Sai muito barato ser racista no esporte brasileiro. E custa muito caro ser vítima de racismo.
No programa “Esporte Espetacular” exibido no último domingo pela TV Globo, os repórteres Guilherme Pereira, Marcos Guerra e Paulo Roberto Conde revelaram a existência de uma auditoria interna do clube Pinheiros, de São Paulo, que documentava diversos casos de injúria racial e assédio moral por parte de técnicos e atletas da ginástica artística contra outros atletas — os alvos eram majoritariamente bolsistas.
Os relatos destacados pela reportagem do “EE” são brutais. Como classificar um professor que se dirige a uma criança de 11 anos nos seguintes termos: “Ou você faz, ou pode ir embora. Tiramos sua bolsa-auxílio e você passará fome”? Como sobrevive um adolescente que precisa se trancar no banheiro para chorar após ter sido insultado por quem deveria lhe ensinar?
A auditoria ouviu dezenas de pessoas, entre técnicos, dirigentes e atletas. Embora o resultado seja devastador para o clube e seus profissionais, apenas uma pessoa foi punida: o ginasta Angelo Assumpção, negro, que em outubro do ano passado ousou procurar a diretoria do Pinheiros para relatar casos de racismo. Recebeu como resposta uma suspensão de 30 dias. Ao fim da punição, foi demitido do clube que defendia desde os 8 anos de idade.
Aos 24 anos, Angelo é hexacampeão brasileiro e tem uma medalha de ouro na Copa do Mundo, entre vários outros títulos. Desde que foi demitido do Pinheiros, não foi procurado por outros clubes. Depois que contou sua história para o “Esporte Espetacular”, quando deixou claro que queria prosseguir com a carreira de atleta, não recebeu a solidariedade que esperava. Para usar a linguagem das redes, o cancelado foi ele.
— Senti um abandono por parte da sociedade, que se vende como antirracista, mas não se porta assim — disse Angelo ontem, numa entrevista por telefone. — A gente sente que a situação aqui é muito diferente do que está acontecendo nos Estados Unidos. Aqui parece que é só uma hashtag.
Angelo também perdeu suas fontes de renda depois de ter sido dispensado pelo Pinheiros.
— Minha situação é muito mais complicada do que as pessoas pensam.
Mesmo sem bolsa e sem patrocínio, não faria nada diferente se tivesse a oportunidade de voltar atrás.
— Eu me arrependeria se não tivesse tomado uma atitude.
Enquanto Angelo Assumpção sofre com o boicote velado e corre o risco de ter a carreira interrompida por ter quebrado o silêncio, as instituições que ainda permitem (ou estimulam) práticas racistas não são incomodadas. Um caso especialmente bizarro ocorreu num jogo sem torcida entre o Pelotas e o Grêmio Esportivo Brasil, pelo Campeonato Gaúcho, no início deste mês. O sistema de som do estádio Bento Freitas emitiu músicas cantadas por uma torcida organizada do Pelotas, entre elas uma que se refere aos rivais do Brasil como macacos. O clube argumentou que contratou uma empresa terceirizada e não conferiu o conteúdo que seria ouvido durante o jogo. O Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Sul multou o Pelotas em R$ 5 mil. Sai muito barato ser racista no esporte brasileiro.
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