Proposta também impede que manifestações artísticas 'atentem contra símbolos religiosos'
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O relatório do presidente da Casa, o deputado distrital Rafael Prudente (MDB-DF), especifica como teor pornográfico as expressões artísticas que “exponham o ato sexual e a performance com atrizes ou atores desnudos”. Quanto aos símbolos religiosos, o texto diz se referir a objetos cultuados por diversas matrizes.
Além disso, o projeto ainda obriga os estabelecimentos (públicos ou privados) que promovam exposições de qualquer tipo a alertar o público, já na entrada, quanto ao conteúdo e a classificação indicativa da mostra.
Se for sancionado o texto, o Distrito Federal pode se tornar uma das primeiras unidades da federação a aprovar uma matéria deste tipo. No ano passado, várias manifestações artísticas foram proibidas ou causaram debates acalorados por sua temática. No Rio de Janeiro, por exemplo, o encerramento da exposição “Literatura exposta”, que criticava com performances de nudez a ditadura militar, foi antecipado. Em 2017, “La bête”, na qual o coreógrafo Wagner Schwartz se apresentava nu no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, causou uma enorme polêmica.
Apesar da garantia constitucional de liberdade de expressão, para justificar o texto Rafael Prudente ressalta que o artigo 233 do Código Penal descreve que é “crime praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”.
Prudente também argumenta no relatório que “é fundamental diferenciarmos o que é uma expressão artística daquela em que o sexo explícito e as diversas formas de parafilia (pedofilia, sadomasoquismo, zoofilia etc) são expostos, os quais se constituem em atos que ferem, que atentam contra valores arraigados da sociedade brasileira”.
Secretário de Cultura do DF, Bartolomeu Rodrigues disse que foi surpreendido pela votação do texto. Ele rechaçou a proposta, que classificou como “retrocesso”, e lembrou que “o nu é consagrado desde a era clássica”.
— [O projeto] é uma grande ameaça e por isso precisa ter uma reação não só da classe artística, mas de toda a sociedade. Não podemos nos deixar levar por falsos moralismos, um discurso que está contaminando toda a discussão, e tem se usado muito a religião de uma forma leviana — ponderou.
Ele disse que ainda não conversou com o governador Ibaneis Rocha (MDB-DF) sobre o tema, mas afirmou esperar que ele tenha “bom senso” para vetar a medida, caso chegue ao Buriti. Rodrigues ainda disse estar preocupado com a possibilidade de o texto distrital inspirar propostas semelhantes pelo país.
— Daqui a pouco vamos ouvir falar em arte degenerada, um termo usado no estado nazifascista que serviu inclusive para censurar obras do Picasso e do Matisse. A sociedade precisa reagir a esse tipo de iniciativa, é o fim da picada.
‘Muito barulho por nada’
O projeto também provocou espanto no meio artístico. Luiz Camillo Osorio, professor da PUC-Rio e curador do Instituto PIPA, acha que ele foi feito para “criar embaraço, insegurança, ruído”, já que a “pornografia nunca fez parte de nenhuma agenda cultural dos museus do Brasil”.
— Quando há nudez aparecem avisos, inclusive, porque há responsabilidade com o público. Nós estamos mais do que preparados para lidar com isso. Em um país com tantas agressões a crianças parece até surreal apontar para os museus, que são instituições responsáveis, cuidadosas. É muito barulho por nada — diz Camillo, que também foi curador do 35º Panorama da Arte Brasileira, onde ocorreu a performance “La Bête”.
Já o artista plástico Victor Arruda, conhecido por pintar cenas de sexo e nudez como uma forma ácida de crítica social, se pergunta “quem será a pessoa capaz de julgar uma questão artística além do ‘gosto ou não gosto’?”
— O Brasil se encaminha para uma coisa inquisitória, moralista. É um motivo de grande tristeza e desesperança para mim, mas eu não tenho medo de nada. Isso nunca me afetou. Venho fazendo coisas muito difíceis desde a década de 1970.
(Colaborou Giuliana De Toledo)
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