Conrado Hübner Mendes
O MBLO (Movimento Brasil Livre do Outro) é o movimento social mais antigo da história do país. Depois de completar cinco séculos de existência, tendo sobrevivido a adversários como a abolição, a democracia e as liberdades civis, tomou anabolizante e voltou a latir de raiva e medo. Seu maior militante do século XXI ganhou a Presidência da República. “Aconteceu”, diz ele. O grosso dessa militância está nas ruas, no trabalho, até dentro de casa. Constrói muros reais e metafóricos no espaço público, invade terra indígena, bota fogo em barraco para liberar o empreendimento, protege-se com arma de fogo e carro blindado.No Índice de Repugnância Bolsonara (IRB), que permite dar expressão quantitativa ao código de ética da nova era, essas reações estão na dianteira. Esse código, só para lembrar, não é para os fracos: recomenda isentar mulher feia de estupro, tratar suspeito com tortura e filho afeminado com porrada. São as conhecidas palavras do líder, em sua militância contra a “geração de maricas”
No curto período como vereadora, Marielle apresentou 16 projetos de lei, dos quais sete foram aprovados (cinco depois de sua morte). Entre os temas, a regulação do trabalho de mototaxistas, a fiscalização de contratos da prefeitura, a criação de creches noturnas, o combate à violência contra a mulher. Denunciou esquemas de corrupção na cidade, esteve ao lado de familiares de policiais mortos em serviço e exigiu que os crimes fossem investigados. Propostas radicais não por serem de esquerda ou de direita, mas talvez por incomodarem um estado dominado pelo crime organizado. As hipóteses que explicam o atentado permanecem implausíveis e a continuidade da investigação, depois das primeiras prisões, é um desafio institucional.
Homenagens públicas espalham-se pelo mundo. Marielle virou nome de rua na Alemanha, estação de metrô em Buenos Aires e está próxima de virar nome de rua em Florença e de praça em Paris. Foi tema de congresso e de curso da filósofa Angela Davis em Princeton. A Universidade Johns Hopkins criou a “Marielle Franco Fund” para conceder bolsas de estudo. No Brasil, inspirou geração de mulheres a disputar eleições, foi mote de samba-enredo da escola campeã do Carnaval carioca e é celebrada nos muros e manifestações pelo país.
“A placa com seu nome tornou-se símbolo de um compromisso fundamental de decência política”Marielle continuará a representar, com outras figuras históricas, a ameaça de um Brasil melhor. Quer dizer: a ameaça de um país que distribui liberdade igualmente; que considera qualquer tipo de servidão um problema de interesse público e a autonomia econômica de cada indivíduo uma prioridade; onde favela e presídio conseguem ser vistos; onde sala de aula não é lugar do inimigo, mas de emancipação; onde policial, professor e médico são valorizados e respeitados; onde há espaço para mulheres, negros e orientações sexuais que a natureza permitiu e o deus dos outros proibiu; onde a família “de bem” é tão diversa e plural quanto quiser. Uma revolução liberal que Paulo Guedes desconhece e o astrólogo da Virgínia abomina. Essa ameaça o presidente não tolera. Não orna o seu mundo em preto e branco. Seu sonho, como disse em Washington, é libertar o Brasil que ele vê em seu espelho dos outros Brasis que ele tem medo de experimentar. Essa “libertação”, não se engane, é liberticida. Está nos estatutos do MBLO.
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