January 16, 2023

A CRISE TAMBÉM E ESTETICA

 

Por Sergio Lirio

 Dona Fátima, 67 anos, de Tubarão, Santa Catarina, foi uma das estrelas dos atos terroristas. Se não deu a própria vida para livrar o Brasil de Lula e do comunismo, a patriota entregou ao menos restos do corpo. Fez o que pôde. O vídeo de dona Fátima viralizou no Twitter e é absolutamente necessário descrevê-lo nos pormenores, o que me leva a pedir desculpas antecipadas aos leitores mais sensíveis. Alguém filma a cena e pergunta à invasora: “Dona Fátima, quebrando tudo?” “Quebrando tudo”, responde ela. “E cagando nessa bosta aqui.” “Cagou lá no banheiro, fez uma sujeira lá? É isso, dona Fátima, Deus abençoe a senhora”, agradece o cúmplice. “É guerra, vamos pra guerra”, retruca a heroína do vaso sanitário. A catarinense até foi pudica, preferiu lançar os petardos golpistas no lugar apropriado.

 Outros vândalos não se
fizeram de rogados, preferiram radicali-
zar e transformaram os corredores do
Supremo Tribunal Federal em banheiro
unissex, como uma matilha que demarca
o território. Os invasores produziram tan-
tas provas contra si mesmos, em todos os
ângulos e sentidos, que o único trabalho
dos investigadores vai ser separar os ros-
tos das nádegas. Os legistas do CSI e os la-
boratórios de análises clínicas estariam
exultantes. Há DNA por todos os cantos.

 
No Senado, idosos em regressão brin-
cavam de escorregador no tablado da me-
sa diretora. No STF, cristãos arrancaram
a imagem de Cristo do crucifixo sobre o
plenário. A porta do gabinete do ministro
Alexandre de Moraes, inimigo número 1,
virou peça de recordação (haja fetiche), a
exemplo do brasão da República. Do lado
de fora, o Halloween tomava conta da Pra-
ça dos Três Poderes: boiadeiros, militares
de hospício e de pijama, torcedores da Se-
leção, black blocs aposentados, figurantes
de filmes de zumbis e aquele tio inconve-
niente dos almoços de domingo filmavam
e fotografavam a excursão. Ambulantes
garantiram, na porta dos edifícios depre-
dados, a oferta de pipoca – para salvar o
País ao estilo da dona Fátima é preciso ter
o estômago forrado. Quem manteve cer-
ta distância dos acontecimentos, a come-
çar pelos policiais do Distrito Federal e da
Guarda Nacional (ou seriam seguranças
privados da festa?), tinha, além da visão
privilegiada, outras opções de quitutes:
caldo de cana e churrasquinho.

 
Na invasão do Capitólio em
Washington, cinco apoiado-
res de Donald Trump morre-
ram na defesa de suas convic-
ções. No Capitólio à brasilei-
ra, quando finalmente a tropa
de choque entrou em serviço, bastaram
40 minutos de gás lacrimogêneo e bom-
bas de efeito moral para dispersar os ter-
roristas. Cerca de 2 mil suspeitos acaba-
ram presos em flagrante, na Esplanada
dos Ministérios e no acampamento em
frente ao QG do Exército. As baixas fo-
ram de outra natureza. Mutilaram um
quadro de Di Cavalcanti, sequestraram
uma escultura de Brecheret e desapa-
receram com presentes de autoridades
estrangeiras e coleções de artefatos que
compunham os acervos do Congresso, do
Planalto e do Supremo. No fim, a intento-
na dos brasileiros de “bem” resumiu-se a
isso, a um saque. Bandidagem é o termo
correto. A crise é de inteligência, moral
e social, mas também estética.

 
P.S.: Grupos bolsonaristas nas redes so-
ciais chegaram a comemorar a interven-
ção federal decretada por Lula na segu-
rança do DF. A leitura apressada os levou
a acreditar em golpe militar. Por linhas
tortas, as orações dos inconformados fo-
ram atendidas. A luta continua.

CARTA CAPITAL 


 


 

 

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