Números vêm de pesquisa realizada com premiadas entre 1936 a 2010; relatos de atrizes apontam que parceiros não suportaram o destaque ou rendimentos superiores de suas mulheres
CARLOS MEGIA
A maldição do amor do Oscar é um dos mitos mais comentados de Hollywood nas últimas décadas. Refere-se aos diversos casos em que a conquista de uma estatueta por uma atriz vem acompanhada, após pouco tempo, por seu divórcio. É um consideração simplista e puramente misógina — “a mulher que coloca a carreira à frente do marido, a mulher vítima de uma maldição devido ao seu talento” —, mas agora, no recém-lançado livro “50 Oscar nights” (Dave Karger), duas atrizes alimentam a lenda com confissões em primeira pessoa.
“Quando chegou a festa de gala, ele não foi legal e deixou claro que não iria me acompanhar”, revela Sally Field, duas vezes vencedora do Oscar, a Dave Karger. Ela reforça que seu parceiro na época, o astro Burt Reynolds (1936-2018), “não ficou feliz” quando o nome dela ficou cotado para ganhar a primeira estatueta.
Field teve com o ator um relacionamento de cinco anos que começou a ruir quando ela ganhou o prêmio em 1980 por seu trabalho em “Norma Rae”.
Antes disso, Reynolds também havia se recusado a viajar com ela para a apresentação do filme no Festival de Cannes. “Ele disse: ‘Você não acha que vai ganhar nada, não é?’”, lembra a atriz, de 77 anos.
Marlee Matlin viveu uma experiência ainda mais crua. Na noite de 30 de março de 1987, Matlin chamou a atenção ao se tornar a primeira atriz surda (e uma das mais jovens da História, aos 21 anos) a ganhar um Oscar por seu papel no drama romântico “Filhos do silêncio”. Seu parceiro no filme, William Hurt, também era seu marido na época, mas não ganhou a estatueta:
“Quando descobri que ele não tinha ganhado (o prêmio), meu coração afundou. Fiquei com medo de pensar em como ele reagiria quando voltássemos para casa porque eu tinha ganhado e ele não”, explica em “50 Oscar nights”.
No livro, Matlin lembra que Hurt estava muito quieto e pensativo no caminho de volta, até quebrar o silêncio com uma repreensão.
“Ele me disse: ‘O que faz você pensar que merece o prêmio?’ Olhei para ele como que perguntando o que queria dizer e ele respondeu: ‘Muitas pessoas trabalham durante muitos anos, especialmente aquelas que foram indicadas com você, para conseguir o que você conseguiu com um único filme’. Fiquei atordoada, mas isso me fortaleceu. Foi o meu momento, a minha noite e o início da minha carreira.”
Matlin terminou com Hurt poucos meses depois.
Essa tal maldição tem frequentado tanto o debate público a tal ponto que pesquisadores das universidades de Toronto e Carnegie Mellon analisaram 751 indicados ao Oscar nas categorias de melhor ator e atriz de 1936 a 2010. A conclusão? Os vencedores desse prêmio têm 63% mais chances de ver seus relacionamentos românticos encerrados.
Para Carlos García, especialista em terapia de casais, esse tipo de reações e comportamentos hollywoodianos são aplicáveis ao restante dos mortais e mais comuns do que se possa parecer.
Marcados pelos estereótipos culturais inerentes à masculinidade mais clássica — ou antiquada —, como poder, liderança, proteção ou força, esses tipos de homens podem se sentir ofendidos e incapazes de lidar com o sucesso e o reconhecimento social maior de suas parceiras do que o deles.
— É o que acontece com as atrizes de Hollywood cujos maridos e namorados fogem do relacionamento porque são incapazes de desempenhar o papel do príncipe salvador que tanto estudaram e viram outros desempenhar tantas vezes — explica Garcia. — Eles chamam isso de “a maldição do amor do Oscar” e acontece em todos os níveis: já vi homens ofendidos porque seus nomes aparecem em segundo lugar na caixa de correio de casa.
A lista de vencedoras do Oscar que viram seu melhor momento profissional acompanhado por um drama sentimental é extensa: Helen Hunt, Gwyneth Paltrow, Julia Roberts, Hilary Swank...
Às vezes é uma questão de pura vaidade, como no caso de Kate Winslet, que viu seu prêmio por “O leitor” (2008) criar tensão com seu marido na época, Sam Mendes, que também competia naquela edição com “Foi apenas um sonho”.
Nesses dramas sentimentais relacionados ao Oscar, também acontecem casos como o de Sandra Bullock, que dedicou elogios a seu parceiro no palco do Teatro Kodak enquanto os tabloides preparavam exclusivas sobre as infidelidades dele. Em apenas dez dias, Bullock passou de vencedora do Oscar por “Um sonho possível” (2009) a ver a amante de seu marido contar na capa de uma revista todos os detalhes sobre a infidelidade.
Outras vezes, são citados os ciúmes profissionais e as disparidades salariais, como no caso de Reese Witherspoon (“Johnny & Jun”) e Ryan Phillipe. Eles apresentaram juntos o Oscar de melhor maquiagem em 2002. De improviso em que Phillipe disse ao vivo que não leria o nome do vencedor porque não era pago o suficiente: “Leia você, já que você ganha mais.” Com o passar dos anos, Witherspoon admitiu que o momento a deixou completamente desconcertada, pois Phillipe nunca havia mencionado que diria algo assim. Ela acrescentou: “Nenhuma mulher deve jamais sentir vergonha por ganhar muito dinheiro.”
Nos últimos anos, a maldição parece ter perdido seu poder, talvez devido às mudanças econômicas e culturais, como o surgimento de uma nova onda feminista.
Como conclusão, Carlos García espera que surjam novas propostas sobre o que entendemos por masculinidade para ver uma mudança real:
— Talvez surja uma abordagem um pouco mais tolerante, mais igualitária, que nos permita entender as pessoas independentemente de seu gênero. O mundo já perdeu muitos séculos de literatura ou reflexão filosófica das mulheres, e os homens perderam a oportunidade de viver com mais intensidade algumas de suas emoções.
E perderam também a oportunidade de celebrar, como deve ser, o Oscar de um ente querido.
O GLOBO
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