O BOLSONARISMO E SEUS SATÉLITES
GANHAM TRAÇÃO NOS MUNICÍPIOS
:P o r C L Á U D I O C O U T O
Findo o primeiro turno das elei-
ções municipais de 2024, mui-
to se falou sobre o crescimen-
to da direita no Brasil, prenun-
ciando a eleição de um Con-
gresso ainda mais conserva-
dor em 2026, pois o melhor
preditor da eleição congres-
sual são as disputas municipais que a an-
tecedem. Esclareçamos, porém, de qual
direita se fala. Podemos falar de ao me-
nos três no atinente ao sistema partidário.
Uma é aquela direita tradicional, for-
mada pelos partidos que correspondem
ao conjunto conhecido como “Centrão”.
Trata-se de uma direita pragmática, mais
do que ideológica, que historicamente hi-
potecou apoio aos governos em troca de
dois benefícios materiais: cargos na admi-
nistração pública direta ou indireta e re-
cursos do orçamento público. Tal modus
o:erandi de trocar apoio por cargos e ver-
bas, conhecido como fisiologismo, é o que
me faz denominar tais agremiações co-
mo partidos de adesão. Aderem a quais-
quer governos, desde que recompensados.
Devido ao cada vez maior controle do
orçamento público pelo Congresso, retiran-
do do Executivo a possibilidade de barga-
nhar a liberação de recursos como contra-
partida à lealdade parlamentar, o modus
o:erandi dessas agremiações mudou. Nos
últimos anos, elas puderam hipotecar ca-
da vez menos apoio ao governo, pois de-
pendem menos dele. Ou seja, os partidos
de adesão já não são tão aderentes. Ainda
que o Executivo ceda espaços na máquina
aos partidos, seja na chefia de ministérios,
seja em postos na burocracia pública, tem
menor capacidade para manter a lealdade
dos congressistas individualmente. Isso
lhes permite, sem deixarem de ser prag-
máticos, se tornarem mais ideológicos
Uma segunda direita (ou centro-
-direita) é formada por partidos que não
atuam (ou atuaram) como de adesão. É o
caso do PSDB, do PFL/DEM e do PPS/Ci-
dadania. Essas agremiações sustentaram
o governo de Fernando Henrique Cardo-
so e se mantiveram firmes na oposição às
gestões petistas. O PPS, a bem da verda-
de, chegou inicialmente a integrar a coa-
lizão de Lula, mas durou pouco. Foram
partidos mais vertebrados ideologica-
mente e menos pragmáticos na barganha
de apoio por recursos governamentais.
Por isso mesmo sofreram na oposição.
Finalmente, há uma terceira direita,
mais nova e ideológica, a extrema-direi-
ta. Embora sempre tenha tido represen-
tantes esparsos por diversas agremia-
ções, não era dotada de maior coesão até
o advento do bolsonarismo. Chegou ao
poder como movimento, não como par-
tido, circunstancialmente abrigada no
PSL que elegeu Jair Bolsonaro, além de
contar com os esparsos de sempre. O bol-
sonarismo no governo abriu campo para
o seu avanço e consolidação. Incapaz de
criar um grande partido no qual pudessem
se organizar, acabou por ingressar mas-
sivamente no antes adesista PL de Val-
demar Costa Neto, transformando-o em
seu principal, mas não único, instrumen-
to de ação eleitoral. O Novo é um satélite
nanico desse extremismo direitista he-
gemonizado pelo bolsonarismo.
Feito o mapeamento, podemos avaliar
como os partidos se saíram no primeiro
turno destas eleições municipais. A direita
pragmática correspondente dos partidos
de adesão sempre foi predominante nas
disputas locais. Essas agremiações con-
quistaram, em média, 68% dos municípios,
considerando-se todos os certames muni-
cipais desde 1982 (excetuados os de 1985,
quando só capitais e algumas outras cida-
des elegeram prefeitos, totalizando 201 dis-
putas). Nas eleições deste ano foram con-
quistados 71% dos municípios em disputa
no primeiro turno – isto é, um montan-
te muito próximo da média histórica.
A direita e o centro-direita ideológico
moderado, por sua vez, conquistaram, em
média, 19% dos municípios nos pleitos mu-
nicipais, atingindo o ápice em 2000, últi-
mas eleições locais do período FHC, quan-
do abiscoitou 39% das vitórias. No primei-
ro turno de 2024 obteve magérrimos 6%,
já desfalcada do PFL/DEM, que se juntou
ao PSL ex-bolsonarista para formar um
novo partido de adesão, o União Brasil.
A novidade deste ano é a extrema-di-
reita municipalista, que conquistou 10%
das prefeituras no primeiro turno (e po-
derá aumentar sua fatia no segundo) com
as vitórias do PL e do Novo. Como an-
tes não havia uma extrema-direita cen-
tralizada partidariamente nessas duas
agremiações, não há como considerar
tal crescimento em perspectiva históri-
ca. Pode-se afirmar, contudo, que essa fa-
tia de municípios conquistada pela extre-
ma-direita não é reflexo local de disputas
nacionais, mas resultado da estrutura-
ção desse segmento no plano municipal.
Isto é, a extrema-direita ganhou nos mu-
nicípios porque está implantada neles.
E a esquerda? Essa tem sofrido
muito desde 2016, quando seu
principal partido, o PT, sofreu
uma debacle, perdendo 60% de
seus prefeitos e vereadores – na-
quelas eleições, a esquerda como
um todo ganhou 21% das prefeituras. O
melhor momento da esquerda munici-
palista foi em 2012, quando cacifou 28%
dos governos locais. Após o trágico ano do
im:eacfment de Dilma Rousseff, da re-
cessão causada pela política econômica
de seu governo e do apogeu da Operação
Lava Jato, a esquerda não se recuperou
do baque. Em 2020 teve resultados ain-
da piores do que quatro anos antes, amea-
lhando apenas 15% dos governos locais. E,
finalmente, em 2024, ganhou apenas 14%
das disputas travadas no primeiro turno.
Enfim, a novidade de 2024 não é um
suposto crescimento dos partidos do
“Centrão” nos municípios. Isso não ocor-
reu, pois essas agremiações ficaram pou-
co acima da média histórica. Um aspecto
a ser ressaltado é o desmilinguir do cen-
tro-direita representado pela Federação
PSDB Cidadania. Comparada ao resulta-
do de quatro anos atrás, ela foi reduzida
à metade: de 12% para 6% das municipa-
lidades. Se considerarmos o DEM ainda
parte desse grupo em 2020, o tombo foi
ainda maior: de 21% para 6%. Mas talvez
seja mais acurado dizer que naquele mo-
mento o antigo PFL já havia virado “Cen-
trão”. Portanto, de singular mesmo sobra
uma coisa: o surgimento de uma extrema-
-direita partidária implantada nos muni-
cípios. Ela cresceu no espaço aberto pelo
declínio do centro-direita e da esquerda. •
wCientista :olítico, :robessor da FGV-EAES
CARTA CAPITAL
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