Desde o início do ano o Congresso Nacional está debruçado sobre o Pacote Moro, um conjunto de projetos de lei com o objetivo de aprimorar o combate à corrupção e ao crime organizado. As medidas são polêmicas e merecem uma análise mais detida.
Para isso, nada melhor do que olhar para fora do país e identificar sucessos e fracassos de propostas similares. E, quando se trata de corrupção e crime organizado, a Itália é referência. Não apenas pelas inúmeras ordens mafiosas que formam o imaginário do país, mas também pelas iniciativas para enfrentá-las. Giovanni Falcone e Paolo Borsellino são figuras mundialmente reconhecidas por suas ações anti-Máfia e seu trágico fim. A Operação Mãos Limpas, referência no combate à corrupção, é citada como exemplo a ser seguido por juízes, promotores e autoridades, entre as quais o ministro Sergio Moro, autor do pacote em análise.
Por isso, vale um giro pela história da luta contra o crime na península e aprender com seus acertos e erros.
Nos anos 80 e 90, a Itália produziu leis em série que endureceram o tratamento do crime organizado. Em 1982, foi criado o delito de organização criminosa de tipo mafioso, com penas altas, mais hipóteses de prisões preventivas, confiscos de bens e maior rigor na execução penal.
Em 1992, Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, símbolos da luta contra a Máfia, foram assassinados em Palermo. A violência das mortes chocou e levou às ruas milhares de pessoas exigindo leis mais severas contra o crime. A resposta do parlamento foi rápida. Novos aumentos de pena e maior rigor no regime prisional para membros de ordens criminosas e corruptos.
Nesse período, foram abertos alguns processos simbólicos respaldados na nova legislação. No que se refere à Máfia, um maxiprocesso levou à prisão 476 membros da Cosa Nostra. No campo da corrupção, a Operação Mãos Limpas investigou, processou e prendeu milhares de políticos e empresários corruptos.
As novas leis e os grandes processos foram símbolos importantes, noticiados em todo o mundo como marcos na luta contra o crime. Mas surtiram pouco efeito prático. A Máfia e a corrupção seguem em alta.
Em Palermo, cerca de 70% dos comerciantes ainda pagam o pizzo, a taxa cobrada pela Máfia para garantir segurança às pessoas e aos estabelecimentos. Em 2013 eram estimados mais de 2 mil filiados à Cosa Nostra apenas na capital siciliana, sem contar os demais grupos que ligam a Itália ao resto do mundo por meio do tráfico de drogas e de outros crimes.
No que se refere à corrupção, a decepção com os resultados da Mãos Limpas vem nas palavras de um dos procuradores mais destacados da operação, Gherardo Colombo: “Apesar dos 13 anos de investigações e processos, a corrupção na Itália não desapareceu. Ao contrário, a opinião geral é que esteja no mesmo nível ou até mesmo que a situação tenha piorado”. E conclui: “A Mãos Limpas é a comprovação de que o processo penal não pode reduzir a corrupção”.
Em outras palavras, as novas leis e os processos simbólicos pouco mudaram a realidade italiana.
Com alguma distância temporal e suas peculiaridades, o Brasil usou do mesmo remédio para tentar enfrentar a corrupção e o crime organizado. Foi aprovada em 2013 uma lei que define e tipifica a organização criminosa, com penas, métodos de investigação específicos e medidas cautelares próprias. A execução penal também foi recrudescida com a instituição do Regime Disciplinar Diferenciado, e as regras sobre lavagem de dinheiro tornaram-se mais duras. Seguindo o exemplo da Itália, processos simbólicos como o mensalão e a Lava Jato ocuparam manchetes e impactaram a vida política do país.
O resultado foi similar ao italiano: pequeno. O crime organizado cresceu. Só o PCC aumentou seu exército para 30 mil membros e movimenta cerca de R$ 400 milhões ao ano.
“Soldados do crime são facilmente substituídos, enquanto os líderes continuam a operar dentro das cadeias. O combate ao crime exige mais do que super-heróis e elevação de penas”No que tange à corrupção, o Brasil ocupou em 2018 sua pior posição na história do ranking de percepção do crime medido pela Transparência Internacional.
Seria o momento de repensar nossa política criminal, refletir sobre esses resultados e discutir projetos inovadores.
Infelizmente, o Pacote Moro, em tramitação na Câmara dos Deputados, insiste na mesma fórmula e conduzirá aos mesmos resultados. Limita-se ao recrudescimento de penas e medidas de execução, que podem oferecer um alento momentâneo, mas no médio prazo não significam muito.
Os soldados do crime detidos são facilmente substituídos, enquanto seus líderes continuam a operar dentro do presídio, usando as próprias condições do encarceramento para ampliar sua rede de contatos, cobrando pedágios, recrutando adeptos, organizando demandas e suprindo necessidades.
Combater a corrupção e as ordens criminosas exige propostas mais inteligentes.
Não existem soluções mágicas. É necessário dedicar tempo para repensar o sistema de colaborações premiadas, tornando-o mais seguro. Deve-se desenvolver métodos de rastreamento de patrimônio ilícito, negociar acordos mais eficientes de cooperação internacional, desenvolver sistemas de gestão de informações capazes de identificar o funcionamento das estruturas criminosas. De nada adianta aumentar anos de penas ou criar regimes severos sem a integração de dados policiais, sem a organização mínima dos cartórios onde correm os processos penais, sem a qualificação de servidores que possam levar adiante uma perícia ou uma análise contábil em tempo adequado.
O combate ao crime organizado exige mais do que super-heróis e ameaças de pena. Insistir na mesma receita é gastar tempo e dinheiro em propostas fracassadas no Brasil e no exterior, sem resolver o problema da violência e da corrupção, que continuam a afligir milhares de pessoas e a afetar profundamente as relações políticas, sociais e econômicas do país.
Pierpaolo Cruz Bottini é professor doutor da Universidade de São Paulo, membro de comissão do Instituto dos Advogados de São Paulo e integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
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