May 13, 2019

O MBLO não suporta Marielle


Conrado Hubner Mendes Foto: Davilym Dourado / Divulgação

Conrado Hübner Mendes

O MBLO (Movimento Brasil Livre do Outro) é o movimento social mais antigo da história do país. Depois de completar cinco séculos de existência, tendo sobrevivido a adversários como a abolição, a democracia e as liberdades civis, tomou anabolizante e voltou a latir de raiva e medo. Seu maior militante do século XXI ganhou a Presidência da República. “Aconteceu”, diz ele. O grosso dessa militância está nas ruas, no trabalho, até dentro de casa. Constrói muros reais e metafóricos no espaço público, invade terra indígena, bota fogo em barraco para liberar o empreendimento, protege-se com arma de fogo e carro blindado.
Esse movimento social nunca foi de muitas luzes. Um ano atrás, cometeu mais um de seus erros históricos e metralhou Marielle Franco e Anderson Gomes. Sua ala criminal-miliciana resolveu fazer o serviço sujo e assim transformou a vereadora carioca no mais meteórico símbolo nacional e global de dignidade política. O passo seguinte foi difamá-la, tal como fez a desembargadora carioca que afirmou ser Marielle “engajada com bandidos”, ou equiparar o atentado a um crime comum numa cidade violenta em que todos podem morrer. Jair Bolsonaro, pré-candidato, achou melhor não se manifestar, porque sua opinião “seria polêmica demais”. Em comício, dois candidatos a deputado quebravam a placa de homenagem a Marielle na companhia do candidato Wilson Witzel, enquanto um gritava “Nós vamos varrer esses vagabundos”. Na semana passada, um grupo de deputados tentou inviabilizar uma homenagem a Marielle no Congresso por meio de uma caixa de som que tocava em alto volume latidos de cachorro.
No Índice de Repugnância Bolsonara (IRB), que permite dar expressão quantitativa ao código de ética da nova era, essas reações estão na dianteira. Esse código, só para lembrar, não é para os fracos: recomenda isentar mulher feia de estupro, tratar suspeito com tortura e filho afeminado com porrada. São as conhecidas palavras do líder, em sua militância contra a “geração de maricas”


No curto período como vereadora, Marielle apresentou 16 projetos de lei, dos quais sete foram aprovados (cinco depois de sua morte). Entre os temas, a regulação do trabalho de mototaxistas, a fiscalização de contratos da prefeitura, a criação de creches noturnas, o combate à violência contra a mulher. Denunciou esquemas de corrupção na cidade, esteve ao lado de familiares de policiais mortos em serviço e exigiu que os crimes fossem investigados. Propostas radicais não por serem de esquerda ou de direita, mas talvez por incomodarem um estado dominado pelo crime organizado. As hipóteses que explicam o atentado permanecem implausíveis e a continuidade da investigação, depois das primeiras prisões, é um desafio institucional.
Homenagens públicas espalham-se pelo mundo. Marielle virou nome de rua na Alemanha, estação de metrô em Buenos Aires e está próxima de virar nome de rua em Florença e de praça em Paris. Foi tema de congresso e de curso da filósofa Angela Davis em Princeton. A Universidade Johns Hopkins criou a “Marielle Franco Fund” para conceder bolsas de estudo. No Brasil, inspirou geração de mulheres a disputar eleições, foi mote de samba-enredo da escola campeã do Carnaval carioca e é celebrada nos muros e manifestações pelo país.
“A placa com seu nome tornou-se símbolo de um compromisso fundamental de decência política”
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Marielle continuará a representar, com outras figuras históricas, a ameaça de um Brasil melhor. Quer dizer: a ameaça de um país que distribui liberdade igualmente; que considera qualquer tipo de servidão um problema de interesse público e a autonomia econômica de cada indivíduo uma prioridade; onde favela e presídio conseguem ser vistos; onde sala de aula não é lugar do inimigo, mas de emancipação; onde policial, professor e médico são valorizados e respeitados; onde há espaço para mulheres, negros e orientações sexuais que a natureza permitiu e o deus dos outros proibiu; onde a família “de bem” é tão diversa e plural quanto quiser. Uma revolução liberal que Paulo Guedes desconhece e o astrólogo da Virgínia abomina. Essa ameaça o presidente não tolera. Não orna o seu mundo em preto e branco. Seu sonho, como disse em Washington, é libertar o Brasil que ele vê em seu espelho dos outros Brasis que ele tem medo de experimentar. Essa “libertação”, não se engane, é liberticida. Está nos estatutos do MBLO.

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