OTAVIO COSTA
Quando se vê a mobilização de artistas, intelectuais e
universitários contra Jair Bolsonaro aqui na Cidade Maravilhosa, tem-se
a impressão de que o ex-capitão vai levar uma coça nas urnas no Rio de
Janeiro. Mas a realidade é bem diferente. Pela última pesquisa do Ibope,
divulgada na terça-feira 18, o candidato do PSL aparece disparado na
frente com 37% das intenções de voto. Um abismo o separa de Fernando
Haddad, com 11%, Ciro Gomes (10%), Marina Silva (8%) e Geraldo Alckmin
(6%). Muita gente ficou espantada com o resultado. Nas ruas e nas redes
sociais, nada indica o franco favoritismo de Bolsonaro na antiga
capital, que tem um histórico de votar na oposição. Mas, se o Ibope está
certo, quase a metade dos eleitores do Estado do Rio de Janeiro estão
dispostos a votar no nome execrado pelas correntes de esquerda e também
por liberais que temem a volta do autoritarismo.
Quer dizer, então, que o Rio de Janeiro, que sempre se orgulhou de representar a vanguarda nos costumes e na cultura do país, vai dar uma guinada à direita nas eleições de outubro? Não é bem assim. Se cariocas e fluminenses infligiram derrotas ao poder central até mesmo durante a ditadura, quando elegeram Negrão de Lima, Leonel Brizola e Saturnino Braga (este último, para o Senado em 1974), também flertaram com a direita em momentos cruciais. E, mesmo que essa memória seja dolorosa para muitos de nós, não custa relembrá-la, principalmente para o esclarecimento dos mais jovens que ainda não repelem tudo que Bolsonaro representa.
Quem vem de longe e viveu os anos 60 sabe do que estou falando. Na minha adolescência, antes e pouco depois do golpe de 1964, a cidade se dividia entre dois políticos: Brizola à esquerda e Carlos Lacerda à direita. Lacerda era membro de uma família vinculada às lutas sindicais. Seu pai, Maurício de Lacerda, representou operários comunistas e anarquistas e batizou o filho de Carlos Frederico em homenagem a Karl Marx e Friedrich Engels. Carlos também foi militante do Partido Comunista Brasileiro, do qual se desligou em 1939. Aos poucos, tornou-se porta-voz das forças conservadoras e de direita. Excelente orador, conquistou adeptos com seu discurso oportunista e articulado. Fez campanha aberta contra Getúlio Vargas, a ponto de ser alvo do atentado famoso na rua Tonelero, em agosto de 1954. Seus comícios atraíam donas de casa da classe média na Zona Sul e na Zona Norte. Dez anos depois, como governador do Rio, engrossou a frente política que deu apoio ao golpe militar. No dia 1º de abril de 1964, chegou a montar guarda, de metralhadora em punho, no Palácio Guanabara, dizendo-se ameaçado por oficiais fiéis a João Goulart.
O sonho de Lacerda era chegar à Presidência. Mas acabou vítima do monstro que ajudou a criar. Não houve eleições em 1966, como o líder da UDN esperava. Lacerda teve os direitos políticos cassados e os militares ficaram no poder até 1985. Deprimido, o ex-governador do Rio morreu antes, em 1977. O pensamento de direita, porém, continuou vivíssimo no Estado. Deputados que defendiam a chamada “revolução” conseguiram mandatos seguidos, entre eles, Amaral Neto e Sandra Cavalcanti. A esquerda custou a se recompor. Só o fez para valer quando Brizola voltou do exílio, após a anistia em 1979. Apesar de todas as pressões (o general Golbery chegou a lhe tirar a histórica legenda do PTB), Brizola foi eleito governador numa campanha memorável em 1982. Nos bairros populares, muitas pessoas choravam ao vê-lo no palanque.
O jornal “O Globo”, órgão oficial da reação, abriu fogo cerrado contra o político gaúcho durante todo o seu governo. Roberto Marinho fez de Brizola o inimigo a ser batido. E ponto final. Nas eleições de 1986, a direita articulou-se para impedir a eleição do professor Darcy Ribeiro, o vice de Brizola. Poucas vezes se viu um noticiário tão parcial. O jornalão de Marinho delegou a um repórter de polícia, Vitor Combo, a tarefa de acompanhar os passos de Darcy. As informações eram distorcidas, sem maior cerimônia. Comícios repletos eram noticiados como rotundos fracassos. Ao fim e ao cabo, Darcy foi derrotado por Moreira Franco, o candidato do antibrizolismo.
Recorro a exemplos históricos para mostrar que o desempenho de Bolsonaro no Rio não tem nada de surpreendente. Como costuma alertar a esquerda na França: ‘Cuidado, a direita está de volta!”.
Quer dizer, então, que o Rio de Janeiro, que sempre se orgulhou de representar a vanguarda nos costumes e na cultura do país, vai dar uma guinada à direita nas eleições de outubro? Não é bem assim. Se cariocas e fluminenses infligiram derrotas ao poder central até mesmo durante a ditadura, quando elegeram Negrão de Lima, Leonel Brizola e Saturnino Braga (este último, para o Senado em 1974), também flertaram com a direita em momentos cruciais. E, mesmo que essa memória seja dolorosa para muitos de nós, não custa relembrá-la, principalmente para o esclarecimento dos mais jovens que ainda não repelem tudo que Bolsonaro representa.
Quem vem de longe e viveu os anos 60 sabe do que estou falando. Na minha adolescência, antes e pouco depois do golpe de 1964, a cidade se dividia entre dois políticos: Brizola à esquerda e Carlos Lacerda à direita. Lacerda era membro de uma família vinculada às lutas sindicais. Seu pai, Maurício de Lacerda, representou operários comunistas e anarquistas e batizou o filho de Carlos Frederico em homenagem a Karl Marx e Friedrich Engels. Carlos também foi militante do Partido Comunista Brasileiro, do qual se desligou em 1939. Aos poucos, tornou-se porta-voz das forças conservadoras e de direita. Excelente orador, conquistou adeptos com seu discurso oportunista e articulado. Fez campanha aberta contra Getúlio Vargas, a ponto de ser alvo do atentado famoso na rua Tonelero, em agosto de 1954. Seus comícios atraíam donas de casa da classe média na Zona Sul e na Zona Norte. Dez anos depois, como governador do Rio, engrossou a frente política que deu apoio ao golpe militar. No dia 1º de abril de 1964, chegou a montar guarda, de metralhadora em punho, no Palácio Guanabara, dizendo-se ameaçado por oficiais fiéis a João Goulart.
O sonho de Lacerda era chegar à Presidência. Mas acabou vítima do monstro que ajudou a criar. Não houve eleições em 1966, como o líder da UDN esperava. Lacerda teve os direitos políticos cassados e os militares ficaram no poder até 1985. Deprimido, o ex-governador do Rio morreu antes, em 1977. O pensamento de direita, porém, continuou vivíssimo no Estado. Deputados que defendiam a chamada “revolução” conseguiram mandatos seguidos, entre eles, Amaral Neto e Sandra Cavalcanti. A esquerda custou a se recompor. Só o fez para valer quando Brizola voltou do exílio, após a anistia em 1979. Apesar de todas as pressões (o general Golbery chegou a lhe tirar a histórica legenda do PTB), Brizola foi eleito governador numa campanha memorável em 1982. Nos bairros populares, muitas pessoas choravam ao vê-lo no palanque.
O jornal “O Globo”, órgão oficial da reação, abriu fogo cerrado contra o político gaúcho durante todo o seu governo. Roberto Marinho fez de Brizola o inimigo a ser batido. E ponto final. Nas eleições de 1986, a direita articulou-se para impedir a eleição do professor Darcy Ribeiro, o vice de Brizola. Poucas vezes se viu um noticiário tão parcial. O jornalão de Marinho delegou a um repórter de polícia, Vitor Combo, a tarefa de acompanhar os passos de Darcy. As informações eram distorcidas, sem maior cerimônia. Comícios repletos eram noticiados como rotundos fracassos. Ao fim e ao cabo, Darcy foi derrotado por Moreira Franco, o candidato do antibrizolismo.
Recorro a exemplos históricos para mostrar que o desempenho de Bolsonaro no Rio não tem nada de surpreendente. Como costuma alertar a esquerda na França: ‘Cuidado, a direita está de volta!”.
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