As propostas de mudança no sistema eleitoral atendem mais aos políticos do que aos eleitores
CLAUDIO COUTO
Recente levantamento da
CNN Brasil mostra que, des-
de a aprovação da reeleição
para as chefias do Executi-
vo, ao menos 57 propostas
de emenda constitucional para acabar
com o instituto foram apresentadas. Não
obstante, ele continua aí. Também tem si-
do frequente que presidenciáveis de opo-
sição se manifestem contra a proposta. Os
que se elegeram, contudo, logo abando-
nam a ideia. Foi assim com Lula em 2002
e Bolsonaro em 2018. Idem o governador
gaúcho, Eduardo Leite, que se manifesta-
ra contra a reeleição antes de se tornar
chefe de governo no Rio Grande do Sul e
acabou optando por disputar um segun-
do mandato – e conseguiu. Agora, Leite
volta a defender o fim do instituto ao lado
de seus colegas presidenciáveis do Con-
sórcio Sul-Sudeste, Romeu Zema e Rati-
nho Júnior. Ambos, aliás, reeleitos para
o governo de seus estados.
Desta feita, a proposta de extinguir o
instituto ganha impulso adicional, pois
tem sido defendida pelo presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco, que tem po-
der de agenda no processo legislativo
congressual. O senador colocou-a como
pauta prioritária da casa que preside pa-
ra este ano, aproveitando o embalo da dis-
cussão de um novo código eleitoral, relata-
do pelo colega Marcelo Castro. E ela se faz
acompanhar de outra velha ideia muitas
vezes brandida por integrantes de nossa
classe política, mas nunca aprovada: a de
unificar todas as eleições num único pleito.
Pense-se no que esta segunda pro-
posta representará, se concretizada: o
eleitorado terá de decidir de uma única
vez como votar para sete cargos: verea-
dor, prefeito, deputado estadual, gover-
nador, deputado federal, senador e pre-
sidente da República. Como a cada duas
eleições são eleitos dois senadores, nesses
pleitos o número de escolhas sobe para oi-
to. Em tal situação, para votar o eleitora-
do precisará considerar questões que vão
desde buracos nas ruas até as relações do
Mercosul com a China, desde as vagas nas
creches municipais até a taxa de juros ar-
bitrada pelo Banco Central, desde os pro-
lemas mais comezinhos da vida citadina
até as mais amplas questões das relações
internacionais. Qual a qualidade do deba-
te político em tal contexto? Como acom-
panhar simultaneamente, com um míni-
mo de compreensão, os debates para pre-
feito, governador e presidente, sem falar
nos cargos legislativos? Qual a qualidade
da democracia com eleições ocorrendo
nesse cipoal de temas e cargos?
Duas justificativas costumam ser apre-
sentadas para defender tal proposta. Uma,
que isto representaria uma economia, ou-
tra, que o País não funciona tendo de fazer
eleições a cada dois anos, porque tudo pa-
ra. Será mesmo? Será que outras democra-
cias, inclusive as mais consolidadas mun-
do afora, realizam menos eleições e, por
isso, são mais felizes e bem geridas? Não é
o que a experiência internacional mostra.
Tome-se o exemplo da Alemanha, refe-
rência quando se trata de estabilidade po-
lítica e qualidade da gestão pública. En-
tre 2000 e 2023, os alemães votaram to-
dos os anos. Isso mesmo: houve eleição
ano sim, ano também. Não consta que is-
so tenha prejudicado as políticas de go-
verno, atrasado o desenvolvimento eco-
nômico ou prejudicado o controle das
contas públicas. Como o Brasil, a Alema-
nha é um país federativo e os temas espe-
cificamente estaduais, municipais e na-
cionais, se tratados em eleições próprias,
propiciam um debate eleitoral mais inte-
ligível e bem informado, conduzindo as-
sim a melhores decisões eleitorais.
A ideia de que unificar as eleições me-
lhora a qualidade do governo e da demo-
cracia baseia-se apenas numa suposição
abstrata, sem respaldo na experiência
in ternacional. E ela vem acompanhada de
outra péssima ideia: aumentar o tempo
dos mandatos, o que reduz o controle do
eleitor sobre seus representantes. No ca-
so do Senado, a proposta chega a ser in-
decente: subir para dez anos o mandato
na Câmara Alta. Noutras democracias,
como Estados Unidos e França, os man-
datos são mais curtos que os nossos, não
mais longos. Aliás, nos EUA também se
realizam eleições para o Congresso a ca-
da dois anos e na França o Senado é par-
cialmente renovado a cada triênio. Is-
so, sem contar as muitas eleições mu-
nicipais, de condados etc. que se dão no
meio desse calendário.
Alega-se por aqui que quatro anos é
pouco para implementar um plano de go-
verno e, portanto, subir para cinco aju-
daria. Ao mesmo tempo, diz-se que cinco
anos é tempo demais. Ora, o sistema ho-
je existente, de um mandato de quatro
anos com direito à reeleição, produz um
mecanismo bastante eficiente. Depois de
testado por um quadriênio, ao disputar a
reeleição o governante é, na prática, sub-
metido a um referendo sobre sua conti-
nuidade. Se bem avaliado pelo eleitora-
do, é reconduzido ao cargo, tendo assim
mais tempo para levar adiante suas pro-
postas. Se o oposto ocorrer, é substituí-
do com alguma rapidez. Não é razoável?
Não dá ao eleitorado mais opções em vez
de menos? Cinco anos não seria tempo
demais para um governante ruim? Por
que não o reconduzir, se bem avaliado?
Reconhecer os méritos da reeleição e
de disputas bianuais, que permitam a con-
tinuidade de bons governos e o tratamen-
to mais cuidadoso de certos temas, de mo-
do algum significa supor que aperfeiçoa-
mentos não sejam possíveis e desejáveis.
Mas os nossos representantes parecem
menos preocupados em melhorar o siste-
ma do que em atender às suas conveniên-
cias. Ora, para que se submeter ao crivo do
eleitorado a cada quatro anos, se esse tem-
po pode ser esticado? Para que aguardar
na fila que um governante bem avaliado
termine seu segundo mandato, se é pos-
sível colocar seu cargo à disposição para
disputa desde já? Para que dar ao eleitora-
do condições de discutir com mais cuida-
do os temas de seu interesse na eleição, se
é possível produzir uma maçaroca ininte-
ligível de discussões, sem que nada possa
ser efetivamente digerido pelos cidadãos?
Estamos novamente diante de possí-
veis mudanças que fazem mais sentido
para a proteção dos interesses corporati-
vos internos da classe política do que do
aprimoramento de nossa democracia.
CARTA CAPITAL
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