August 28, 2019

Bolsonaro e Villas Bôas precisam falar da cannabis

Filha do general Eduardo Villas Bôas, Adriana tem espondilite anquilosante, doença rara cujos sintomas poderiam ser atenuados com o uso do canabidiol. Ela não toma o remédio devido ao custo e à burocracia Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

Guilherme Amado

Há dias em que Adriana Villas Bôas não consegue sair da cama, tamanha a dor nos ossos e nas articulações. Às vezes, fica sem enxergar. A filha do ex-comandante do Exército e hoje assessor de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, Eduardo Villas Bôas, tem há 14 anos a doença rara espondilite anquilosante. O general Villas Bôas carrega outra patologia rara: a esclerose lateral amiotrófica. Desde 2016, ele vem perdendo os movimentos e tem dificuldade para falar. Ainda assim, Villas Bôas não se calou recentemente, na defesa da regulamentação do uso medicinal da Cannabis , criticada por Bolsonaro e pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra. Os dois veem no trabalho da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a porta de entrada para a liberação da maconha. Em uma conversa há duas semanas, Villas Bôas foi sucinto ao explicar por que abriu sua cabeça para entender a importância do tema: “Foi por causa de minha filha”.

Aos 34 anos, Adriana Villas Bôas é uma engajada ativista dos portadores de doenças raras. Formada em Direito e estudante de psicologia, ela nunca usou o canabidiol (CBD), um dos principais componentes da Cannabis , por não ter dinheiro — o custo mensal de alguns medicamentos importados gira em torno de R$ 3 mil — e pela burocracia. Atualmente, é necessário requerer a autorização de importação à Anvisa e comprar no exterior. São até seis meses para o medicamento chegar. “Não teria nenhum problema em experimentar. Eu não diria não. Meu pai também pensa como eu. Com o tanto de remédio que eu tomo, já era para meus rins terem parado. Por dentro, meu corpo deve ter 90 anos. Ser contra isso é a maior hipocrisia que existe”, defendeu Adriana, entre um gole e outro de café coado.
“‘Quando você pega uma mãe que dá canabidiol para seu filho e a trata como uma maconheira, isso é ofensivo, isso é grave’, cobrou, chorando, a filha do general Villas Bôas. Mas o governo de que seu pai faz parte pensa diferente”
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Em entrevista recente, Osmar Terra afirmou que estudava a maneira pela qual inviabilizaria a regulamentação, preferencialmente tentando convencer a própria Anvisa a abandonar a ideia. Um pouco antes, numa declaração da qual depois recuou, falou em fechar a agência — criada por lei.
Em abril, a Organização Mundial da Saúde recomendou à Organização das Nações Unidas que a classificação da Cannabis seja abrandada em tratados internacionais sobre drogas. No Brasil, é o próprio paciente, munido de uma prescrição médica, que solicita a importação à Anvisa. A análise é feita caso a caso. O número de pedidos tem explodido. A média atual é de cerca de 16 por dia. Desde 2015, quando a importação foi permitida, já foram feitos mais de 10 mil pedidos. Naquele ano, houve 900 solicitações de CDB. Em 2019, até junho, o contingente já passava de 2.500. É um recorde.


Na prática, qualquer laboratório pode solicitar o registro de um medicamento à base de canabidiol, como qualquer outra droga controlada. Contudo, a burocracia é grande e leva anos. Só há um remédio à base de canabidiol autorizado a ser vendido no Brasil, o Mevatyl, produzido no exterior. Conhecido em outros países como Sativex, o remédio é indicado para tratar a esclerose múltipla. O registro foi dado em 2017. Além do canabidiol, o Mevatyl leva em sua composição o temido tetraidrocanabidiol. É o THC, composto que tem propriedades psicoativas.

Em junho, a Anvisa abriu duas consultas públicas sobre o cultivo da Cannabis e o registro de medicamentos com base na planta. Trata-se de um passo importante para que a diretoria colegiada da agência regulamente o assunto. As consultas, que já receberam 900 contribuições da sociedade civil, vão até 19 de agosto.

Na reunião em que se decidiu abrir as consultas, os diretores da Anvisa assistiram a uma apresentação sobre o tema. O quinto slide mostrado trazia um alerta, com a conclusão do estudo regulatório: “A manutenção da situação atual poderá levar ao agravamento das consequências apresentadas, tais como: a judicialização, o aumento da demanda para autorização excepcional de importação de produtos e a dificuldade de acesso a produtos registrados”.
O canabidiol, que está no centro da briga entre a Anvisa e o governo. Foto: Fabio Seixo / Agência O Globo
O canabidiol, que está no centro da briga entre a Anvisa e o governo. Foto: Fabio Seixo / Agência O Globo
Conforme mostrou o jornalista Denis Russo Burgierman, que estreou no site de ÉPOCA uma coluna sobre a indústria da Cannabis , as propostas da Anvisa são duras. A de cultivo prevê que o local de plantação não pode ter qualquer identificação externa e deve ser acessado por meio de portas duplas de segurança e biometria. “A Anvisa quer fazer uma caixa-forte, um cofre, para plantar Cannabis em um país tropical. Mas tudo bem, é melhor do que nada”, afirmou José Bacellar, CEO da empresa farmacêutica canadense Verdemed, que prevê investir US$ 80 milhões até 2022 no mercado brasileiro. Um argumento usado por quem considerou que a Anvisa pesou a mão nas restrições lembra a experiência da paraibana Abrace Esperança, única associação que conseguiu na Justiça o direito de plantar Cannabis para fins medicinais e distribuição coletiva entre pacientes e que não tem relatos de problemas com segurança, como assaltos. Há quem diga que as imposições são barreiras à entrada no mercado.

Osmar Terra defende como alternativa para o cultivo a liberação do canabidiol sintético, ou seja, a produção do composto apenas em laboratórios, sem a planta da Cannabis . Dessa maneira, não haveria a possibilidade de uso da maconha, a droga. O problema é que a produção sintética ainda é novidade nos estudos e testes científicos. Pesquisas constataram uma sinergia, batizada de “efeito entourage”, entre o óleo de Cannabis natural e receptores e enzimas no corpo humano. Ainda não se sabe qual é a conjugação de princípios do canabidiol que causa o efeito positivo.

As multinacionais que estão no Brasil poderiam passar a produzir o canabidiol sintético, se não tiverem escolha. Mas seus olhos brilham mesmo pela regulamentação proposta pela Anvisa: produção a partir da planta, que abre um leque de inúmeros medicamentos. E muito dinheiro.
A consultoria americana New Frontier, em parceria com a brasileira The Green Hub, estima que o mercado medicinal da Cannabis movimentaria R$ 4,4 bilhões no Brasil três anos depois de ser aberto. E não é só. O Brasil seria líder na América Latina. Teria receitas de US$ 2,4 bilhões, superando o México, com US$ 2 bilhões, e o Chile, com US$ 1,5 bilhão.

Alheios aos números ou ao preconceito, os pacientes têm pressa. “Se seu filho pequeno tem dezenas de ataques epiléticos ao dia e você dá gotinhas de CBD e as crises passam, o que você faz? Quem tem de ser escutado é o paciente, é quem está com dor”, cobrou Adriana Villas Bôas. Ela fez uma sugestão a Jair Bolsonaro: “Se Bolsonaro se sentasse com meu pai, ele abriria a cabeça e conversaria”.

Com Eduardo Barretto e Naomi Matsui

August 27, 2019

Em meio a crise, Bolsonaro prioriza críticas a reservas indígenas em reunião com governadores da Amazônia

Queimadas ficaram em segundo plano no encontro do presidente com estados que pediram auxílio do governo


Gustavo Uribe e Ricardo Della Coletta 

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) deixou em segundo plano a série de queimadas pelo país e priorizou críticas a terras indígenas em reunião nesta terça-feira (27) com os governadores da Amazônia Legal.
No encontro, promovido no Palácio do Planalto, Bolsonaro fez questão de questionar cada autoridade estadual sobre o percentual de áreas indígenas em seus estados e chamou de “irresponsabilidade” a política de demarcação adotada por governos anteriores.
“A Amazônia foi usada politicamente desde o [presidente Fernando] Collor para cá”, disse. “Aos que me antecederam, foi uma irresponsabilidade essa política adotada no passado, usando o índio ao inviabilizar esses estados”, ressaltou.

    Bolsonaro rindo
    O presidente Jair Bolsonaro durante a reunião para discutir ações na Amazônia - Marcos Corrêa/PR
    A expectativa inicial era de que o encontro discutisse políticas para evitar novos incêndios criminosos. Na chegada ao encontro, os governadores do Amazonas, Pará e Roraima defenderam, por exemplo, que o governo brasileiro aceitasse o montante de US$ 20 milhões (cerca de R$ 83 milhões) oferecido pelos países do G7.
    O auxílio ofertado pelas economias mais industrializadas do mundo foi anunciado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, que tem trocado críticas com Bolsonaro sobre a onda de incêndios na Amazônia.
    O Palácio do Planalto chegou a informar jornalistas que a verba seria recusada, mas na manhã desta terça-feira (27) Bolsonaro disse que pode aceitar o montante caso Macron peça desculpas por ter chamado o brasileiro de “mentiroso” e recue da sua defesa de um status internacional para a Amazônia.
    O tema, no entanto, foi pouco abordado na reunião entre o mandatário e os governadores. Em seu discurso, o presidente afirmou que muitas terras indígenas têm “aspecto estratégico”, que há índios que não falam português e ressaltou que uma das intenções das demarcações é inviabilizar o país no campo econômico.
    A reunião foi transmitida ao vivo pela televisão do governo e pelas redes sociais de Bolsonaro. Em boa parte do encontro, o presidente discursou com foco em seu eleitorado, olhando diretamente para a câmera, e não para os governadores presentes.
    “Com todo o respeito aos que me antecederam, foi uma irresponsabilidade essa política adotada no passado no tocante a isso, usando o índio como massa de manobra”, afirmou. “Essa questão ambiental tem de ser conduzida com racionalidade, não com esta quase selvageria como foi feita nos outros governos”, afirmou.
    Em discurso, o presidente anunciou que até a quinta-feira da próxima semana fechará um pacote de medidas, com sugestões dos governadores presentes, para a região amazônica. Ele não explicou detalhes sobre as propostas.
    Bolsonaro aproveitou ainda a reunião para retomar as críticas ao presidente da França.
    “O que o Macron acabou de dizer, de que a internacionalização da Amazônia está aberta, não deixa de ser uma realidade na cabeça dele. Temos que nos unir para preservar o que é nosso e garantir a nossa soberania”, disse.
    Participaram da reunião convocada por Bolsonaro os governadores do Maranhão (Flávio Dino), Pará (Helder Barbalho), Mato Grosso (Mauro Mendes), Amazonas (Wilson Lima), Rondônia (Marcos Rocha), Tocantins (Mauro Carlesse), Amapá (Waldez Góes) e Roraima (Antonio Denarium), além do vice-governador do Acre, Wherles Rocha.
    Eles reagiram de forma diferente às declarações de Bolsonaro. Enquanto alguns endossaram as críticas do mandatário e disseram que terras indígenas e quilombolas engessam o desenvolvimento dos seus estados, coube a Barbalho e a Dino adotarem um tom mais moderado.
    Barbalho inclusive fez um contraponto ao presidente nas críticas a Macron. Ele disse que, diante de uma crise ambiental da magnitude atual, o país tem perdido “muito tempo” com a troca de acusações com francês.
    “Acho que estamos perdendo muito tempo com o Macron, temos que cuidar dos nossos problemas e sinalizar para o mundo a diplomacia ambiental que é fundamental para o agronegócio”, disse.
    O governador paraense defendeu ainda que o país aceite as ofertas internacionais de ajuda e utilize os recursos disponíveis no Fundo Amazônia. "Todos nós sabemos das dificuldades. Se existe recurso disponível no Fundo Amazônia, nós devemos utilizar esses recursos", declarou o governador.
    O tema da oferta de ajuda internacional repercutiu do outro lado da Praça dos Três Poderes. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), opinou que o país não deve rejeitar o auxílio estendido pelos líderes do G7.
    "O Brasil não deve abrir mão de nenhum real", disse. Maia afirmou que o governo tem soberania para decidir como alocar os recursos e que, por isso, não deveria recusá-los.
    Na reunião de Bolsonaro com governadores, Flávio Dino pontuou que o país não pode se isolar na arena internacional. "O diálogo com outros países é imprescindível. Se o Brasil se isola, ele se expõe a sanções comerciais gravíssimas contra os nossos produtores", afirmou.
    O governador de Roraima, Antonio Denarium, usou sua fala na reunião para apoiar a fala de Bolsonaro.
    "O Estado de Roraima tem sido penalizado nos últimos 30 anos pelas políticas ambientais e indigenistas", pontuou. "Hoje o Ibama chega e multa todo mundo sem nenhum direito de defesa." Declarações no mesmo sentido foram feitas pelos representantes de Tocantins e Rondônia.
    O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, destacou que o agronegócio brasileiro pode ser prejudicado caso haja uma piora na imagem do Brasil no exterior. "A questão ambiental é o abre alas para o agro brasileiro. Se ela for prejudicada, o nosso agro terá problemas", disse.
    Apesar da fala, ele crit
    icou o presidente francês e disse que Macron atua para tentar criar "possíveis barreiras verdes" para produtos brasileiros no exterior. "O que me preocupa mais é essa guerra de comunicação que está sendo patrocinada pelos nossos concorrentes internacionais".

August 26, 2019

Bando de cafonas



Fernanda Young Foto: OGlobo


O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura

Fernanda Young

A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que escutamos — a pessoa quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona na vulgaridade das palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção, na mentira como tática, no atraso das ideias.

O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha que pode tudo e esfrega sua tosquice na cara dos outros. Não há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas.

O cafona manda cimentar o quintal e ladrilhar o jardim. Quer todo mundo igual, cantando o hino. Gosta de frases de efeito e piadas de bicha. Chuta o cachorro, chicoteia o cavalo e mata passarinho. Despreza a ciência, porque ninguém pode ser mais sabido que ele. É rude na língua e flatulento por todos os seus orifícios. Recorre à religião para ser hipócrita e à brutalidade para ser respeitado.
A cafonice detesta a arte, pois não quer ter que entender nada. Odeia o diferente, pois não tem um pingo de originalidade em suas veias. Segura de si, acha que a psicologia não tem necessidade e que desculpa não se pede. Fala o que pensa, principalmente quando não pensa. Fura filas, canta pneus e passa sermões. A cafonice não tem vergonha na cara.

O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer vencer, para ver o outro perder. Quer ser convidado, para cuspir no prato. Quer bajular o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos.

Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país.

August 25, 2019

Entenda por que a Amazônia mobiliza o mundo

Vista aérea da APA do Jamanxim, em Novo Progresso, no Sul do Pará: fogo atingiu unidades de conservação Foto: Victor Moriyama / Greenpeace

Ana Lucia Azevedo

A Amazônia não é o pulmão do mundo e, até o momento, não sofre a maior queimada de sua história. Mas ainda assim, o fogo que arde na floresta incinerou a reputação internacional do país. Entenda por que a Amazônia mobiliza como poucos assuntos a atenção do planeta e de que forma o que acontece lá tem impacto no restante do Brasil.

Por que a Amazônia mobiliza o planeta?

A Amazônia mexe com corações e mentes porque materializa o imaginário da natureza selvagem e influencia o clima de regiões a milhares de quilômetros de distância. A comoção, no entanto, brota de raízes plantadas em fatos, na razão. As imagens de floresta, uma das últimas regiões selvagens da Terra, e seus animais queimados comovem, a de povos ameaçados, choca.
A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo. Abriga a maior biodiversidade do planeta . Estimativas da Plataforma Brasileira de Biodiversidade sugerem que 20% das espécies da Terra estão lá. São cerca de 40 mil espécies de plantas, 300 espécies de mamíferos, 1,3 mil espécies de aves, habitando em 4,196.943 km² de florestas densas e abertas, segundo o ICMBio . O Brasil tem 60% dela e ela corresponde à metade do país (49,29% do território). A maior floresta tropical tem o maior e mais volumoso rio, o Amazonas. Lá está também uma das maiores diversidades culturais do mundo, com centenas de etnias e povos não contactados .

Qual a importância da Amazônia para o clima global?

Ela é uma das grandes reguladoras do clima do mundo. Exporta todos os dias colossal volume de umidade para a atmosfera. O clima da América do Sul e do Brasil em especial é regulado pela Amazônia . As chuvas que alimentam o agronegócio no Brasil Central e trazem água para o Sudeste dependem da umidade transportada da Amazônia por jatos de ventos atmosféricos, que se convencionou chamar de rios voadores. 

O que acontece quando a floresta é desmatada?

De reguladora ela passa a fonte de emissão de gases do efeito estufa. Estes em excesso mudam o clima e causam eventos extremos, como secas severas e tempestades intensas. A Amazônia é o ecossistema continental com maior quantidade de carbono armazenado. São 200 gigatoneladas de carbono. Se lançadas na atmosfera, aquecerão mais o planeta, que já esquenta.
A redução ou perda de cobertura de árvores com o desmatamento não somente altera o fluxo de vapor de água que um dos reguladores do clima regional, como libera o carbono armazenado na vegetação para a atmosfera, principalmente como CO2, principal gás do efeito estufa. Além disso, a mudança da cobertura florestal para outros usos altera a temperatura superficial localmente. Estudos no Xingu já mostraram isso.

E quando a floresta queima?

Além de liberar gases-estufa, tornar a poluição do ar insuportável no Norte do país e afetar a saúde da população local, o material particulado sobe com a fumaça para atmosfera e é levado pelo vento outros pontos da América do Sul, como o Sudeste do país. De vez em quando, o fenômeno se torna visível, como aconteceu esta semana em São Paulo, quando a nuvem negra das queimadas transformou o dia em noite. Essa poluição já foi associada a problemas de saúde no Sudeste por pesquisas da USP afetando sobretudo grupos mais vulneráveis da população como crianças e idosos.


A Amazônia é o pulmão do mundo?

Não. Esse é um conceito ultrapassado, frisa o físico da USP Paulo Artaxo, especialista na floresta. Não existe um pulmão do planeta, mas uma interação entre ecossistemas. A floresta consome quase todo o oxigênio que produz. A maior parte do oxigênio é produzida pelo fitoplâncton oceânico.

Essas são as maiores queimadas já registradas na Amazônia?

Não, os números deste ano até agora não são um recorde histórico mas são os maiores registrados desde 2010. A série histórica do Inpe começa em 1998, ano de uma das maiores queimadas já registradas na Amazônia, que consumiram 3,3 milhões de hectares em Roraima. Essa queimada colocou enorme pressão sobre o presidente Fernando Henrique Cardoso e deu início a um programa de combate e monitoramento mais organizado.
Os dados do Inpe mostram que o auge das queimadas aconteceu no início dos anos 2000. Os anos de 2004, 2005 e 2007 foram recordes em focos de fogo. Os maiores registros de desmatamento e queimadas no início dos anos 2000 mobilizaram governo federal, estados e sociedade civil. Nesse período também foram conduzidos extensos programas de pesquisa na região que permitiram avançar no entendimento das consequências severas sobre a perda crescente de florestas.

E este ano?

O Programa Queimadas do Inpe diz que os registros de focos de incêndio de janeiro a agosto de 2019 já são os maiores em sete anos. Isso representa um aumento de 82% comparado ao mesmo período do ano passado. Chama a atenção de cientistas o fato de que 52,5% dos incêndios estão na Amazônia e não no Cerrado (30,1%), onde os incêndios, por características do bioma, costumam ser mais frequentes (embora também com impactos ambientais significativos).

Se não são recorde histórico, por que essas queimadas causam preocupação?

Há um motivo ambiental e um político. O primeiro se baseia no fato de que há ainda vasta área desmatada entre maio e julho que pode queimar até outubro, quando termina a estação mais seca, que favorece o espalhamento das queimadas. O desmatamento em julho foi o pior mês da série histórica do Deter-B, com 2.254 quilômetros quadrados apontados em  alertas, uma alta de 278% em relação a julho de 2018 , por exemplo.
Esse motivo faz com que especialistas na Amazônia, como Carlos Nobre e Paulo Artaxo, considerem que 2019 terá número muito elevado de queimadas. Além disso, áreas de floresta que não foram desmatadas mas sofrem com o espalhamento das queimadas tornam-se mais vulneráveis a outros fatores (fragmentação, secas extremas, tempestades de vento), como demonstrado em estudos recentes em florestas no Arco do Desmatamento, diz a especialista Mercedes Bustamante, da UnB.

E o político?

Os primeiros meses de 2019 foram marcados por uma política do governo favorável à redução de mecanismos de controle de desmatamento e da preservação do meio ambiente. Houve críticas do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao rigor da fiscalização e agentes públicos no exercício de sua função contra desmatadores ilegais foram repreendidos pelas autoridades. O sistema de monitoramento do Inpe, cuja eficácia é validada e reconhecida internacionalmente, teve a credibilidade posta em dúvida sem provas e foram apoiadas a redução de unidades de conservação , a paralisação na demarcação de terras indígenas ao mesmo tempo em se avalia a abertura das já demarcadas para exploração mineral e agrícola, a defesa dos interesses de garimpos em áreas onde ele é proibido .
No Congresso Nacional, houve a proposição de projeto de lei para a extinção da Reserva Legal (instrumento do Código Florestal que resguarda a conservação de uma fração da vegetação nativa em propriedades rurais) e há um intenso debate sobre mudanças substanciais no processo de licenciamento ambiental. Especialistas dizem que essa política funcionou como incentivo ao desmatamento e combustível de queimadas, com a sinalização de que haveria impunidade.
"Quando o nível de proteção legal e capacidade institucional e técnica nas agências governamentais locais, inclusive na fiscalização ambiental, são muito baixos, como agora, aumentam desmatamento e queimadas propositais para alimentar o mercado de terras, que são griladas", diz a pesquisadora Ima Vieira, do Museu Emílio Goeldi, em Belém, autora de análises sobre queimadas. Em suma, resume Carlos Nobre, o discurso oficial de não punir quem desmata estimula a derrubada e a queima da Amazônia.

Como se sabe que a fiscalização e a repressão do desmatamento ilegal foram reduzidas este ano?

Não há números públicos. Mas um exemplo é a área de Jamanxim, no Pará, onde estão uma Floresta Nacional (Flona) e um Parque Nacional, ambos entre as 10 unidades de conservação mais desmatadas e que estão também no território de munícipios entre os 10 com mais focos de queimadas, no caso Novo Progresso e Itaituba. De 25 de abril a 1º de julho, por exemplo, o Deter enviou ao Ibama de 15 a 16 alertas por dia de que as florestas de Jamanxim, no Pará, estavam sendo derrubadas. Ficou sem resposta. O diretor demitido do Inpe, Ricardo Galvão, disse que a instituição foi ignorada pelo Ibama este ano .

O Brasil já desmatou mais do que hoje?

Sim, muito mais, era um vilão do meio ambiente mundial. Mas passou de vilão do meio ambiente a mocinho exemplar ao conquistar uma redução de 82% no período de 2005 a 2012. O desmatamento caiu de 27,8 mil km² em 2004 para 4.600 km² em 2012, o menor índice da História. A redução de 82% no desmatamento da Amazônia no período de 2005 a 2012 mudou a percepção nacional e internacional sobre a seriedade do compromisso do Brasil com a agenda de conservação ambiental.
Mas desde então a destruição da floresta voltou a crescer. Os dados do Inpe de agosto de 2017 a julho de 2018 mostram a perda de 7.900 km² de floresta, um aumento de 15% sobre os 12 meses anteriores. E agora os registros de aumento das queimadas de janeiro a agosto de 2019 indicam que a tendência de crescimento da destruição da floresta prossegue.

Como o desmatamento foi combatido no passado?

Com um conjunto de políticas baseado em inteligência no combate e punição aos culpados. São desse período investigações de quadrilhas de desmatadores, medidas de combate que usavam a destruição do material e dos veículos confiscados deles ainda em campo, a aplicação de multas rigorosas, a criação de unidades de conservação e terras indígenas, o estímulo a iniciativas de uso sustentável de recursos naturais.



Só melhorar o sistema de satélites vai resolver o problema?

Não. Os satélites com resolução de 3 metros, como os da empresa privada Planet, por exemplo, podem mostrar até uma árvore queimada, mas não revelarão quem ateou o fogo nem punirão os responsáveis . O monitoramento mostra o efeito, não a causa. É um instrumento, mas não a solução. E é um instrumento dentro do conjunto de inteligência, para indicar que áreas são prioritárias, por exemplo. Um sistema de alerta com bases em monitoramento remoto, mesmo com imagens de maior resolução, só terá eficácia se na sequência do alerta são geradas ações em campo.

Qual a relação entre queimadas e desmatamento?

É profunda. Nem toda queimada é causada por desmatamento (há áreas em que o fogo ainda é usado como ferramenta de baixa tecnologia para limpar pastos e terras agricultáveis e acaba por sair de controle se condições do terreno e do tempo não corretamente avaliadas) e nem todo desmatamento é queimada. Mas na Amazônia praticamente não existe queimada natural devido à grande umidade da floresta, explica Paulo Artaxo, da USP. Quase toda a queimada é resultado da ação humana e majoritariamente ilegal, diz Artaxo.
As queimadas são usadas tanto para induzir a degradação da floresta justificando sua derrubada posteriormente como para limpar as áreas onde a floresta já foi derrubada. O fogo transforma as árvores mortas caídas em cinzas e abre caminho para o gado e o homem. É um instrumento de invasão de terras públicas não destinadas e de unidades de conservação, caso do que o ocorre agora na Floresta Nacional e no Parque Nacional do Jamanxim (PA), na Estação Ecológica da Terra do Meio (PA) e na Floresta Nacional de Altamira (PA), todas entre as dez com o maior número de alertas de desmatamento este ano pelo Deter.
Os dados de satélite indicam também queimada com uma alta liberação de energia, o que é mais condizente com queima de florestas do que com a queima de pastos, explica Mercedes Bustamante.

Como essa relação pode ser provada?

Há uma relação clara este ano. Os dez municípios que tiveram mais focos de incêndios florestais em 2019 também são os que tiveram as maiores taxas de desmatamento, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma ONG científica. A comparação entre os focos de fogo e os alertas do Deter mostra resultados semelhantes.

Por que as queimadas acontecem nessa época do ano, no período de julho a outubro?

Todos anos observa-se a utilização de queimadas na estação seca, quando pastagens e campos agricultáveis são mais fáceis de queimar e as florestas estão mais vulneráveis pelo menor volume de chuva.

Este ano o clima seco teve influência maior?

Não, ao contrário. O número de incêndios por período supera os de 2016, o pior ano de incêndios florestais desde 2013, e quando ocorreu uma seca excepcionalmente severa. Este ano está mais úmido e, se fosse apenas pelo componente meteorológico, deveria ter menos queimadas.

De que forma o fogo afeta a Amazônia?

Em linhas gerais, há as queimadas por desmatamento, intencionais, associadas à degradação e derrubada para invasão de terras públicas, unidades de conservação, reservas legais, por exemplo. A análise dos locais onde há focos de incêndio de janeiro a agosto indica que essa é a causa da maior parte do fogo que torra a Amazônia este ano. Existem também aquelas originárias de incêndios gerados para limpar pastagens ou campos agrícolas e que fogem de controle.

Por que as florestas primárias (originais) são mais resistentes do que as áreas derrubadas, de desmatamento?

Porque a Amazônia é uma floresta com elevada umidade. Em muitas áreas chove mais de 3 mil milímetros por ano, ou seja, três metros por metro quadrado. A alta umidade não permite que a camada de folhas e ramos mortos sobre o solo da floresta e a madeira inflamem com facilidade. Em contrapartida, áreas de vegetação rasteira, como pastagens, são naturalmente mais inflamáveis. A queima da vegetação gera material particulado, a fuligem ou carbono negro, que semana passada alcançou o Sudeste do país e escureceu o céu de São Paulo.

E por que as florestas que crescem em áreas regeneradas ou perto de áreas queimadas são vulneráveis?

O fogo rasteiro queima o material orgânico e danifica a casca fina, característica das árvores da floresta tropical, segundo "Floresta em chamas", dos pesquisadores Daniel Nepstad, Ane Alencar e Adriana Moreira. Queimada
s, as árvores morrem lentamente durante o ano seguinte. O aumento da mortalidade de árvores produz quantidade substancial de combustível no chão da floresta, uma abertura gradual da cobertura da normalmente fechada copa das árvores, reduzindo a umidade que torna as florestas tropicais resistentes ao fogo e permitindo a invasão por vegetação rasteira (como gramíneas) que geram mais combustível fino para queimadas. O resultado é que as florestas afetadas por queimadas se tornam suscetíveis a grandes incêndios na próxima estação seca.

O que isso gera?

Um ciclo vicioso, pois o fogo torna a floresta mais inflamável, substituída por campos mais inflamáveis ainda que alimentam ainda mais incêndios.

August 24, 2019

Teoria conspiratória da ditadura guia Bolsonaro na Amazônia

militares em floresta

Rubens Valente
[RESUMO] Ecoando o lema ‘integrar para não entregar’, dos tempos da ditadura, Bolsonaro baseia-se em teoria conspiratória difundida em setores militares para encampar ocupação predatória da Amazônia, região que seria cobiçada por outros países.
A teoria conspiratória da internacionalização da Amazônia foi construída a partir de suspeitas infundadas, frases de autoridades estrangeiras pinçadas fora do contexto em que foram ditas e supostos estudos que nada comprovam.

Em resumo, ela afirma que ONGs e indígenas pretendem, em conluio com países estrangeiros, dividir a região por meio da independência de algumas de suas áreas. Os ataques externos “ao Brasil”, ou seja, ao governo brasileiro, esconderiam um plano secreto internacional para tomar essas porções de terra exuberantes e ricas.
A partir dos anos 1980, essas ideias passaram a ser difundidas com mais intensidade em círculos militares, por meio de livros como a “A Farsa Ianomâmi” (ed. Biblioteca do Exército, 1995), do oficial paraquedista Carlos Alberto Menna Barreto (1929-1995). Na capa do volume, um homem branco de olhos azuis se esconde atrás de uma máscara que imita o rosto de um indígena.

Tal ficção encontra solo fértil no governo do presidente Jair Bolsonaro, capitão reformado, e tem pautado a relação do governo brasileiro com a Amazônia e países estrangeiros que incentivam projetos de preservação da região.

No dia 11, o presidente declarou que a Alemanha não iria mais “comprar a Amazônia” e acusou outras nações de terem interesse “em se apoderar do Brasil”. Ele abriu mão de R$ 155 milhões do governo alemão em projetos para a Amazônia.
No mesmo dia, o ex-comandante do Exército e hoje assessor no influente GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general reformado Eduardo Villas Bôas, escreveu em uma rede social que o Brasil é alvo de “ferramentas do moderno capitalismo” exercidas pelas críticas à política ambiental, mas que estava deixando de se submeter “a pressões” estrangeiras.

Quatro dias depois, Bolsonaro voltou ao tema numa rede social. Escreveu que “o mundo” o está acusando falsamente de destruir a Amazônia. “Soberania da região e suas riquezas é o que, verdadeiramente, está em jogo”, completou, em seu costumeiro tom misterioso.

Associações entre proteção ambiental e obscuros planos secretos de dominação das nações mais desenvolvidas podem ser encontradas em manifestações de militares brasileiros desde a década de 1960. Esses escritos também apontam o antídoto —o ponto fundamental da política de Bolsonaro: “ocupar” e “integrar” a Amazônia.
O ruído produzido por Bolsonaro e pelos ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Augusto Heleno (GSI) nas últimas semanas expressa uma arraigada orientação militar que vem, pouco a pouco, vindo à tona: o governo Bolsonaro realmente acredita que o país tem o direito de ampliar o desmatamento e a ocupação da região, onde for possível.

Nos anos 1960, o general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), um dos artífices do golpe de 1964 e influenciador de toda uma geração de militares, escreveu em sua “Geopolítica do Brasil” que a Amazônia era um “deserto verde” e que a função do governo era “incorporá-la realmente à nação”. Ele resumiu sua “ideia de manobra geopolítica para integração” em três linhas de ação, incluindo “inundar de civilização a hileia amazônica [termo usado no século 19 para designar a região], a coberto dos nódulos fronteiriços, partindo de uma base avançada constituída no Centro-Oeste”.

A linha de ação foi confirmada em 1969, quando o CSN (Conselho de Segurança Nacional), formado pelo presidente da República e pelos ministros militares e civis da ditadura militar (1964-1985), editou o ultrassecreto “Conceito Estratégico Nacional”.

O documento, que permaneceu sigiloso até 2006, estabeleceu como meta do governo o “desenvolvimento de uma política ordenada de expansão e distribuição espacial da população, orientada e dirigida para a exploração do potencial de recursos naturais do país, em setores prioritários ou em regiões selecionadas, bem como para a ocupação racional e efetiva do território nacional”.

Obras amplamente adotadas pelas escolas militares, como “A Geopolítica da Pan-Amazônia” (1980), do general de divisão Carlos de Meira Mattos (1913-2007), defendem a ocupação da Amazônia como um objetivo estratégico militar. Em 1966, o primeiro presidente na ditadura, Castello Branco (1897-1967), considerou a criação de “condições para o povoamento” da região nada menos que “um imperativo da própria segurança nacional”.

Num regime sem um Ministério Público fiscalizador e sem imprensa livre, o governo implantou diversos programas de incentivo ao deslocamento de colonos do Sul para a Amazônia, expandindo o desmatamento, expulsando e transferindo grupos indígenas praticamente sem controle.

Linhas de crédito especiais foram abertas em bancos públicos para financiar atividades agropecuárias na região, e municípios inteiros e estradas foram construídos em cima de áreas de floresta e terras indígenas —milhares de índios morreram no processo. Em concordância com o “Conceito”, o conjunto de medidas foi chamado exatamente de PIN (Plano de Integração Nacional). Forjou-se até um slogan para essa estratégia: “Integrar para não entregar”.

Nesses movimentos havia de tudo. A ideia mais delirante talvez tenha sido a do major Marseno Alvim Martins, que na obra de 1971 “A Amazônia e Nós” (Biblioteca do Exército) sugeriu a construção de um “Grande Lago Amazônico”. Uma imensa barragem no rio Amazonas criaria “um verdadeiro mar amazônico”, o que permitiria “uma navegação em larga escala”. Simplesmente 29 cidades ficariam submersas, incluindo Manaus e Santarém.

Em um episódio pouco lembrado, porém fartamente documentado no Arquivo Nacional, o SNI (Serviço Nacional de Informações), centro da máquina de espionagem da ditadura, criado por Golbery, chegou a controlar garimpos de ouro na Amazônia. O “Projeto Ouro” ou “Projeto Garimpo” mobilizou 148 mil garimpeiros em dez estados no governo João Figueiredo (1979-1985).
“A partir de maio de 1980, este órgão [SNI], autorizado pelo presidente da República, desenvolveu uma ação catalisadora, envolvendo vários organismos públicos, objetivando o controle e a assistência do núcleo de garimpagem que se formou em Serra Pelada (PA). Posteriormente, este controle foi estendido a outras áreas de garimpo, principalmente a da Fazenda Cumaru, no município de Conceição do Araguaia (PA)”, descreveu um relatório confidencial do SNI.

De 1979 a 1981 foram produzidas 24 toneladas de ouro. A experiência foi aposentada em 1989 por decisão do presidente José Sarney (1985-1990). Trinta anos depois, o governo Bolsonaro fala em abrir terras indígenas para a mineração, o que é repudiado por 86% da população, segundo pesquisa Datafolha.O ponto central da política bolsonarista é que o aumento da presença humana na região não deve ser alvo de crítica, pelo contrário, deve ser encarado como uma meta.
No dia 15, o ministro do Meio Ambiente abordou a questão ao dizer à agência de notícias BBC que o governo quer usar o Fundo Amazônia, formado por doações de países estrangeiros, para “ter discricionariedade que envolva efetivamente soluções capitalistas, de desenvolvimento de uma cadeia produtiva que gere resultado em caráter permanente”.

Quem não entender a chave das palavras de Salles continuará debatendo se o governo é ou não “científico”, quando a questão seria indagar até onde ele quer levar o desmatamento. Para os militares bolsonaristas, quem é contrário ao desenvolvimento do país é simplesmente um traidor. Bolsonaro já chamou os críticos de “maus brasileiros” e afirmou que os países que desejam a conservação ambiental apenas cobiçam as riquezas brasileiras.

Enquanto ficava restrita ao ambiente da caserna, a teoria conspiratória não era levada em conta por nenhum pesquisador sério. A principal razão é simples. Jamais índios brasileiros e ONGs internacionais reivindicaram a independência de qualquer pedaço da Amazônia.

A terra indígena Yanomami, por exemplo, demarcada há quase 30 anos, nunca registrou qualquer instabilidade desse tipo. O principal líder ianomâmi, Davi Kopenawa, em reiteradas vezes, em todos os inúmeros fóruns nacionais e internacionais dos quais participou, nunca falou sobre separação do Brasil.Outro problema é cronológico. A teoria ganhou força a partir do fim da ditadura, em 1985, quando o poder voltou aos civis. Mas diversas terras indígenas foram identificadas e interditadas ainda no período militar, como a própria Yanomami, que só depois foi demarcada.
Uma vez que acusar os militares da época da ditadura de terem participado do mesmo suposto esquema das ONGs internacionalistas é puro nonsense, essa parte é convenientemente silenciada pelos teóricos da conspiração.


Terrivelmente humanos



Andréa Pachá

 

Nunca foi tão necessário afirmar a racionalidade e a esperança. O ambiente pesado e conturbado tem nos adoecido, e a menos que se pretenda passar os próximos anos aprisionados nas redes sociais, turbinando confrontos e ampliando insultos, é conveniente que busquemos alternativas para a sobrevivência afetiva e racional. O processo de transição histórica e política pode ser longo. Nossa finitude exige urgência para a vida.

Nem bem havíamos nos recuperado das nuvens carregadas das queimadas florestais, resultado da desconstrução de políticas ambientais, que transformaram o dia em noite em São Paulo, mal desapareceram dos noticiários as mortes dos seis jovens, moradores de comunidades, alvejados em operações desastrosas de extermínio, um ônibus, atravessado no vão central da Ponte Rio-Niterói, impunha mais uma angústia para se juntar a tantas outras.

Não foi um episódio costumeiro de roubo e violência pública. O sequestrador, pobre, sofria de doença mental e, em um surto, vitimou tragicamente 37 pessoas. Felizmente, todas foram salvas. Infelizmente, a morte de Willian e a complexidade da tragédia impedem qualquer celebração.
São devastadoras as histórias que envolvem pessoas com doenças mentais, especialmente as mais pobres. Além do preconceito e da dor provocada pela desinformação, falta de tratamento adequado, pelo déficit das casas terapêuticas e desabastecimento de medicação, as famílias ainda convivem com a instabilidade cotidiana, com o medo de suicídios iminentes, em um luto de difícil ou quase impossível recuperação. Pessoas com doenças mentais, muitas vezes, se tornam agressivas e podem causar danos a elas próprias e aos que as cercam. São vulneráveis. Precisam de suporte e acolhimento social e familiar.

O Estado, que deveria estar presente para suprir tais necessidades, apenas aparece quando pouco ou nada há a fazer. A atuação da polícia permitiu que as vítimas saíssem ilesas do sequestro. Não é de polícia, no entanto, que os vulneráveis com doença mental necessitam para verem garantidos os seus direitos. O que assistimos no vão central da ponte não foi o sucesso da política de segurança, mas o fracasso das demais políticas sociais que vêm sendo sucateadas.

Enquanto mortes são naturalizadas e banalizadas, enquanto autoridades se comprazem com a truculência e o ódio, enquanto famílias ficam sem desculpas ou explicações pela perda de seus filhos e netos, dois gestos de delicadeza, terrivelmente humanos, nos conectaram com os melhores sentimentos, e sintetizaram a esperança, em um contexto que parece nos desumanizar todos os dias.
Willian já estava morto, quando o primo dele se desculpou com as vítimas, uma a uma. Não tinha qualquer motivo para tanto. Também ele era vítima de um destino trágico que levou para o seio daquela família a dor de um surto psicótico. Ainda assim, quis suavizar o sofrimento dos outros.

Mais comovente ainda foi a voz de Paulo César Leal, pai de uma refém, consolando a mãe do rapaz morto. Ele tinha todos os motivos para se descontrolar, para reagir agressivamente; afinal, era a filha dele, que aos 23 anos acabara de passar por intermináveis horas de medo e pavor. Seria compreensível ver Paulo César comemorando o triste desfecho, ou engrossando o coro insano do “bandido bom é bandido morto”. Não foi o que fez. Disse ele:

— O que você fala para uma família que perdeu um filho? A minha intenção foi ajudar porque a dor é sentida pelos dois lados. E ali, naquele momento, ela estava precisando de apoio. Não adianta ver só o meu lado, a minha família. Somos todos humanos.

Não é ingenuidade apostar no processo civilizatório. É respeitoso para com os que nos precederam. Se a realidade se mostra cruel, e se parece impossível vencer a perplexidade e a inércia nos grandes enfrentamentos, é a política cotidiana da delicadeza que garantirá a sobrevivência e a reconciliação com os valores humanos que nos forjaram. Alteridade, compaixão e afeto são sentimentos que neutralizam a escalada do ódio e do extermínio.

ILUSTRAÇÃO; MARCELLO


August 22, 2019

Bernie Sanders’s ‘Green New Deal’: A $16 Trillion Climate Plan



WASHINGTON — Senator Bernie Sanders on Thursday released a $16.3 trillion blueprint to fight climate change, the latest and most expensive proposal from the field of Democratic presidential candidates aimed at reining in planet-warming greenhouse gases.
Mr. Sanders unveiled his proposal one day after Gov. Jay Inslee of Washington, who made climate change the central focus of his campaign, announced he was dropping out of the 2020 race. Mr. Inslee’s absence could create an opening for another presidential aspirant to seize the mantle of “climate candidate.”
Mr. Sanders was an early supporter of the Green New Deal, an ambitious but nonbinding congressional plan for tackling global warming and economic inequality. He is bestowing that same name upon his new plan, which calls for the United States to eliminate fossil fuel use by 2050.
It declares climate change a national emergency; envisions building new solar, wind and geothermal power sources across the country; and commits $200 billion to help poor nations cope with climate change.
Mr. Sanders said in an interview that his proposal would “pay for itself” over 15 years and create 20 million jobs in the process.
Also on Thursday, a Democratic National Committee panel rejected a proposal to hold a presidential primary debate dedicated to climate change, voting 17 to 8 against the idea. The decision was not a surprise, but some environmental activists denounced the vote and said it showed that the D.N.C. was not taking climate change seriously enough.
The committee did reverse a ban on having presidential candidates participate side by side in informal events, a decision that could affect the format of a CNN climate change forum on Sept. 4. Ten candidates are scheduled to appear at that event, but they were expected to appear back to back, not onstage together. Mr. Sanders is one of them.
“President Trump thinks that climate change is a hoax,” Mr. Sanders said in the interview, laying out the case for his climate plan. “President Trump is dangerously, dangerously wrong. Climate change is an existential threat to the entire country and the entire world and we must be extraordinarily aggressive.”
“I have seven grandchildren, and I’m going to be damned if I’m going to leave them a planet that is unhealthy and uninhabitable,” he added.
There is no broadly agreed-upon figure of how much needs to be spent to decarbonize the United States economy, but one study estimated that as much as $4.5 trillion could be needed just to modernize the nation’s power grid.
Still, the Sanders plan’s eye-popping price tag is several times bigger than those of his leading opponents. Former Vice President Joseph R. Biden Jr. has called for spending $1.7 trillion over 10 years. Senator Elizabeth Warren of Massachusetts has a $2 trillion green manufacturing plan. Other candidates, including former Representative Beto O’Rourke of Texas, have also put forth ambitious proposals.
THE 2020 FIELD
 
Is it possible for the next president to stop climate change? We asked the candidates. Watch their answers.
Mr. Sanders’s plan would be funded in part by imposing new fees and taxes on the fossil fuel industry. He described the proposal as putting “meat on the bones” of the Green New Deal resolution and laying the groundwork for a rapid energy transformation.
Democratic voters are increasingly demanding that candidates show they are prepared to be ambitious in tackling climate change. A recent Yale University survey found that 93 percent of party voters supported an aggressive plan like the Green New Deal.
Among registered voters, global warming ranked 17th on a list of 29 important issues — but it was the third most important issue for liberal Democrats and the eighth most important for moderate and conservative Democrats, the report found.
United Nations scientists have urged a deadline of achieving net-zero global emissions — that is, eliminating as much greenhouse gas pollution from the atmosphere as humans generate — by 2050. That would stave off the worst consequences of climate change like rising seas, longer droughts and worsened heat waves, experts say.
Virtually all of the Democratic candidates for president have pointed to that deadline as a critical one, and those with specific plans have used it as a broad benchmark. The majority of them also sidestep contentious ideas like a tax on carbon pollution and instead call for a vast infusion of money toward clean energy research and development.
Mr. Sanders’s plan is no exception. Though the Vermont lawmaker was an early proponent of a carbon tax — he once called it “the most straightforward and efficient strategy for quickly reducing greenhouse gas emissions” — his new proposal makes no mention of one.
Instead, he calls for converting the electricity and transportation sectors to 100 percent renewable energy by 2030 and achieving “complete decarbonization” by 2050 through a massive spending plan.
Sanders’s Labor Plan
Robert C. Hockett, a Cornell University law professor who has advised Mr. Sanders on climate change policy, said the country now needs more than just a carbon tax. Tackling climate change, he said, demands a vast overhaul of United States infrastructure and manufacturing. He said Mr. Sanders’s plan, and its substantial price tag, reflected that.
“You’ll see Bernie setting the pace. He’ll be the one who is always prepared to go the furthest,” Mr. Hockett said.
Joshua Freed, vice president for clean energy at the centrist Democratic think tank Third Way, said he was not impressed with Mr. Sanders’s plan. The proposal opposes nuclear energy and carbon capture and storage technology, both of which Mr. Freed said must be tools in decarbonizing the economy.
“The Sanders plan appears to be big, but it’s not serious,” Mr. Freed said. “We need to have every option on the table.”
The Sanders plan calls for a moratorium on nuclear power plant license renewals, and it says that the goal of 100 percent sustainable energy “will not rely on any false solutions like nuclear, geoengineering, carbon capture and sequestration, or trash incinerators.”
Read the Plan
 
Mr. Sanders’s Green New Deal calls for spending $16.3 trillion over 15 years.
Mr. Sanders’s campaign estimated that roughly $3.1 trillion would be generated from “making the fossil fuel industry pay for their pollution” through new but unspecified fees and eliminating $15 billion in annual subsidies; another $1.2 trillion would come from “scaling back military spending on the global oil supply,” and $2.3 trillion would be collected from new income tax revenues from new jobs in the renewable energy industry, among other measures.
The spending would go toward researching energy storage and electric vehicles, supporting small farms and developing ways to “make our plastic more sustainable through advanced chemistry.” Under the plan, the federal government would also provide five years of unemployment insurance, a wage guarantee, housing assistance and job training to “any displaced worker” in the fossil fuel industry.

‘The Blair Witch Project’ at 20: Why It Can’t Be Replicated

When it came out, the documentary-style horror movie terrified some audiences who weren’t so sure it was fiction. Here’s a look at its special alchemy and legacy.


The makers of “The Blair Witch Project” capitalized on the rise of reality TV and internet culture in promoting its fictional story as true. Michael Williams played a member of a mysteriously vanished documentary crew.

By
JAKE KRING-SCHREIFELS
nytimes.com
 
 
More than a year before “The Blair Witch Project” hit theaters and became a cultural phenomenon, its central mystery had already gone viral.
According to the movie’s fledgling promotional website, which presented itself as a real investigative project, three film students — Heather, Mike and Josh — had ventured into the Maryland woods in 1994 to shoot a documentary and then disappeared. Their footage was recovered a year later, providing evidence to support a disturbing legend. The online message boards began to buzz, with questions about the story’s veracity.
The hype, intrigue and skepticism surrounding the account, fueled by the internet’s advent, grew through the movie’s premiere, in July 1999. What eventually emerged — a feature-length film made of spliced together scenes of shaky home video footage — made the demise of its three characters seem all the more authentic and terrifying.
Of course, the whole thing was fiction. But a lot of viewers didn’t know that going in.
“The prime directive we had was that the film had to look completely real,” said Eduardo Sánchez, who conceived and directed the entire thing with Daniel Myrick, from the manufactured legend to the film itself.
“The lighting had to make sense, the sound couldn’t be great,” he continued. “There wasn’t going to be a soundtrack. It was just edited footage.”
The directors Daniel Myrick, left, and Eduardo Sanchez, in 1999. They made “The Blair Witch Project” for only $60,000; it went on to earn $248.6 million at the global box office.
The directors Daniel Myrick, left, and Eduardo Sanchez, in 1999. They made “The Blair Witch Project” for only $60,000; it went on to earn $248.6 million at the global box office.
Today, “Blair Witch,” released 20 years ago this week (and streaming now on Hulu), remains an inflection point for the movie industry. Produced for $60,000, the film went on to make $248.6 million at the global box office, an indie record at the time. Its amateur aesthetic prompted a generation of filmmakers to pick up a camera, however low-tech. It exposed new possibilities for marketing in the internet age. And it was a ubiquitous part of pop culture, spawning myriad imitators and spoofs, in turns inspired by and mocking its shaky cinematography and selfie-style confessionals.
“Blair Witch” could also be just plain scary — in a way that tapped perfectly into the trends and anxieties of the moment.
“In many ways mainstream moviegoing audiences simply forgot horror could be scary in this way,” said Alexandra Heller-Nicholas, author of the book “Found Footage Horror,” in an email. “There was something in the air in 1999 that made us acutely aware that technology could be linked to some kind of vague, chaotic unknown, and ‘Blair Witch’ tapped into this at exactly the right moment.”

An inspiring, if limited, aesthetic

“Blair Witch” didn’t invent the found-footage movie. Film historians credit Ruggero Deodato’s 1980 thriller “Cannibal Holocaust,” which similarly featured the disappearance of a young movie crew, as the first. But the “Blair Witch” creators understood there was a fresh appetite for the concept. By 1999, reality TV programs like “Cops” and “The Real World” were on the rise, and the internet was providing a conspiratorial and conversational hub for its users.
That convergence primed viewers for a low-fi aesthetic that, in the right hands and with the right idea, could lead to something novel. It also allowed for an extremely low budget.
[Read the original Times review from 1999.]
“For us, video was about to become as good as film,” Sánchez said. “All of a sudden, you could edit on your computer.” Audiences seemed willing, he added, to accept “these new types of media and new types of stories that were being told.”
To make the film, Myrick and Sánchez used only Hi8 and 16-millimeter formats. (Hi8 is analog video, used in a hand-held camcorder.) Their surprising success inspired many young filmmakers to view amateur equipment as an opportunity, not a limitation.
“Everyone now can afford a camera — has a camera in their pocket — and can, if they think out of the box properly, do something very new,” said Aneesh Chaganty, the director of the breakout thriller “Searching,” from last summer.
He added: “Seeing a group of people like the whole team behind ‘Blair Witch’ succeed at the level they did back then was an injection of adrenaline as filmmakers.”
After the release of “Blair Witch,” the found-footage concept quickly spread. Low-budget features like “August Underground” and “Septem8er Tapes” aimed to replicate the “Blair Witch” formula, but without the mystery surrounding their origins, they couldn’t reproduce the immediacy and potency.
In 2009, however, Oren Peli’s “Paranormal Activity” seemed to recapture some of the elusive “Blair Witch” alchemy, using unknown actors and improvised dialogue. This time, the characters were just regular homeowners, using a surveillance camera with night vision to capture the movements of a supernatural demon inside their house.
Shot independently on a $15,000 budget, but distributed by Paramount, the movie grossed $193.4 million globally.
“If someone decides to do it honestly, and has a great idea, it can always be effective,” Peli said.
A scene from “Paranormal Activity”
A scene from “Paranormal Activity”
Bigger Hollywood productions, like the monster movie “Cloverfield” (2008) and the superhero thriller “Chronicle” (2012), later adopted the found-footage convention, merging the historically low-fi aesthetic of long takes and jumpy cameras with C.G.I. wizardry. More recent thrillers like “Unfriended” (2015) and “Searching” — both box office hits, both shot using only computer and phone cameras — put another spin on the subgenre.
Attempts to turn “The Blair Witch Project” into a franchise were less successful. The movie’s direct sequel from 2000 flopped, as did the third entry, in 2016 (neither was directed by Myrick or Sánchez); both struggled to create a genuine sense of terror without the mystery of authenticity that so electrified the original.
Although the numerous “Paranormal Activity” sequels didn’t match the quality of the original, either, Peli, who has stayed on as a producer for the series, made sure they at least answered a set of questions integral to the subgenre.
“Who is filming; why are they filming; why does it need to be found footage?” said Peli. “If you betray that, the audience is going to feel that. I think at some point, the industry became a victim of itself.”

A narrow window

In some ways, “The Blair Witch Project,” with its blurring of fact and fiction, helped create that very media landscape that would preclude its viral success today.
In the 20 years since the film’s debut, that landscape has shifted profoundly. The arrival of YouTube in 2005, which made video-sharing a global, social and economic enterprise, has deepened that blur. Add to that the rise in reality TV, fake news and phenomena like “deepfakes,” which use real images and voices to completely fabricate videos, and it becomes hard to imagine a hoax-based movie campaign ever again gaining that kind of currency.
Even the team that devised the original online strategy for “Blair Witch” recognizes today that they passed through a narrow window.
“Now it wouldn’t work,” Sánchez said. One could easily look find out on the internet that Heather from “Blair Witch” was an actress named Heather Donahue — who hadn’t disappeared at all.
Still, few have matched that team’s care and inventiveness since.
The plan seems almost quaint in hindsight, but at the time it was innovative. First, Sánchez and Mike Monello, a producer on “Blair Witch” who was instrumental in funding and publicizing the film, put together a stylistically unique website — filled with archival photos and a timeline of its purported history. (The site is no longer online in its original form; www.blairwitch.com/project/main.html “is as close to the original site as you can get,” Monello said.)
Then they monitored the site’s message board, an early internet outpost for horror fans to share theories and debate the so-called evidence.
Promotional material from 1999 for “The Blair Witch Project.” 
Promotional material from 1999 for “The Blair Witch Project.” 
“We’d get in and dial up our modems and see what people were saying,” Monello said. “As we got closer to finishing the film, then we started to get a little more serious.”
Sánchez, Myrick, Monello and another producer, Greg Hale, started an email newsletter for more loyal browsers and galvanized its hard-core fan base. They added details to the site as necessary. Most dedicated readers knew the story wasn’t real, but after he movie premiered at the Sundance Film Festival, a fresh wave of fans visiting the site weren’t so sure.
A week before the feature’s wide release, Myrick and Sánchez debuted a separate faux documentary called “The Curse of the Blair Witch” on the Sci Fi Channel (known today as SyFy). It added to the myth by using interviews and archival material they had cut from the movie. The “Curse” film was not presented as fiction.
“It was the story of the serial killer, and it was extremely well done,” Peli said. “They really created this immersive world that if you had the time and wanted to go into it, it would help you with the suspension of disbelief.”

Lasting lessons

That particular strategy may be hard to duplicate now, but the deeper lessons about connecting with fans in a media-driven age are still relevant.
“I think ‘The Blair Witch Project’ was the first example of what the power of fandom would do in Hollywood,” said Monello, now the founder of Campfire, an entertainment-marketing agency. “When you connect fans together on the internet, their shared passion deepens.”
Peli applied that lesson years later to promote “Paranormal,” which used a “Demand It” campaign in college towns: Students who wanted to see the movie needed to petition Paramount Studios through the movie’s website.
“It worked beautifully, because people took ownership of the film, to not only spread the word but to get others to demand it play in their town,” Peli said.
A decade later, the campaign for “Searching” relied on social media testimonials to spread its message.
“If you’re not a massive franchise, you have to convince people to go to the movie theater,” Chaganty said. “Real people’s reactions are the best tools you can use if the movie is good enough.”
Good certainly helps. And, as Monello noted, there’s no substitute for seizing the moment.
“We understood what we were doing on some level,” Monello said. “But an awful lot of it was right place, right time, right story. It all converged.”

August 21, 2019

Um presidente que só governa para os seus

Jair Bolsonaro Foto: Carl de Souza / AFP

Guilherme Amado

Quando Jair Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto, ganhava pontos com o chefe quem fosse o mais dedicado defenestrador de petistas. Onyx Lorenzoni se empenhou tanto que, em algumas semanas, nem arquitetos havia mais para adaptar as salas para os novos ocupantes. Não interessava se havia qualificação por trás do demitido. Se fosse um remanescente dos anos do PT, estava fora. Na prática, todos podiam ser chamados de petistas: foi assim até com contratados na era Temer. Agora, a coisa inverteu. O governo está cada dia mais aparelhado. Militares, olavetes, evangélicos, monarquistas: há espaço para todos os setores que ungiram Bolsonaro. Áreas até então intocadas da administração, a exemplo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e câmaras temáticas da Procuradoria-Geral da República (PGR), estão no radar do presidente. Sem pudor, ao defender abertamente a indicação de seu filho para um dos cargos mais importantes da diplomacia nacional, Bolsonaro dá o sinal verde para o loteamento sem freios do governo por simpatizantes do 17. E inspira na sociedade o clima de falta de respeito a quem pensa diferente.
“O pai que planta, por exemplo, manga, o filho dele vai aprender o quê? Mexer com manga! Ele tem de sair dali e plantar abacaxi porque não pode? Porque é nepotismo? Larga de idiotice, larga de frescura nessa questão”, defendeu Bolsonaro, em um dos seus recorrentes discursos inflamados, na semana passada, quando mais uma vez defendia Eduardo Bolsonaro na embaixada em Washington e se insurgia contra a reportagem do jornal O Globo que denunciara que, dos 286 assessores nomeados nas carreiras políticas de Jair, Carlos, Flávio e Eduardo, 35% tinham algum parentesco entre si. Muitos desses, hoje, estão no governo. Mas o aparelhamento agora vai além da parentela.
“Funcionários públicos de perfil técnico têm sido substituídos por quem pensa como Bolsonaro, independentemente da qualificação”
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Na presidência da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, saiu uma procuradora da República, com anos de especialização no tema, e entrou um assessor de Damares Alves, a ministra dos Direitos Humanos, e filiado ao PSL. A demissionária, Eugênia Augusta Gonzaga, foi direta: “Bolsonaro quer frustrar os objetivos da comissão. É uma ofensa ao serviço público”.
Um dos novos integrantes, Filipe Barros, deputado do PSL, reza pela cartilha do atropelo dos livros de história, tal qual faz Bolsonaro e alguns militares de seu governo. Ao revelar seus planos para a comissão, mostrou por que foi escolhido: “Vamos investigar todos os mortos e desaparecidos, independentemente se foram pelo Estado ou pelos grupos terroristas. Vamos continuar levantando os mortos pelo Estado, mas vamos incluir os mortos ignorados pela comissão passada”, afirmou, sem citar nenhum caso específico.


Um funcionário público independente também causou incômodo no Inpe, quando o órgão mostrou que, no governo do capitão, o Brasil voltou a desmatar a todo vapor e que a Amazônia corre risco. Entrou mais um militar no Inpe — são dezenas em toda a administração federal. O físico Ricardo Galvão, que tinha mandato até 2020, afirmou ter sofrido um “cerceamento” e uma acusação “absolutamente infantil, sem nenhuma prova”, de trair o país ao divulgar dados negativos. O Planalto fez bico ao saber da febre marcada no termômetro e, em vez de atacar o sintoma, jogou fora o aparelho. Seu sucessor, ao menos interinamente, já chegou mostrando mais sintonia com o bolsonarismo e afirmou que o aquecimento global “não é sua praia”.
Bolsonaro agora atenta contra a PGR, à qual a Constituição dá o dever de fiscalizar seus atos, e tem colocado como condição para os que pleiteiam o cargo de procurador-geral que as vice-procuradorias-gerais e o comando das câmaras temáticas de áreas como meio ambiente, direitos humanos e direitos indígenas sejam ocupados por conservadores — ou reacionários, para usar o termo adequado — a sua imagem e semelhança. A interferência é inédita e, na visão de alguns procuradores, fere a independência funcional que todo procurador, incluindo o procurador-geral, tem assegurada na Constituição.
Exemplo de gestor independente, o físico Ricardo Galvão perdeu o comando do Inpe ao rebater os vitupérios de Bolsonaro contra o órgão e sua gestão. Foto: Lucas Lacaz Ruiz / A13 / Agência O Globo
Exemplo de gestor independente, o físico Ricardo Galvão perdeu o comando do Inpe ao rebater os vitupérios de Bolsonaro contra o órgão e sua gestão. Foto: Lucas Lacaz Ruiz / A13 / Agência O Globo
O preocupante é que o ímpeto de calar vozes destoantes da bolsonarista não está apenas no governo. Duas professoras da Universidade Estácio de Sá, um dos maiores grupos de ensino privado do país, afirmaram ter sofrido repreensões pelo diretor do campus em que atuam, no centro do Rio de Janeiro, por usarem calendários com a foto de Marielle Franco. Uma delas judicializou o caso.
Em 17 de maio, a então coordenadora do curso de pedagogia, Amanda Mendonça, foi chamada para uma reunião com Jorge William Yoshida, o diretor do campus . Yoshida segurava as partes rasgadas do calendário que a professora afixara desde janeiro em sua mesa de trabalho na sala da coordenação — uma recordação da vereadora, com quem havia trabalhado. Segundo a professora, ela ouviu do chefe que o calendário e suas postagens nas redes sociais tinham sido objetos de uma denúncia por “propaganda ideológica”. O diretor pediu que a professora se desculpasse e garantisse que não participaria novamente de greves e manifestações, como a de dois dias antes, em 15 de maio, contra os cortes na Educação. Mendonça se recusou a atender aos pedidos e entregou o cargo de coordenadora. No dia seguinte, em 18 de maio, foi a vez da coordenadora adjunta de Direito, Laila Domith, ser chamada por Yoshida. Segundo ela, a conversa foi semelhante. Domith também usava um calendário com a foto de Marielle e participara do protesto contra o governo Bolsonaro. Também se recusou a seguir as orientações. Na semana passada, foi demitida e entrou com uma denúncia no Ministério Público do Trabalho. Respondendo pelo diretor, a Estácio afirmou que é “apartidária”, disse repudiar condutas preconceituosas e prometeu apurar os dois casos.
O sectarismo elegeu Bolsonaro, e estimulá-lo tem sido seu modo de governar. Seu estilo dá certo — ao menos para seu objetivo de ser o presidente de apenas uma parte do país. A incógnita é quanto tempo as outras partes vão topar ter um presidente que governa só para os seus.

Com Eduardo Barretto e Naomi Matsui

 


August 20, 2019

O curioso caso do juiz-empresário


 Conrado Hubner Mendes Foto: Davilym Dourado / Divulgação


Não há melhor oportunidade para um banco ou escritório de advocacia praticar lobby no Judiciário do que chamar um juiz de Corte superior para palestra 

 Conrado Hübner Mendes

Voltamos a desconfiar do comportamento do juiz e do promotor brasileiros. A magistocracia se arma, pois não gosta de ter sua integridade posta em dúvida. Prefere gozar de seus privilégios sem alarde e evitar indignação alheia. Além dos deveres que decorrem da ética profissional elementar, a Constituição de 1988 é categórica: “Aos juízes é vedado exercer outro cargo ou função, salvo uma de magistério” (art. 95, parágrafo único, I). O mesmo vale para promotores (art. 128, II, d).
Simples, não? Há linhas vermelhas que magistrados não podem cruzar para não corromper a imparcialidade. Entre elas, não podem se dedicar a outras atividades, exceto “uma de magistério”. Essa seria a “interpretação literal” da regra, apegada à letra da lei. Os manuais jurídicos nos ensinam, porém, que devemos ir além da letra e oferecem outros métodos: o “histórico”, que busca compreender o contexto de origem da regra; o “teleológico”, que busca o propósito de fundo da regra; o “sistemático”, que busca entender a conexão da regra com outras regras.
No caso da vedação constitucional a juízes e promotores, todos os caminhos interpretativos levam ao mesmo endereço: do ponto de vista histórico, num contexto de transição para a democracia em 1988, a vedação protege a independência judicial contra ingerência de outros interesses; o propósito de fundo da regra é consolidar a modernização de funções de estado à luz de princípios republicanos contra o patrimonialismo (confusão do público com o privado); do ponto de vista sistemático, não há outra regra constitucional que permita relativizar a vedação. Juízes e promotores podem ser só juízes e promotores mesmo. Excepcionalmente, professores. Atividades negociais estão proibidas.
Como conceber o juiz-empresário? Há pelo menos duas categorias: 1) o juiz empreendedor corporativo, que constrói ou dirige, de fato, uma sociedade lucrativa e usa influência junto ao poder político e econômico; 2) o juiz empreendedor de si mesmo, que se vende como palestrante no mercado de grandes corporações com múltiplos interesses no Judiciário. Em ambas as categorias, o empreendimento depende de sua condição de juiz. É ele o produto, o captador de negócios.
Duas estratégias foram criadas para escapar da vedação constitucional. No caso do juiz sócio de empresa, alega-se que a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979, permite-lhe ser “acionista ou quotista” (art. 36, I). A resposta à explicação marota é banal: a regra da Loman é inconstitucional, pois amplia o que a Constituição restringe. Mas a magistocracia quer forçar a amizade com a Constituição e dizer que uma lei de 1979 cria uma exceção a mais ao que o constituinte vedou em 1988. Com o perdão da pergunta retórica, será a Loman uma norma superior à Constituição? Por que a Constituição de 1988 teria omitido outras exceções?
A segunda estratégia é confundir “função de magistério”, que significa ser professor de instituição de ensino, com “palestrante remunerado”. Tanto na palestra remunerada quanto na aula dentro de um curso, há uma pessoa que fala sobre tema qualquer para a audiência que lhe assiste. A semelhança, contudo, é de superfície, e é irrelevante para a vedação constitucional. A estrutura de incentivos econômicos, os potenciais conflitos de interesse e o “modelo de negócio” são diversos. Como diz Elio Gaspari, eventos assim costumam ser uma “confraternização do andar de cima”, “ocasiões para fazer amigos e influenciar pessoas”.
“Não há melhor oportunidade para um banco ou escritório de advocacia praticar lobby no Judiciário do que chamar um juiz de Corte superior para palestra”
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Por prevenção, a Constituição vedou. Por desfaçatez, a magistocracia ignorou.
Instituições de controle como o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público têm um dilema: defender um Judiciário e um Ministério Público republicanos ou a magistocracia? A instituição ou a corporação? Escolheram a segunda opção, sinônima de corrupção institucional. Decidiram que, em nome da privacidade, rendas extras nem sequer precisam ser divulgadas. Janaina Paschoal propôs uma solução: que se pague pela palestra o mesmo valor da aula. Não entendeu que o dinheiro é o menor dos problemas.
Em resumo: podia, era imoral, mas, desde 1988, não pode mais. Podia, não pode mais, mas continua podendo no território dos homens da lei. O STF poderia moralizar a coisa. Mas como moralizar quando o maior juiz-empresário do país é ministro do STF e emprega outros ministros? O juiz-empresário é, acima de tudo, um juiz inconstitucional. A magistocracia sabe se defender em silêncio.