
dras e coquetéis molotov.






Não só o Chile despertou.
No Líbano, manifestan-
tes fantasiados de Corin-
ga engrossaram o coro
contra a cobrança de ta-
xas sobre ligações telefônicas por internet.
O “imposto do WhatsApp”, como tem sido
chamado, foi a gota d’água da insatisfação
com o alto custo de vida e os serviços pú-
blicos precários. Um quarto dos libaneses
vive abaixo da linha de pobreza e tem sido
constante a interrupção do fornecimen-
to de água e luz. Acuado pelos protestos, o
primeiro-ministro, Saad Hariri, revogou a
medida, propôs antecipar as eleições e em
um ato populista anunciou a redução pela
metade do salário dos ministros. Em Hon-
duras, manifestantes destruíram prédios
públicos na capital Tegucigalpa diante da
ameaça de privatização da saúde e do ensi-
no público. O governo, autor de um proje-
to nessa linha enviado ao Congresso, dis-
se ter sido mal interpretado. Uma sema-
na antes, a revolta liderada pelos indígena
havia obrigado o presidente do Equador,
Lenín Moreno, a rever o aumento dos pre-
ços dos combustíveis.

Por motivos não diretamente ligados
às condições econômicas, mas entrela-
çados pelas críticas ao viés autoritário
das elites políticas e financeiras, ocorre-
ram explosões de descontentamento na
Catalunha, no Reino Unido e em Hong
Kong. À página 22, José Sócrates, colu-
nista de CartaCapital e ex-primeiro-mi-
nistro de Portugal, enumera os erros do
governo espanhol na reação violenta aos
protestos catalães. “Para enfrentar um
movimento de desobediência civil”, es-
creve, “não há alternativa senão usar as
armas da democracia: negociação, diálo-
go e compromisso”. À página 24, uma re-
portagem de The Observer relata a cres-
cente oposição dos britânicos à saída
do reinado da União Europeia, o famo-
so Brexit. A manifestação no sábado 19
que reuniu mais de 1 milhão em Londres
não passou despercebida. Motivado pe-
los protestos, o Parlamento rejeitou por
ora os termos do acordo negociado entre
o primeiro-ministro, Boris Johnson, e re-
presentantes da UE. Recado geral: os 99%
cansaram de ser preteridos – e até silen-
ciados, na hora das decisões que afetam
suas vidas de forma irremediável.

A rebeldia planetária expõe ainda as
feridas não cicatrizadas da crise mun-
dial de 2008. Trata-se de uma reação
pertinente à lógica perversa, segundo
a qual os punidos são aqueles sem res-
ponsabilidade pelo crime. Para salvar
os bancos das próprias estripulias, os
Estados Nacionais contraíram dívidas
e emitiram moedas. Após o curto pe-
ríodo de uma falsa autopenitência, en-
cenada para evitar uma onda a favor de
uma maior regulação, o sistema finan-
ceiro voltou a se embriagar de derivati-
vos e a distribuir bônus milionários aos
executivos, como se não houvesse ama-
nhã. Ao mesmo tempo, os países que se
endividaram acabaram submetidos pe-
los bancos que salvaram à interminável
via-crúcis da austeridade, como se o au-
mento da dívida resultasse não do socor-
ro às instituições, mas de uma compul-
são desbragada ao gasto público. No fim,
a conta dos prejuízos causados pelas fi-
nanças foi espetada nas costas do cida-
dão, por meio do corte de programas so-
ciais, das privatizações e do aumento das
tarifas dos serviços básicos. Não espan-
ta a violência popular dos últimos dias.





A convulsão social em dife-
rentes pontos do planeta,
em especial na América
Latina, estimulou o soció-
logo português Boaven-
tura de Sousa Santos a arriscar um prog-
nóstico: “O continente está a mostrar que
o neoliberalismo chegou ao fim. Não cria
boa imagem, não cria paz social e não cria
investimentos. E o Brasil, em breve, se-
rá o próximo. Quando as pessoas come-
çarem a sentir no bolso as consequências
dessas políticas, vai haver reação e even-
tualmente traduzir-se-á em um levante”.
Sousa Santos é um pensador contem-
porâneo arguto e antenado, mas peca
pelo excesso de otimismo em relação a
este país ou testa uma ingênua chama-
da à consciência. Por aqui, os partidos
de oposição, os sindicatos, as organiza-
ções sociais e a população em geral, sal-
vo fugazes e localizados instantes de re-
beldia, assistem prostrados à destruição
das instituições e da economia desde o

impeachment de Dilma Rousseff. Nem a
aprovação em definitivo da reforma da
Previdência, que vai deprimir as aposen-
tadorias dos assalariados, nem a preca-
rização do trabalho, muito menos a desi-
gualdade recorde em um país historica-
mente marcado pelo abismo entre ricos e
pobres (o 1% fatura 33 vezes mais do que
os 99%) ou o desmonte da educação e da
ciência, o desmatamento da Amazônia e
a inoperância de Brasília diante do vaza-
mento de petróleo no litoral nordestino
provocam reações à altura, além de me-
mes, frases de efeito e discussões inter-
mináveis nas redes sociais.

Enquanto os brasileiros se submetem
à desmoralização internacional da nação
e uma parte acompanha as baixarias no
laranjal do PSL como se fosse uma nove-
la da Globo, Jair Bolsonaro continua a in-
terpretar o mundo de uma maneira pe-
culiar. Em viagem ao Japão, o ocupante
do Palácio do Planalto encontrou tempo
para iluminar o mundo. Os protestos do
Chile, garantiu, não passam de uma ma-
quinação do famigerado Foro de São Pau-
lo e só acontecem porque a ditadura de Pi-
nochet acabou. “Os problemas lá come-
çaram em 1990 (ano em que os militares
deixaram o poder)”, pontificou.

Por sorte, apenas os fanáticos bolso-
naristas se fiam nas palavras do “mito”.
Outros pensadores se dedicaram nos úl-
timos dias a analisar os conflitos e chega-
ram a diferentes conclusões. Convertido
à sustentabilidade ambiental e ao bem-
-estar dos cidadãos, o economista Jeffrey
Sachs entregou-se a considerações a res-
peito da rebelião chilena. Em artigo no
site Project Syndicate, Sachs reconhece
que as medidas econômicas tradicionais
se tornaram insuficientes para avaliar os
verdadeiros sentimentos do público. “O
PIB per capita mede o rendimento médio
de uma economia, mas não diz nada sobre
a sua distribuição, as percepções dos in-
divíduos de equidade ou injustiça, o sen-
so de vulnerabilidade financeira do públi-
co, ou outras condições que pesam sobre
a qualidade de vida global”, anota.

Nesses tempos, a incômoda pergun-
ta não quer calar: em que momento ho-
mens e mulheres, sob o manto da liber-
dade e da igualdade, vão desfrutar da
abundância e dos confortos que o capi-
talismo promete, mas não entrega?

Para muitos, estaria prestes a se rea-
lizar a utopia de trabalhar menos para
viver mais. Os avanços da microeletrô-
nica, da informática e da automação dos
processos industriais permitem vislum-
brar, dizem os otimistas, a libertação das
fadigas que padecemos em nome de uma
ética do trabalho que só engorda os cabe-
dais daqueles que nos dominam.





Os equatorianos, liderados pelos indígenas,
inspiraram os vizinhos latino-americanos.
Os moradores de Hong Kong não desistem
de confrontar a excessiva ingerência da China


Esses enredos foram con-
tados nos bons tempos da
globalização e das bolhas
financeiras e de consumo:
a economia da inovação e
da inteligência estaria prestes a substi-
tuir a economia da fábrica, dos ruídos
atormentadores e dos gases tóxicos. As
transformações tecnológicas e suas con-
sequências sociais ensejariam a proeza
de realizar o projeto da autonomia do in-
divíduo, aquele inscrito nos pórticos da
modernidade. A autonomia do indiví-
duo significa a sua autorrealização nas
regras das liberdades republicanas e do
respeito ao outro. O projeto da autono-
mia do sujeito é uma crítica permanen-
te e inescapável da submissão aos pode-
res – públicos e privados – que o cidadão
não controla. A globalização, o avanço
tecnológico e a transformação das for-
mas de trabalho estariam a realizar esta
maravilhosa promessa da modernidade.
Mas qual a realidade que se esconde sob
os pretextos dessa fantasia?

Na marcha de sua existência real, o
capitalismo incitou os anseios de reali-
zação pessoal, mas fez emergir estrutu-
ras técnico-econômicas e formas de de-
pendência que agem sobre o destino dos
protagonistas da vida social como for-
ças naturais que frequentemente des-
troem a natureza, fora do controle da
ação humana.


O avanço tecnológico e os ganhos de
produtividade não impediram a inten-
sificação do ritmo de trabalho. Essa foi a
conclusão de estudos recentes da Organi-
zação Internacional do Trabalho e de ou-
tras instituições. Entre os empregados,
o trabalho intensificou-se. Nos Estados
Unidos, para citar um caso, as horas tra-
balhadas cresceram em todos os setores.

No outro lado da cerca estão aqueles
que se tornaram compulsoriamente in-
dependentes do trabalho, os desemprega-
dos. O desemprego global cresceu muito
no mundo desenvolvido, ao mesmo tem-
po que o trabalho se intensificou nas re-
giões para onde se deslocou a produção
manufatureira. As estratégias de locali-
zação da corporação globalizada intro-
duziram importantes mutações nos pa-
drões organizacionais: constituição de
empresas-rede, com centralização das
funções de decisão e de inovação e ter-
ceirização das operações comerciais, in-
dustriais e de serviços em geral.

As novas formas financeiras contribuí-
ram para aumentar o poder das corpo-
rações internacionalizadas sobre gran-
des massas de trabalhadores, permitindo
a “arbitragem” entre as regiões e nivelan-
do por baixo a taxa de salários. As fusões
e aquisições acompanharam o desloca-
mento das empresas que operam em múl-
tiplos mercados. Esse movimento não só
garantiu um maior controle dos merca-
dos, mas ampliou o fosso entre o desem-
penho dos sistemas empresariais “globa-
lizados” e as economias territoriais sub-
metidas às regras jurídico-políticas do Es-
tados Nacionais. A abertura dos merca-
dos e o acirramento da concorrência co-
existem com a tendência ao monopólio e
debilitam a força dos sindicatos e dos tra-
balhadores “autônomos”, fazendo pericli-
tar a sobrevivência dos direitos sociais e
econômicos, considerados um obstáculo
à operação das leis de concorrência.

Restringem, portanto, a soberania es-
tatal e impedem que os cidadãos, no exer-
cício da política democrática, tenham ca-
pacidade de decidir sobre a própria vida.
As reformas realizadas nas últimas dé-
cadas cuidaram de transferir os riscos
para os indivíduos dispersos, ao mesmo
tempo que buscaram o Estado e sua for-
ça coletiva para enfrentar a concorrência
desaçaimada e, nos tempos de crise, limi-
tar as perdas provocadas pelos episódios
de desvalorização da riqueza.

Na era do capitalismo “turbinado” e
financeirizado, os frutos do crescimen-
to concentraram-se nas mãos dos deten-
tores de carteiras de títulos que represen-
tam direitos à apropriação da renda e da
riqueza. Para os demais perduram a ame-
aça do desemprego, a crescente insegu-
rança e precariedade das novas ocupa-
ções, a exclusão social. Não por menos, a
angústia, volta e meia, explode nas ruas...
do Chile, de Honduras, do Líbano... •

November 29, 2019

Curadoria esconde piadas preconceituosas na mostra do ‘Pasquim’

TODA SEMANA - Baixo calão: em 22 anos de vida, irreverência ilimitada

By
Fábio Altman
veja.abril.com.br

Uma sala acanhada, com luz teatral, os focos dramaticamente apontados para instalações de pouco mais de 1 metro de altura, esconde os pequenos pecados da belíssima exposição O Pasquim — 50 Anos, em cartaz no Sesc Ipiranga, em São Paulo, até abril de 2020. Veem-se as tirinhas e charges dissimuladas por trás de peças que lembram aqueles monóculos de plástico coloridos dos anos 1960 e 1970, de formato cônico — com a foto de um lado e uma lente de aumento do outro. Em alguns casos, cortinas cobrem os desenhos. O espaço tem um nome que pressupõe o que se verá lá dentro, um tanto recôndito e evidentemente envergonhado: “Pasquim Incorreto”. Estão disfarçadas, naquele canto, as piadas mais chulas e preconceituosas do tabloide que, ao longo de 22 anos, mas sobretudo em seus primeiros tempos, durante a ditadura militar, cutucou todas as feridas ao se anunciar “livre como um táxi”, “equilibrado como um pingente” e “incômodo como um folião num velório”.
A concentração recatada dos capítulos mais “folgazões” do semanário, para usar uma expressão de um de seus criadores, o jornalista Sérgio Augusto, impõe a retomada de uma questão: o movimento politicamente correto matou o humor? Antes de responder à pergunta, convém anotar o que diz o catálogo da exibição: “O Pasquim foi um jornal moleque e sem limites. No espaço Pasquim Incorreto as obras estão dentro de visores para que sejam apreciadas por meio das lentes do passado, dentro daquele contexto e com o olhar crítico do presente”.
SIG – O ratinho de Jaguar: o ícone do jornal “comentava” os textos
SIG – O ratinho de Jaguar: o ícone do jornal “comentava” os textos
SIG – O ratinho de Jaguar: o ícone do jornal “comentava” os textos SIG – O ratinho de Jaguar: o ícone do jornal “comentava” os textos
Mas, afinal de contas, a correção política fere de morte a graça? “Não, apenas mata o humor fácil, ancorado no preconceito”, diz Nelito Fernandes, do Sensacionalista, publicado por VEJA, e um dos redatores finais, ao lado de Martha Mendonça e Gabriela Amaral, do programa Zorra, da Globo. “A piada inteligente sempre viverá.” Para Nelito, fazer rir exige uma permanente negociação com os humores do cotidiano, com o que pode e o que não pode, ao ritmo do pêndulo das transformações da sociedade. Se é o caso de comprovar a permanência do chiste que já não fere nem machuca, gratuitamente, basta olhar para o próprio Zorra. De 1999 a 2015, quando ainda era chamado de Zorra Total, seu edifício era construído em cima de anedotas estúpidas contra as minorias, porque naquele período era assim que se fazia — hoje, o tom é mais político, com riso que demora alguns segundos para brotar, mas depois vem que vem, escancarado. No modo do passado, o programa alcançava, em média, 16 pontos no Ibope, segundo fontes da Globo. Hoje, vai a 22 pontos. Ou seja: há, sim, gente interessada na pilhéria que foge da execração.

A adaptação aos novos tempos não foi fácil — e segue sendo exercitada incansavelmente. Sérgio Augusto cria uma metáfora: “É como o eSocial, o sistema digital que reúne os dados dos trabalhadores, evita fraudes, força ao pagamento de impostos e significou um tremendo instrumento de justiça, especialmente para as domésticas. É útil, é bom, é muito bem sacado, precisamos nos acostumar e parece não ter recuo — mas é um porre”. Trata-se, para usar uma expressão batida, de um mal necessário. O politicamente correto — denominação criada pela direita americana ao criticar as posturas igualitárias da esquerda, nos anos 1970 — ataca o que precisa ser atacado: o racismo, a discriminação, o fundamentalismo religioso. Ao dar as mãos à zombaria, inaugurou um debate que os humoristas mais sérios sabem ser impossível negar. “A piada está perdendo seu lugar de fala”, ri Helio de La Peña, do Casseta&Planeta, fazendo troça de uma expressão típica de nosso tempo. Para ele, o nascimento e o crescimento das redes sociais romperam um pacto. Humoristas como Chico Anysio, Costinha e Jô Soares tinham um registro recatado na televisão, para milhões de telespectadores. Nos teatros, em espaços mais restritos, “soltavam os cabelos”. Hoje, entre stories e lives, não há mais fronteiras — e essa ágora infinita, somada às boas imposições contemporâneas, impôs limites. “Um cidadão pode fazer a piada que quiser, mas precisa aceitar as críticas que surgirem”, diz Nelito, do Sensacionalista. “Não pode se achar no direito de sair soltando bobagens e depois reclamar da reclamação. O humor está sujeito às regras de convívio social.”
ATRIZ DESBOCADA – Em 1969, mesmo escondendo palavrões: censura
ATRIZ DESBOCADA – Em 1969, mesmo escondendo palavrões: censura
ATRIZ DESBOCADA – Em 1969, mesmo escondendo palavrões: censura ATRIZ 
O que não perde validade, e nunca perderá, são as piadas contra os poderosos — quanto mais estultices disparar um presidente da República, por exemplo, mais afiado será o tsunami contrário, e não cabe aí nenhum tipo de autocensura. Nas palavras de Elias Thomé Saliba, doutor em história pela USP e especializado na trajetória do humor brasileiro, “o riso continua sendo a arma dos impotentes”. Haverá, sempre, alguma dose de transgressão — mas não aquela que pede para ficar oculta, como na sala da antologia do Pasquim (convém ressaltar que todo o resto da exposição é um passeio iluminado pela genial sagacidade que driblou o autoritarismo). Talvez seja o caso de seguir o conselho do escritor israelense Amós Oz (1939-2018) e de sua filha, a historiadora Fania Oz-Salzberger, no livro Os Judeus e as Palavras. Ao tratarem do reconhecido manancial judaico para a autoironia que faz gargalhar, eles escrevem: “Sim, o humor é muitas vezes rude e grosseiro. Se os judeus são relativamente frouxos em relação à blasfêmia, por que haveriam de se preocupar com um pouco de indelicadeza? Mas, dada a escolha entre humor vulgar e fanatismo refinado, nós optamos pelo humor vulgar em qualquer momento”. Se o alvo da caçoada não gostar, é do jogo — e que alguém conte outra. No jardim que permeia a mostra do cinquentenário do Pasquim há uma coleção de bonecos de papelão com figuras ilustres da trajetória do jornal — Millôr Fernandes, Ziraldo, Jaguar, Paulo Francis, Sérgio Cabral, Tarso de Castro etc. — e Sérgio Augusto. No Twitter, ele deu o tom da prosa, ao postar a foto de seu avatar: “Nunca pensei que fosse virar totem, só, no máximo, tabu”. Tabu como deve ser considerado, sim, o humor sem freios, banal e desrespeitoso.

'a cultura floresce mesmo nos momentos mais áridos'

Mariza Leão, produtora de cinema Foto: Marcos Ramos/29-5-2017

'Está em nossas mãos soltar os bichos que povoam nossas mentes e corações sem medo de enfrentar a ignorância e a violência', escreve produtora 

O pensamento conservador e repressor que se manifesta através de alguns recém-nomeados secretários para pastas na Cultura tem provocado espanto e apreensão no meio cultural. De um secretário da  Cultura — que declara ter sido salvo por Jesus e é capaz de ofender a atriz Fernanda Montenegro —  aos recém-nomeados secretário de Fomento e Incentivo à Cultura —  responsável pela Lei Rouanet —  e secretária do Audiovisual — membro de uma autointitulada cúpula conservadora , todos parecem escolhidos a dedo. E a questão que se coloca é: para onde esse dedo aponta?

Parece não haver dúvida de que aponta para um projeto sombrio e perigoso, autoritário e medíocre do que deva ser a arte em suas diversas manifestações. Parece ainda querer negar aquilo que está assegurado na Constituição, em seu artigo V, que é explícito quanto à liberdade de expressão. Parece ainda ignorar que o Brasil é um país laico. E, por fim, parece querer traduzir nossa cultura como uma mera agente de um projeto marxista, o que talvez seja bastante intraduzível para a maioria dos intelectuais do planeta, a ponto de merecer críticas de representantes mundiais presentes na última reunião da Unesco. Tudo se aproxima do ápice da distopia quando o presidente da Fundação Palmares nega haver racismo no Brasil .

São declarações que constrangem o Brasil e nos geram indignação e vergonha, além de imensa preocupação. Mas, uma vez que a verborragia já soltou seus demônios, essa galera precisa pôr em curso seu plano prático de extermínio do que considera “imoral” ou “ideologicamente contrário” aos seus interesses. E aí reside nossa esperança. Porque, enquanto “palavras ao vento” também fazem parte da liberdade de expressão, cada medida que caminhe na direção de sufocar nossa liberdade de expressão terá enfrentamentos jurídico-constitucionais consistentes.

Afinal, como disse a ministra Cármen Lúcia: "censura não se debate, censura se combate" . E mais do que tudo: a produção cultural é mesmo uma boa “balbúrdia”. Ela foge do controle dos que a querem sufocar, uma vez que com um banquinho e um violão pode-se  fazer uma multidão cantar. Da mesma forma que uma peça de teatro pode ser encenada nas ruas, um filme pode ser exibido nas redes sociais, uma obra literária pode ser lida online e a arte visual pode ser exposta na janela de casa. E aqui me lembro que nos anos Collor, quando a Embrafilme foi extinta deixando todo cinema brasileiro à deriva, Sergio Rezende e eu decidimos fazer um filme. Reunimos os amigos, técnicos e atores, e através da penhora de um apartamento de meus sogros conseguimos financiamento para realizar um filme. E realizamos. Nome do filme: "Lamarca, o coração em chamas".

Existe algo incontrolável e belo no curso da história da produção cultural brasileira: ela floresce mesmo nos momentos mais áridos. E isso está em nossas mãos. Soltar os bichos que povoam nossas mentes e corações sem medo de enfrentar a ignorância e a violência que permeiam o discurso fascista em curso.

Como tenho 67 anos e começo a olhar meu relógio com mais comedimento, consciente de que ele tem prazo de validade (desconhecido, porém tem prazo), comecei a fazer uma contagem regressiva do tempo que falta para que o Brasil se livre desse governo de verdades impostas por uma ideologia inqualificável. Um pouco mais de três anos... Terei chegado aos 70 e com certeza verei nossa gente bronzeada mostrar seu valor e desafiar com inteligência, alegria, talento e coragem essa seita que daqui a pouco desaparecerá, ou pelo menos deixará de ocupar postos de relevância nas estruturas governamentais do Brasil. Então mãos à obra, arregacemos as mangas e entrelacemos nossos dedos com afeto. Essa gente deve morrer de medo da nossa capacidade de amar e da nossa liberdade de criar.

* Mariza Leão é produtora de "Guerra de Canudos", "Meu passado me condena" e "O paciente — O caso Tancredo Neves", entre outros

November 28, 2019

Nova safra de autores faz livros liberais pensados para crianças




Marcello Correa

Anya, Lucas e Antônio brincavam no sítio do Tio Frederico quando perceberam que o Galt, o cãozinho, havia sumido. O desaparecimento levou os três amigos a uma aventura pela floresta, em que descobriram que o bichinho havia encontrado uma caverna fora dos domínios do Rei Malvado, um tirano que roubava todos os meses uma parte da colheita das pessoas. Anya e o mistério do sumiço do cãozinho Galt é um livro infantil de uma nova lavra de autores interessados em difundir conceitos considerados por eles “liberais”, como a defesa do Estado mínimo e a meritocracia, para leitores abaixo de 10 anos.
A obra é uma adaptação da ficção A revolta de Atlas , lançada em 1957 pela escritora russa Ayn Rand e considerada um dos clássicos do liberalismo. Na versão para adultos, a autora descreve um futuro distópico em que os Estados Unidos se transformam em um Estado totalitário que oprime a iniciativa privada. Diante desse cenário, empresários e representantes das classes mais abastadas se refugiam fora do país. Na adaptação infantil, o Rei Malvado representa o “Estado opressor”, que abocanha o dinheiro da população por meio de altos impostos. O nome do cãozinho faz referência a John Galt, personagem principal da obra original.
O livro infantil foi lançado no ano passado, com a ajuda de uma vaquinha virtual, e faz parte de um nicho que começa a surgir oriundo da tese propagada por alguns setores da direita que acusam a literatura para crianças de ser norteada por conceitos “marxistas”. Tais ideias “de esquerda”, segundo os autores, são personificadas no mundo infantil com a concepção, por exemplo, de que chefes sempre são vilões. “Determinados valores, semeados na sociedade ao longo do tempo, entraram em colapso. Estes 56 milhões de pessoas que votaram no Bolsonaro não votaram necessariamente nele. Votaram por uma mudança, por uma nova forma de ver o Brasil. É um momento muito especial, nunca tinha visto uma iniciativa como essa no meio liberal, que pudesse levar esses tipos de valores para as crianças”, disse o advogado Giuliano Miotto, autor de Anya.

A obra de Miotto integra uma coleção chamada Turminha da liberdade . A ideia do advogado é firmar parcerias com escolas para distribuir seu trabalho. Em Goiânia, onde vive, um projeto-piloto de adoção dos livros está em marcha em duas instituições: uma escola estadual e uma ONG. Seu plano é ambicioso: visitar 90 cidades para atender ao menos 50 mil alunos ainda em 2019. Os valores a serem defendidos pelos livrinhos, segundo Miotto, são responsabilidade individual, autoestima e produtividade. Produtividade infantil, para o autor, é quando Anya, Lucas e Antônio usam um tronco para conseguir afastar uma pedra que obstruía a entrada da caverna.
Miotto apresentou sua empreitada no 30º Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, em abril. O evento anual, patrocinado pelo Instituto de Estudos Empresariais, ligado à família Ling, teve em 2019 sua edição mais popular: mais de 5 mil participantes. Winston Ling, um dos herdeiros do clã, faz parte da tropa de choque em defesa do presidente Jair Bolsonaro desde o início de sua campanha eleitoral. Ling também foi um dos primeiros interlocutores entre Bolsonaro e seu hoje ministro da Economia, Paulo Guedes.
O Instituto Liberdade, também criado pela família Ling, integra a nova leva de patrocinadores da cultura liberal para crianças — liberal na economia, não nos costumes. Em parceria com a produtora de conteúdo Brasil Paralelo, a entidade lançou dois títulos. O carro-chefe é Os gêmeos Silva e o lápis milagroso . O livrinho conta a visita dos irmãos Marcos e Sofia a uma fábrica de lápis. É uma tradução da obra do autor americano Connor Boyack, inspirada em um clássico liberal, o ensaio Eu, o lápis , escrito por Leonard Read em 1958. O texto mostra as diferentes fases da produção do objeto, no intento de mostrar à criança conceitos como “divisão do trabalho, concorrência, comércio e livre mercado”.


“Os valores defendidos pelos livrinhos são responsabilidade individual, meritocracia e produtividade — como quando Anya, Lucas e Antônio usam um tronco para afastar a pedra que obstruía a entrada da caverna”
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A Brasil Paralelo ganhou notoriedade nos últimos meses, depois de lançar um documentário em que mostrava uma versão revisionista do golpe militar de 1964. Com base em entrevistas com nomes como Olavo de Carvalho, o filme trata o golpe como uma espécie de necessidade imperativa para livrar o Brasil da iminência de uma “revolução comunista”. Em parceria com o Instituto Liberal, a ideia da produtora é publicar, nos próximos meses, dez títulos com a mesma temática de o Lápis milagroso — dois a cada três meses —, chegando a uma tiragem de 500 mil cópias.
Matheus Bonetto Pazini, que assina a tradução, explicou que o objetivo da empreitada é criar um contraponto ao que ele considera “literatura de esquerda”. “Ela é muito forte, focada na questão da teoria de massa e na ideia de que o chefe é sempre ruim. Leva a uma interpretação marxista. Não há problema nenhum nisso, desde que haja um contraponto”, disse.
A pedagoga Anna Rennhack alertou que a disputa por ideologias na literatura infantil tem se traduzido, em alguns casos, em censura. Ela recordou que secretarias de educação municipais e escolas, recorrendo a crenças religiosas, passaram a banir de seus currículos livros que tratem de temas lúdicos, como bruxas e duendes. “As crianças se tornarão adultos sem magia, sem imaginação e sem saber como lidar com o medo e dificuldades”, disse.


Reprodução de livro paradidático infantil. Foto: Reprodução
Reprodução de livro paradidático infantil. Foto: Reprodução
Em outros casos, os pedidos de inclusão ou retirada de livros paradidáticos têm vindo dos próprios pais, influenciados pelo debate ideológico. No tradicional Colégio Santo Agostinho, no Rio de Janeiro, um grupo de pais requereu à direção da escola que tirasse do currículo o livro Meninos sem pátria , do autor Luiz Puntel, por considerar “comunista” a abordagem da obra sobre a ditadura militar.
A editora gaúcha Elaine da Silveira contou que recebeu recentemente um pedido de um pai para produzir uma obra com temática liberal. “É um pai que sentiu necessidade de conversar com os filhos sobre finanças. Ele me procurou com essa ideia. Ele é ultraliberal e não encontrou no mercado nenhum livro que pudesse dar conta disso. A ideia é aproveitar os momentos de leitura antes de dormir, aquela leitura noturna com o filho, para tratar desse tema”, contou.
Já a economista Mariana Peringer, de 40 anos, resolveu tocar o próprio projeto: uma série de quadrinhos chamada Austrinho , voltada para a disseminação de conceitos da Escola Austríaca de Economia, que tem em Ludwig von Mises (1881-1973) seu principal expoente. Peringer frequenta o Fórum da Liberdade desde os 12 anos de idade. “A mentalidade está mudando. Foi difícil para nos formarmos, e hoje precisamos de instrumentos para passar adiante esses conceitos”, disse.


Reprodução de livro paradidático infantil. Foto: Reprodução
Reprodução de livro paradidático infantil. Foto: Reprodução
Procurado, o Ministério da Educação disse que, em 2019, ainda não há edital aberto para a compra de novas obras paradidáticas. Dirigentes de escolas particulares, no entanto, veem na adoção de livros que tratem de temas “liberais” uma realidade factível. Na avaliação de Ademar Batista Pereira, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), que representa 40 mil instituições em todo o país, há uma demanda reprimida, mas é preciso ter cautela, para evitar um confronto ideológico direto. “Muitas escolas particulares trabalham essa questão de economia, de saber administrar seu dinheiro, capacidade de planejamento. Do ponto de vista do livro paradidático, o que temos hoje são livros com viés socialista, mais de coitadinho, que é mais de nossa cultura”, disse. “Tem de preparar o cara para viver no mundo. Mas que mundo? Um mundo liberal, onde você tem suas responsabilidades e, se toma uma decisão errada, vai pagar o preço. Não é culpa do governo nem culpa do chefe.”
O cientista político Renato Galeno, da instituição de ensino superior Ibmec, faz apenas uma ressalva sobre a nova lavra de autores. Segundo ele, não se pode confundir liberalismo com conservadorismo. “É impossível ser liberal e conservador ao mesmo tempo. São conceitos antagônicos.”