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May 19, 2019
Os outros 'rolos' de Fabrício Queiroz
Juliana Dal Piva
Faz 150 dias no próximo domingo que vieram à tona as relações
inexplicadas do policial militar da reserva Fabrício José de Queiroz, de
53 anos, com o atual senador Flávio Bolsonaro (PSL), o filho mais velho
do presidente da República. Queiroz tornou-se o epicentro de uma crise
para a primeira-família. Um relatório do Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf), enviado ao Ministério Público do Rio de
Janeiro, revelou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de
Queiroz — funcionário de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio — ao
longo de 2016. Além dos valores incompatíveis com a renda que ele
declarava (R$ 23 mil), o relatório mostrou inúmeros saques de valores
semelhantes e repasses de outros oito assessores do gabinete de Flávio
Bolsonaro para Queiroz. Surgiu até cheque no valor de R$ 24 mil para a
primeira-dama Michele Bolsonaro — pagamento de um empréstimo que seria
de R$ 40 mil, na justificativa oficial do presidente. De seu lado,
Queiroz afirmou que fazia “rolos”.
Cada detalhe do relatório do Coaf levantava a suspeita da chamada
“rachadinha” — a apropriação de parte do salário dos funcionários pelo
parlamentar. O documento — referente ainda a outros 20 deputados —
chegou às mãos do procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, José
Eduardo Gussem, em janeiro do ano passado, e, só seis meses depois, em
julho de 2018, foi pedida a abertura de uma investigação sobre a
“suposta prática de atividade de lavagem ou ocultação de bens e valores”
no âmbito do gabinete de Flávio Bolsonaro.
Fabrício Queiroz deixara o trabalho no gabinete em outubro de 2018, dois meses antes de o escândalo
tornar-se público. Além dos inusitados e frequentes repasses, paira
sobre o grupo de ex-assessores do filho do presidente a suspeita de que
muitos nem sequer trabalhavam efetivamente para o mandato. ÉPOCA apurou
que jamais foram emitidos crachás para trabalhar na Alerj de quatro dos
oito ex-assessores citados no relatório do Coaf: Nathália Melo de
Queiroz, Márcia de Oliveira Aguiar - respectivamente, filha e mulher de
Queiroz-, Luiza Souza Paes e Raimunda Veras Magalhães.
O procedimento é tão delicado que o senador já tentou duas vezes travar a
investigação com pedidos na Justiça. A primeira com o STF, em janeiro. A
segunda com o Tribunal de Justiça do Rio, na semana passada — quando
ele pediu um habeas corpus preventivo. Ambos foram negados.
Enquanto Flávio tenta barrar a investigação, ninguém sabe o destino de
Queiroz desde janeiro. Informações vagas e nunca confirmadas dizem que
agora está em São Paulo, recuperando-se de cirurgia médica.
Na viela em que fica a casa da família Queiroz, no bairro da Taquara,
Rio de Janeiro, impera o silêncio desde dezembro do ano passado. Os
vizinhos, colados à casa de fachada verde, dizem não saber de nada, mas
aparentemente cuidam do local, porque não se acumulam correspondências
na porta, que possui abertura para a rua na parte inferior. Sua família
também não é vista por lá nem em outros endereços declarados como
residência por Queiroz, na Freguesia, Zona Oeste do Rio. Apenas Nathalia
Queiroz, filha mais velha do policial, voltou a trabalhar como personal
trainer na Barra da Tijuca.
A relação de Queiroz com o clã é antiga. Mineiro de Belo Horizonte, o
soldado Fabrício José de Queiroz conheceu o capitão Jair Messias
Bolsonaro na Brigada Paraquedista, da Vila Militar do Exército no Rio de
Janeiro, em 1984. Os dois iriam trilhar caminhos distantes da carreira
no Exército, mas manteriam a amizade pública durante todo esse tempo. As
redes sociais de Queiroz e de sua família registram a presença das duas
famílias em perfeita sintonia e intimidade durante pescarias, jogos de
futebol, atos de campanha e churrascos de confraternização. Tanto que
Queiroz ostenta até hoje uma imagem dele - vestindo uma camisa preta com
a inscrição "os 7 pecados capitais" - pescando ao lado de Bolsonaro em
Angra dos Reis, em 2013.
Há quatro anos, quando Bolsonaro começava a se projetar candidato a
presidente, o casal Queiroz esteve em seu aniversário. Márcia de
Oliveira Aguiar, mulher de Queiroz, registrou sua presença no
restaurante Fratelli, em 21 de março de 2015. O local fica a 500 metros
do Condomínio Vivendas da Barra, onde o agora presidente mora.
Queiroz também foi companheiro de arquibancada do presidente. Em 25 de
julho do ano passado, ele esteve no Maracanã com o presidente e o agora
deputado Hélio Bolsonaro em um jogo do Fluminense. Vascaíno, gastava
tempo reclamando do Flamengo. Nas palavras do próprio presidente em uma
entrevista ao SBT, Queiroz "sempre gozou de toda a minha confiança"
embora soubesse que ele mantinha uma situação financeira atribulada e
"fazia rolo" - situação que não impediu que ele fosse coordenador da
segurança e chefe informal de gabinete. Agora, porém, todos ficam à
distância.
A festa de aniversário do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ) em 2
de dezembro de 2018 marcou a última vez que foi visto por integrantes
do PSL. Com um copo na mão e abraçado ao parlamentar, Queiroz pousou
sorridente para as fotos. “Nós nos conhecemos durante a campanha de 2016
e ficamos amigos”, contou Amorim, sentado em uma poltrona na antessala
do plenário da Assembleia Legislativa do Rio, a chamada ‘furna da onça’.
A comemoração, apenas para os mais íntimos, foi em um salão na Barra da
Tijuca. Depois nem Amorim, nem a trupe com quem ele costumava andar
para cima e para baixo desfilando camisas amarelas em campanha o viu
mais. Sabem apenas que ele segue em São Paulo.
O MP do Rio só foi bater na porta de Queiroz em 29 de novembro de 2018.
Duas semanas depois que a Polícia Federal colocou na rua a Operação
Furna da Onça e o juiz federal Marcelo Bretas mandou para trás das
grades dez parlamentares estaduais em mais uma ação da força-tarefa da
Lava Jato fluminense. Entre os documentos que embasaram a investigação
da PF e da força-tarefa do MPF no Rio estava o relatório do Coaf parado
ao longo de todo o ano no MP estadual.
Com acesso exclusivo aos autos, ÉPOCA descobriu que, quando o MP
finalmente foi procurar Queiroz em um endereço no bairro da Praça Seca, o
oficial de Justiça foi recebido por Débora Melo de Queiroz, sua
ex-mulher. Ela se prontificou a receber o documento, mas informou que o
ex-companheiro “se mudou para Curicica, em endereço que não soube
precisar”. Curicica, bairro na Zona Oeste do Rio de Janeiro controlado
por milicianos, é tido como área de domínio de Orlando Curicica,
miliciano preso na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do
Norte, e um dos investigados pela morte da vereadora Marielle Franco
(PSOL) e do motorista Anderson Gomes, no ano passado. Queiroz, então,
teve de ser notificado por telefone. Débora, como os outros parentes
dele, saiu de casa e não foi mais encontrada.
Intimação foi entregue a ex-mulher de Queiroz; ele estaria em Curicica. Foto: Juliana Dal Piva / EPOCA
Começou uma operação para tirá-lo de cena. Queiroz deu poderes para o
advogado Cezar Augusto Tanner de Lima Alves - ex-corregedor da PM -
representá-lo. Informou como endereço, um apartamento na Freguesia, onde
moravam duas de suas filhas. Pediu o adiamento do primeiro depoimento -
previsto para o dia 4 de dezembro - solicitando acesso aos autos e o
esclarecimento: seria ouvido como testemunha ou como investigado?
A nova data seria 6 de dezembro, mas o “rolo” foi divulgado no jornal O
Estado de S. Paulo, o que motivou novo pedido de adiamento - para o dia
19. A defesa dizia não ter a íntegra dos autos. Mas esse depoimento
também não aconteceu porque Queiroz trocou de defensor justo na data
marcada. Procurado, Tanner limitou-se a dizer que deixou o caso.
Quando o advogado Paulo Klein assumiu sua defesa, Queiroz submergiu. O
entorno bolsonarista conta que essas mudanças todas se devem à ação do
advogado paulista Frederick Wassef - entusiasta de Jair Bolsonaro que o
acompanhou em jogos do Palmeiras e visitas no Consulado Americano.
Responsável pelas estratégias jurídicas dos processos do presidente no
STF até meados do ano passado, "Fred", como é conhecido, entrou no radar
para decidir a linha de defesa.
“A ficha de Queiroz registra uma acusação de violência contra a
mulher e um inquérito por tentativa de extorsão contra um suposto
traficante. Desde a cirurgia em janeiro, ele está longe de casa”
Assim, pouco antes do recesso de fim de ano, Queiroz e a família
deixaram o Rio, e ele começou a relatar ao MP problemas de saúde. Em 19
de dezembro, já estava em São Paulo para uma consulta — de R$ 700 — com o
urologista e cirurgião Wladimir Alfer Júnior. Atendido no Hospital
Israelita Albert Einstein, na unidade do bairro do Morumbi, na Zona Sul
da cidade, ele ficaria para uma bateria de exames com o médico, que é
pesquisador de urologia pela Harvard Medical School e doutor pela
Universidade de São Paulo.
Nos dias seguintes, Queiroz foi encaminhado ao cirurgião e
gastroenterologista Pedro Custódio de Melo Borges, outro médico
conceituado, que cuidou do ex-jogador Sócrates antes de o ídolo do
Corinthians falecer em 2010. Borges também cobra R$ 700 por consulta.
Diagnosticado com câncer no intestino, Queiroz não foi prestar
esclarecimentos ao MP, mas apareceu para uma entrevista.
A única vez que falou do caso foi para o SBT, em 26 de dezembro, quando
ensaiou uma tentativa de explicar que “fazia rolos”. Disse que os
valores altos de sua conta vinham também de vendas e compras de carros.
Mas tudo que o MP achou em seu nome foram dois carros antigos. Um Ford
Del Rey Belina marrom, modelo 1985-86, e um Voyage preto, modelo
2009-10. Um funcionário antigo da Assembleia Legislativa que sempre o
via pelos corredores e é tido como a “Wikipédia da Alerj” disse que
Queiroz era simpático, mas riu da justificativa. “Nunca ofereceu carro,
não”, contou ele a ÉPOCA.
Queiroz foi internado no Hospital Albert Einstein no dia 30 de dezembro e
lá foi operado para a retirada de um tumor no intestino, no primeiro
dia do ano. Depois, permaneceu internado até o dia 8 de janeiro. Segundo
sua defesa, ele segue em tratamento em São Paulo — tanto que depôs por
escrito, admitindo, por fim, que pegava parte dos salários dos
funcionários para supostamente contratar mais pessoas, fora da Alerj.
Dois meses depois, ainda não apresentou a lista desse “gabinete
estendido”. A família segue com ele fora do Rio e postou fotos,
recentemente, no santuário de Aparecida, em São Paulo. O ex-assessor
disse que os valores em sua conta se referem a salários de outros
membros da família e a ganhos obtidos na informalidade com compra e
venda de veículos e eletrônicos e “todo e qualquer produto que pudesse
lhe garantir uma renda extra”.
No TJ do Rio, existem registros de outros “rolos” de Queiroz. Alguns
reforçam que ele usava parentes como funcionários fantasmas no gabinete
de Flávio Bolsonaro. Em março de 2008, quando Queiroz já trabalhava no
gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro sua atual
companheira, Márcia de Oliveira Aguiar, o denunciou por agressão.
Márcia Aguiar declara-se
cabeleireira ao desistir do pedido de medida protetiva. Ela estava
lotado no gabinete de Flávio Bolsonaro. Foto: Juliana Dal Piva / EPOCA
No mês seguinte, ao retirar o pedido de medida protetiva, ela fez uma
declaração de próprio punho. Mesmo lotada como consultora especial para
assuntos parlamentares de Flávio Bolsonaro na Alerj, ela disse que sua
profissão era "cabeleireira". “Declaro que não preciso de proteção
(medida protetiva) e não pretendo continuar com o processo criminal”,
escreveu.
O inquérito foi encerrado em 2010. Nesse período, Queiroz já era
funcionário de Flávio e recebia cerca de R$ 9 mil. Márcia, como
consultora parlamentar, tinha um salário de cerca de R$ 6,5 mil. O casal
permanece junto até hoje e ela própria também é investigada pelo MP em
função do relatório do Coaf.
Queiroz também deixou rastros de “rolos” do tempo em que patrulhava as
ruas do Rio de Janeiro como policial militar. Ele entrou para a PM em
1987 e passou à reserva remunerada no ano passado. Com atuação na região
de Jacarepaguá, ele chegou a receber em 1997 a "gratificação faroeste",
benefício concedido na gestão Marcello Alencar (1995-98) para policiais
que participavam de confrontos com criminosos. No decreto, ainda
soldado, ficou registrado que Queiroz esteve em "ações policiais,
demonstrando alto preparo profissional ao agir com destemida coragem
para alcançar o sucesso das missões".
Um ano depois, porém, outro episódio marcou sua carreira em sentido
oposto. Na sexta-feira 2 de outubro de 1998, Queiroz, então sargento,
fazia um patrulhamento na Cidade de Deus com o colega e também sargento
Fábio Corbiniano de Figueiredo, ambos a serviço do 18º Batalhão de
Polícia Militar de Jacarepaguá. Como em outras ocasiões, a ronda da
manhã terminou com uma prisão, e os dois tiveram de ir registrar um
boletim de ocorrência na 32ª Delegacia de Polícia.
A história contada para o delegado Henrique Sampaio era a seguinte:
Queiroz e Figueiredo estavam no Conjunto Residencial Jardim do Amanhã,
em uma favela denominada Karatê, quando um homem se pôs a correr depois
que os avistou. Assim, os policiais disseram que “o renderam e o
cercaram e a seguir efetuaram a revista, que encontrou nos bolsos droga e
na cintura a arma”. Tratava-se de uma pistola de marca Colt, calibre
.45, com seis cartuchos.
No boletim de ocorrência, os policiais relataram ainda que o homem
detido tinha um saco plástico da cor branca contendo 73 sacolés com um
pó branco e cristalino. Queiroz afirmou ao delegado “que o indiciado
confessou que efetivamente estava com a droga para vender naquele local a
R$ 3 cada sacolé”. Mais: contou que o homem teria admitido a ele e a
seu colega que já tinha cumprido 24 anos de pena por roubo e homicídio,
mas estava em liberdade condicional cumprindo os últimos seis anos.
Durante o momento do registro, o delegado identificou o nome completo do
homem detido por Queiroz e seu parceiro: Jorge Marcelo da Paixão,
conhecido também por “Gim Macaco”. A delegacia chegou a produzir um
"relatório de vida pregressa" na qual descreveu o acusado. O delegado
assinalou com "x" que ele tinha cor "preta", estado civil "solteiro" e
sua religião era "católica". Paixão, tinha 47 anos, era mecânico, mas
estava desempregado. Morava no conjunto habitacional Jardim do Amanhã,
com uma companheira e enteada e sobrevivia de biscates como pedreiro e
mecânico. Defeitos físicos não foram assinalados, apenas um "vício":
fuma cigarros. No campo "estado de ânimo (antes, durante, após)" foi
descrito que "mostrou-se calmo". O preso “se reservou o direito de
prestar as declarações em juízo”. Não negou nem confirmou as acusações.
Os antecedentes criminais de Jorge Marcelo da Paixão, de fato, existem.
No livro Comando Vermelho, a história do crime organizado, o autor
Carlos Amorim, o retrata como soldado da Falange Jacaré, do Comando
Vermelho. Preso por roubo qualificado e homicídio em 1973, ele chegou a
conviver com presos políticos no presídio de Ilha Grande. Nesse período,
não foi incomum encontrá-lo nas páginas policiais de jornais devido a
tentativas de fuga e rebeliões.
Devido ao flagrante, o MP ofereceu denúncia contra Paixão duas semanas
depois da prisão. A 2ª Vara Criminal do Foro Regional de Jacarepaguá
aceitou a acusação e o transformou em réu no dia seguinte. Como estava
em liberdade condicional, Paixão teve de aguardar o julgamento preso na
carceragem da 32ª DP. Só foi colocado na frente de um juiz para dar sua
versão um mês depois da prisão, e a história dele era bastante diferente
da que Queiroz e seu colega haviam contado na delegacia.
Na tarde de 3 de novembro de 1998, Paixão contou à juíza Andrea Fortuna
Teixeira, da 2ª Vara Criminal de Jacarepaguá, que não foi preso na rua.
Pelo contrário, estava na casa de uma vizinha trabalhando como mecânico.
Em 30 minutos, ele disse à magistrada que a “polícia foi ao local e
prendeu o depoente com o objetivo de tirar dinheiro, que os policiais
disseram que, se o depoente não desse R$ 20 mil, seria embuchado”. Disse
mais. Diversas pessoas da comunidade tinham presenciado tudo. Até a
alegada chantagem. Ele admitiu que sua condição de condenado e negou
portar qualquer arma ou droga. Não tinha advogado.
Queiroz no hospital Albert
Einstein em São Paulo. Ele ficou oito dias internado após a retirada de
um tumor do intestino. Foto: Reprodução
Dias depois, quatro testemunhas de defesa foram ouvidas em juízo e
confirmaram com detalhes o relato de Paixão. Inclusive a dona da casa
onde tudo aconteceu, Dulcelina Arcangela dos Santos. Ela explicou que
tinha acabado de fazer café quando a “polícia bateu na porta e entrou no
barraco, prendendo o acusado dentro da casa da depoente”. Santos contou
não ter presenciado o início da conversa dos policiais com Paixão, mas
ouviu quando ele disse aos policiais: “Não tenho de onde tirar R$ 20
mil”.
Em poucos minutos, toda a vizinhança sabia o que estava acontecendo e a
companheira de Paixão chegou. O vizinho da frente, Raimundo Nonato Alves
da Silva, também ouviu e contou o mesmo no tribunal. “Vi o policial
dizer para o acusado que, já que ele não tinha o dinheiro, ele ‘seria
levado na dura’”, afirmou Silva, em juízo. Edimilton Francisco de Souza,
outro morador da rua, vinha da padaria quando deparou com a confusão na
casa de Santos. Ao se aproximar da aglomeração, “viu que a esposa do
acusado estava muito nervosa, dizia que ele não estava envolvido e que
não tinha dinheiro”. Ele acrescentou que assistiu quando os policiais
disseram “que sem o dinheiro não havia como não levar o acusado”.
A companheira de Paixão, Lucinete Germano de Souza, foi a última
testemunha de defesa. Repetiu que foi chantageada pelos policiais por R$
20 mil e tentou argumentar para que o companheiro não fosse preso, sem
sucesso. “O policial falou que seria a palavra do acusado contra a
palavra do policial”, relatou ela, para a juíza. Queiroz e o sargento
Fábio Corbiniano de Figueiredo mantiveram sua versão da história perante
a juíza. Acrescentaram apenas que não estavam sozinhos. Outros quatro
policiais estavam dentro da viatura quando tudo ocorreu. Eles, porém,
não serviram de testemunha na ocorrência.
Relatório final do MP sobre o flagrante feito por Queiroz. Foto: Juliana Dal Piva / EPOCA
Os depoimentos enfureceram a promotoria e viraram o jogo. Ao apresentar
as alegações finais, em 28 de janeiro de 1999, o MP descreveu que a
denúncia dos policiais “foi fortemente atacada” pelas testemunhas.
“Todas elas afirmaram que o acusado foi preso dentro da residência de
Dulcelina Arcangela dos Santos e que os milicianos ainda exigiram certa
quantia em dinheiro para livrarem o denunciado do flagrante”, anotou, à
época, o promotor Felipe Rafael Ibeas. Ao considerar “relevante dúvida”,
o MP não apenas pediu a absolvição do réu, mas também mandou os PMs
serem investigados pela corregedoria, pela Justiça Militar e pela 1ª
Central de Inquéritos por prática de falso testemunho, denunciação
caluniosa e abuso de autoridade.
A mão da juíza foi ainda mais pesada sobre os policiais. Na sentença, a
magistrada questionou por que os outros policiais que estavam na viatura
não foram relacionados como testemunhas. E mais. Fez uma simples conta
matemática para verificar a impossibilidade da história dos 73 sacolés. O
laudo pericial apontou 14 gramas de cloridrato de cocaína no saco
plástico entregue. Se os mesmos fossem divididos em 73 sacolés, restaria
0,19 grama por embalagem. Segundo ela, uma quantidade “ínfima” demais
para ser comercializada desse modo. Assim, pela fragilidade das provas, a
magistrada absolveu o réu, que ficou quase cinco meses preso.
Conclusão de Corregedoria da PM do Rio sobre o caso. Foto: Juliana Dal Piva / EPOCA
Mas, se o caso se encerrava para Paixão, outro se iniciava para Queiroz e
Figueiredo. O corregedor-geral da PM à época, Francisco de Paula
Araújo, abriu sindicância e concluiu pela “existência de indícios de
crime militar”, o que o fez abrir um inquérito policial-militar (IPM),
que nunca foi concluído. Na ocasião, comandava a PM do Rio, o coronel
Sérgio da Cruz. Só que, nos autos, não consta decisão dele até janeiro
de 2001. Nessa época, o comandante da PM era outro, o coronel Wilton
Soares Ribeiro. O MP resolveu então arquivar o caso à espera da
conclusão do IPM. Procurada, a PM não respondeu porque o inquérito
jamais foi concluído. Jorge Marcelo da Paixão morreu em 21 de dezembro
de 2008 em um tiroteio na Cidade de Deus. Os familiares não quiseram
falar sobre o caso.
Queiroz gozava de confiança e muita autonomia no gabinete de Flávio
Bolsonaro. É descrito como quem produzia os itinerários das agendas do
parlamentar e autorizava ou não os trajetos durante caminhadas e
carreatas. Papel que ele também desempenhou na disputa do Senado de
2018. Em outubro do ano passado, de modo pouco explicado, Queiroz
decidiu passar a reserva remunerada da PM e deixou o cargo que tinha na
Alerj desde 2007. No mesmo dia, a filha Nathália Queiroz, personal
trainer que figurava como assessora de Jair Bolsonaro também foi
exonerada.
Antes disso, ela fora do gabinete de Flávio por quase uma década. Além
dela, outros quatro parentes de Queiroz também conseguiram vagas no
mandato por sua indicação: Márcia de Oliveira Aguiar ( atual mulher),
Evelyn Melo de Queiroz (filha), Evelyn Mayara Gerbatim (enteada) e
Marcio Gerbatim (ex-marido de Márcia). As duas Evelyns saíram apenas em
janeiro, último mês antes de Flávio ir para o Senado. Mas nem elas ou
mesmo os outros funcionários investigados foram vistos cumprindo
expediente na Alerj depois que o caso veio à tona.
Além de seus parentes, outros seis assessores trabalharam no gabinete de
Flávio Bolsonaro por indicação de Queiroz - cinco aparecem no relatório
do Coaf fazendo repasses para ele em dias de pagamento da Alerj.
Como foi o caso de Raimunda Veras Magalhães
, mãe do ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, tido pelo MP do Rio
como o homem-forte do Escritório do Crime, organização suspeita do
assassinato de Marielle Franco. O ex-policial foi alvo de um mandado de
prisão em janeiro, mas segue foragido. Queiroz também empregou no
gabinete Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, mulher de Adriano. O
ex-capitão do Bope chegou até a ser homenageado pelo senador na Alerj.
As investigações caminham devagar desde que o caso começou. Em dezembro,
a Divisão de Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro e à Corrupção
do MP entregou um relatório detalhado sobre Raimunda e Danielle e seu
parentesco com o capitão Adriano. As duas, porém, foram intimadas a
depor, mas não foram ouvidas, como a maioria dos ex-assessores.
Até agora apenas um assessor prestou esclarecimentos. Agostinho Moraes,
que também atuava como segurança e referiu-se a Queiroz como "chefe de
gabinete". Ele negou que devolvesse parte do salário, mas admitiu
entregava R$ 4 mil por mês para fazer um "investimento" e obter ganhos a
partir das compras e vendas de carros que Queiroz, supostamente, fazia.
O MP não informa oficialmente sobre nenhum avanço no caso, mas ÉPOCA
apurou que só em dezembro também o MP avaliou detidamente um segundo
Relatório de Inteligência Financeira (RIF) do Coaf entregue ao MP de
janeiro em 16 de julho. Esse documento foi enviado de modo a
complementar ao primeiro que deflagrou toda a investigação. Neste, o
Coaf identificou uma primeira movimentação atípica do senador Flavio
Bolsonaro (PSL-RJ) entre agosto de 2017 e janeiro de 2018.
Segundo o órgão, os valores movimentados no período se mostraram
incompatíveis com seus vencimentos. No documento, o Coaf apontou uma
movimentação atípica no total de R$ 632,2 mil durante esses seis meses.
No texto encaminhado ao MP do Rio, está descrito “suspeição: nossa
comunicação foi motivada em razão do cliente movimentar recursos
superiores a sua capacidade financeira”.
No período apontado pelo Coaf, a conta de Flávio Bolsonaro recebeu
depósitos no total de R$ 337,5 mil - 39% do montante (R$ 131,5 mil)
refere-se a depósitos de seu salário como parlamentar. Outros R$ 120 mil
foram oriundos de oito transferências eletrônicas de uma empresa de
chocolates da qual o parlamentar é sócio. Assim, somando o que foi
recebido pela sua empresa de chocolates, não fica identificada a origem
de R$ 85,9 mil.
Depois disso é que o MP pediu que o Coaf ampliasse a consulta e
identificou os 48 depósitos fracionados no caixa da Alerj, em sua
maioria no valor de R$ 2 mil, que totalizaram R$ 96 mil, entre junho e
julho de 2017. Esse relatório foi revelado pelo Jornal Nacional em
janeiro. Na ocasião, o senador informou que os depósitos foram feitos
com valores oriundos da venda de um apartamento. "Tentam de uma forma
muito baixa insinuar que a origem desse dinheiro tem a ver com um
ex-assessor meu ou terceiros. Não tem. Explico mais uma vez. Sou
empresário, o que ganho na minha empresa é muito mais do que como
deputado. Não vivo só do salário de deputado", disse Flávio Bolsonaro, à
época.
A defesa de Queiroz disse que o advogado Paulo Klein atua sozinho no
caso. Segundo ele, ainda não surgiu o momento adequado para a entrega da
lista de funcionários que o policial teria contratado ou para que
Márcia de Oliveira Aguiar ou Nathalia Queiroz prestem esclarecimentos.
Aguiar teria se declarado “cabeleireira” porque “o sistema da polícia
civil não tem como opção a figura de assessor parlamentar”. A falta de
crachás das duas na Alerj nunca teria impedido suas atividades. Segundo
nota, Fabrício Queiroz permanece em São Paulo para tratamento médico.
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