October 11, 2024

Pantanal em chamas

 



FABIOLA MENDONÇA 

Em um ano convencional, as
inundações deixariam o
Pantanal submerso no pri-
meiro semestre do ano. So-
mente agora, entre o fim de
agosto e início de setembro, a estiagem
atingiria o seu auge, com o esvaziamen-
to completo das cheias. Esse é o fluxo na-
tural do bioma, em um ecossistema am-
bientalmente equilibrado: períodos de
enchentes e secas intercalados. Esse ce-
nário faz parte, porém, de um passado
cada vez mais remoto.


Há pelo menos seis anos o Pantanal
não enche, alterando consideravelmente
a vida no bioma, com cerca de 1,5 milhão
de hectares de seu território devastado
pelo fogo neste momento. Desde janei-
ro, quando o Pantanal deveria estar en-
chendo, já eram perceptíveis alguns fo-
cos de incêndio. A partir de maio, as cha-
mas alcançaram grandes proporções, di-
fíceis de ser controladas, causando danos
irreparáveis. O saldo é desolador: cerca
de 10% do bioma destruído, animais car-
bonizados ou migrando para outras re-
giões em busca de sobrevivência, lutan-
do contra a fome e a sede.


“Mesmo sem a presença do fogo, em
algumas regiões a fauna está sendo im-
pactada. Os corixos (bacias d’água) es-
tão vazios e os rios secaram, obrigando
os animais a se deslocarem. Mas o que a
gente tem observado é que a seca é tão
grande que não existem locais para mi-
grar. O clima impacta na flora, a base da
cadeia alimentar dos animais, e eles fi-
cam sem condições clínicas, não têm es-
core corporal para fazer grandes migra-
ções porque estão debilitados”, explica o
veterinário Enderson Barreto, diretor da
ONG Grupo de Resposta a Animais em
Desastres, que atua no Pantanal Norte,
em Mato Grosso. “Temos imagens no
monitoramento de animais atolados ou
revirando a lama para tentar beber água.
São imagens que trazem um alerta muito
grave de onde a fauna sofre não pela pre-
sença do fogo, mas pela seca extrema, que
também ocasiona incêndios florestais de
grande magnitude.”


Em Mato Grosso, ao menos por ora, as

cípio de Poconé, na Transpantaneira.


A situação é mais preocupante em Ma-
to Grosso do Sul, onde os focos de incên-
dios estão localizados majoritariamente
na Serra do Amolar, em Corumbá, e em
Nhecolândia. O Rio Paraguai, que corta
todo o Pantanal, não está enchendo mais,
então a vegetação que antes ficava sub-
mersa acumula matéria seca, favorecen-
do a propagação das chamas. As queima-
das só não estão piores porque uma frente
fria passou pela região no início deste mês
e deu uma trégua nas chamas. Tão logo
parou de chover, o fogo voltou a castigar.


“Boa parte das chamas foi controlada,
mas muitos focos estão voltando e se es-
palhando novamente. A gente estava ven-
do 100 mil hectares por dia sendo queima-
dos e, com a chuva, teve uma melhora mo-
mentânea. Agora, é concentrar esforços
no rescaldo dessas áreas que foram apaga-
das para garantir que elas não vão reacen-
der”, explica Gustavo Figueiroa, do SOS
Pantanal, entidade que conta com briga-
distas no combate aos incêndios. “Aque-
la chuva que caiu no Rio Grande do Sul
era para ter passado pelo Pantanal, mas
uma massa de ar seco gigante no meio do
País bloqueou e impediu essa frente fria
de entrar pelo Centro-Oeste”, completa.


Segundo o presidente do Ibama, Ro-
drigo Agostinho, a seca prolongada no
Pantanal é resultado da crise climática,
agravada pelo desmatamento no Sul da
Amazônia e nas cabeceiras do Rio Para-
guai. “Como o Pantanal não enche mais, o
pessoal está querendo cultivar dentro da
área e, por isso, tem feito o desmatamento,
que antes era mais na Amazônia e no Cer-
rado. A gente, inclusive, detectou incên-
dios criminosos para fazer desmatamen-
to no Pantanal”, explica. Em setembro, o
Ministério do Meio Ambiente deve lançar
o Plano Nacional de Combate ao Desma-
tamento no Pantanal, mesmo período que
promete entregar planos similares volt

dos para o Pampa, a Mata Atlântica e a Ca-
atinga. No ano passado, o governo já ha-
via publicado os planos contra a devasta-
ção na Amazônia e no Cerrado.
Há poucas semanas, o governo conse-
guiu aprovar no Congresso a Lei de Ma-
nejo Integrado do Fogo e três Medidas
Provisórias voltadas para o combate às
queimadas no Pantanal. “Ela institui
uma política nacional de manejo do fo-
go, criando uma estrutura de governan-
ça para monitorar as queimadas”, explica
Agostinho, acrescentando que o governo
federal destinou 137 milhões de reais pa-
ra o combate aos incêndios no Pantanal.


Até o momento, já foram identificados
90 focos de incêndio na região panta-
neira, provocados principalmente pe-
la ação do homem, seja intencional ou
não. São muitas as origens do fogo, des-
de uma simples fogueira para queimar li-
xo ou material vegetal, passando pelo fo-
go utilizado na coleta de mel, até ações
criminosas ou mesmo acidentes, como
o ocorrido em junho, quando um cami-
nhão pegou fogo e as chamas se propaga-
ram por uma vasta extensão territorial.


“Em 15 de julho, a gente tinha consegui-
do controlar 100% dos incêndios. Aí te-
ve esse acidente e o incêndio espalhou-se
por toda a região de Nhecolândia, uma
área muito sensível”, destaca Agostinho.
Também são muito comuns queimadas
no Pantanal provocadas pela queda de
raios, embora não existam registros re-
centes de tempestades com raios.


A proporção que o fogo está toman-
do este ano só não é pior que os incên-
dios de 2020, considerados os maiores
da série histórica, com 3,9 milhões de
hectares queimados, o equivalente a um
quarto do Pantanal. “A resposta tem si-
do melhor que em anos anteriores. Em
junho, quando as chamas ainda não ti-
nham alcançado 500 mil hectares, já se
viam ações do governo federal. Há qua-
tro anos, só quando o índice estava ba-
tendo em 2 milhões de hectares queima-
dos, por conta da pressão externa e por-
que não tinha mais como negar o que es-
tava acontecendo, é que a gestão Bolso-
naro começou a se mexer. Espero que
este ano não supere 2020, até porque a
gente tem visto a mobilização do Poder
Público e da sociedade civil, está muito
mais ágil”, destaca Figueiroa.


Segundo Barreto, os incêndios deixa-
ram um saldo de 17 mil animais mortos
em 2020. Por onde o fogo passou houve
perdas genéticas e populacionais de ani-
mais, os quais acabam passando por um
processo de readaptação, em um ambien-
te que não é naturalmente deles. “A gente
sabe que o fogo é algo que está presente
no Pantanal, faz parte da composição do
bioma. No entanto, os recorrentes incên-

dios de grande magnitude não estão per-
mitindo uma readaptação da fauna. Mor-
rem muitos animais e não dá tempo de o
bioma se restabelecer com o nascimento
de animais no mesmo ritmo.”


Neste ano, ainda não dá para estimar
a quantidade de animais carbonizados e,
devido à proporção dos incêndios, muitos
nem sequer vão entrar nas estatísticas. A
morte de três onças-pintadas, um adulto
e dois filhotes, despertou, porém, um si-
nal de alerta. Em 2020, não foi registrada
a morte de nenhuma onça, um animal sa-
gaz, habituado a fugir do fogo. “Se as on-
ças, que são animais com grande capaci-
dade de correr, nadar e escalar árvores,
estão sendo afetadas, a gente entende que
todos os outros são impactados de forma
muito mais brusca”, salienta Barreto. Se-
gundo Agostinho, até agora foram resga-
tados 564 animais da região do fogo.
A Secretaria de Meio Ambiente


(Sema) de Mato Grosso está monitorando
as condições da fauna no estado, mas ne-
ga a gravidade da situação, alegando que,
por enquanto, está tudo dentro da norma-
lidade. “A gente percebe que a vida conti-
nua no Pantanal, apesar da seca. Os ani-
mais têm se reproduzido, estão saudáveis.
A gente não nega a seca, a falta de chuvas,
a falta de uma cheia volumosa na planície
pantaneira, mas o nosso bioma é resilien-
te. A tendência é de que, cessando este pe-
ríodo de seca severa, o Pantanal vai se re-
cuperar”, diz Waldo Troy, gerente de fau-
na silvestre da Sema. “Até o momento, não
vemos necessidade de interferência. Lógi-
co que isso pode mudar, porque o pico de
seca vai ser em setembro ou outubro. Mas
a gente está vendo os animais com esco-
re corporal bom, com alimentação, sau-
dáveis”, completa a médica-veterinária
Caroline Machado.

CARTA CAPITAL 

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