Ana Lucia Azevedo
A Medida Provisória 867/2018 aprovada pela Câmara dos Deputados desmantela a estrutura do Código Florestal brasileiro (Lei 12.651/2012), com implicações comerciais, ambientais e jurídicas. O cerne da questão está nos destaques (jabutis, no jargão da política) incorporados pelo texto do relator, o deputado ruralista Sergio Souza (MDB-PR).
A MP representa menos floresta para recuperar, insegurança jurídica sobre o uso da terra, potenciais dificuldades para o agronegócio exportar e para o Brasil cumprir suas metas voluntárias no Acordo de Paris .
Sua aprovação carrega, sobretudo, a mensagem de que cumprir a lei não é um bom negócio no Brasil, onde a legislação foi agora modificada para perdoar dívidas e crime ambiental. Serão os 4% dos proprietários rurais do país que não se adequaram ao Código Florestal os beneficiários da anistia a desmatadores concedida pela MP.
O Código Florestal (Lei 12.651/2012) é uma das legislações mais negociadas da História do país, aprovada após 11 anos de discussões no Congresso. Ele teve a constitucionalidade validada em 2018 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). É resultado de um pacto entre governo, agronegócio, academia e ambientalistas — e todos cederam. A MP descombina o acertado e trouxe regras novas para perdoar quem não cumpriu o que mandava a lei.
Na visão de especialistas em legislação ambiental, a chamada função socioambiental da propriedade prevista pela Constituição (artigos 5, 170 e 225), por exemplo, é violada, o que dá margem a ações de inconstitucionalidade. Além disso, quem cumpriu a lei pode se sentir prejudicado e recorrer à Justiça, bem como quem não concordar com os parâmetros adotados para estabelecer as datas de proteção de biomas.
Outro problema à vista são mecanismos de financiamento internacional, já que os grandes bancos têm instrumentos de responsabilidade solidária com acordos ambientais.
O Observatório do Código Florestal estima que a MP consolida o desmatamento de uma área entre 4 e 5 milhões de hectares vegetação nativa, que não mais precisarão ser restaurados. Isso põe em risco o cumprimento da meta voluntária apresentada pelo Brasil no Acordo de Paris de restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa.
E o Acordo de Paris em risco é outra mensagem negativa para o mercado consumidor, principalmente o europeu. Países como França e Alemanha já deixaram claro que não comprarão produtos vindos de áreas desmatadas.
Pela MP, proprietários que desmataram ilegalmente não mais precisarão recompor as áreas afetadas para se regularizar em imóveis rurais no Cerrado, no Pampa, na Caatinga e no Pantanal, se derrubaram a vegetação nativa quando a lei assim o permitia. Porém, a MP usa como referência para esses biomas leis recentes em vez da legislação original, o primeiro Código Florestal, de 1934.
Como frisa Mercedes Bustamante, professora de ecologia da Universidade de Brasília e integrante da Coalizão Ciência & Sociedade, está mais do que na hora de tirar a questão ambiental do gueto e mostrar que o meio ambiente diz respeito a todos.
Já houve um tempo em que cortar árvores ilegalmente significava perda da fazenda e condenação à morte no Brasil. Em 1605, era essa a pena prevista pelo Regimento do Pau Brasil. Agora, muda-se a lei para perdoar quem a infringiu.
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