Pablo Ortellado
O pior aconteceu. Um candidato com posições muito extremas, que fez seguidas declarações desprezando os direitos humanos, defendendo as execuções extrajudiciais, desprezando o Congresso, combatendo a independência dos poderes, atacando a liberdade de imprensa e que, além de tudo, ofendeu mulheres, negros e homossexuais —esse candidato, com a plataforma mais abominável, foi eleito presidente, pelo voto.
Há duas tarefas para aqueles que discordaram da eleição de Bolsonaro: escutar e resistir. Parece contraditório propor simultaneamente escutar e resistir, mas os objetos são diferentes —é preciso escutar os eleitores e é preciso fazer oposição ao governo.
Sem dúvida, a tarefa mais desafiadora é escutar. Aqueles que estão perplexos com essa eleição já se deram conta, a esta altura, de que perderam contato com a base da sociedade.
Muitas vezes, porém, queremos refazer esse vínculo, mas com o intuito exclusivo de que seja a sociedade a nos escutar. Queremos influenciar, mas não queremos ser influenciados de volta.
Para estabelecer esse contato, será preciso começar a falar para um público que não dá atenção aos professores, aos jornalistas, aos artistas e aos ativistas e que nos trata, com alguma razão, como uma elite progressista arrogante.
Se quisermos, com humildade, estabelecer essa interlocução, vai ser preciso, na mesma medida em que buscamos transformá-la, nos deixarmos transformar por ela.
Vamos ter que gastar menos energia nos tornando mais puros e, assim, cada vez mais diferentes e mais destacados da sociedade e atacar os problemas de desigualdade e opressão que nos afligem segundo os modos, as ênfases e as prioridades da maioria das pessoas que os vivem.
Simultaneamente a essa tarefa, é preciso fazer oposição democrática ao governo Bolsonaro a partir do primeiro dia.
Sem dúvida, as declarações de Bolsonaro e de seus colaboradores mais próximos puseram no horizonte que os limites constitucionais podem não ser respeitados. Mas entre colocar no horizonte e fazer há ainda certa distância. E é dever da oposição não colaborar para consolidar o imaginário autoritário.
Neste momento, é preciso como nunca fortalecer a imprensa, o Judiciário, o Ministério Público, as ONGs e a sociedade civil, garantindo sua independência e seu caráter permanentemente vigilante.
Apenas essa combinação de força das instituições e vigor da sociedade podem garantir que Bolsonaro não governe atropelando as regras, como fizeram Duterte, Maduro ou Erdogan, mas seja constrangido e limitado como, de alguma maneira, têm sido Trump e os populistas de direita na Europa.
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