C A R L OS DRUMMON D
(...)
Em estudo anterior específico sobre
a faixa média de renda, Quadros optou
por não analisar o comportamento des-
sa camada social no conjunto das de-
mais e examinou-a isoladamente, con-
siderando-a um objeto de estudo próprio.
justifica em sociedades profundamente
fraturadas como o Brasil. Aqui, a clas-
se média usufrui de condições de vida
absolutamente diferentes das camadas
populares e as distâncias sociais entre
elas são enormes”, destaca o pesquisa-
dor. Essa profunda elitização, diz, em ge-
ral traz consigo prepotência e desprezo
em relação aos “de baixo”, ao lado de ba-
julação e cordialidade interesseira com
os “de cima” e iguais, sempre em busca
de oportunidades para si ou os familia-
res, assim como uma preocupação ob-
sessiva em casar “bem” seus filhos e ou-
tros comportamentos da mesma nature-
za. Em grande medida, essas atitudes se
reproduzem na média classe média, que
mimetiza a conduta da alta.
sa classe é reconhecidamen-
te oscilante ao longo da histó-
ria. “Hoje, a atitude progres-
sista está bastante isolada na
classe média, e sob forte ata-
que, mas nem sempre foi assim. Na déca-
da de 1970, avançou bastante na medida
em que a censura, as perseguições a opo-
nentes da ditadura, as prisões arbitrárias
e as torturas passaram a ser mais conhe-
cidas”, destaca Quadros. Nesse sentido,
ressalta, merece menção especial a cora-
josa atuação da Igreja Católica, que havia
apoiado o golpe em 1964, assim como inú-
meras personalidades conservadoras que
se revoltaram com as arbitrariedades.
observam, em alguma medida, mudan-
ças localizadas de postura por parte de
segmentos da classe média em relação à
dupla Bolsonaro e Paulo Guedes. Trata-se,
no entanto, de algo incipiente e fragmen-
tado diante do “marcante progressismo de
amplos segmentos da classe média que ti-
veram destacado papel na campanha pe-
las eleições diretas dos anos 1980”, ressal-
ta Quadros. A análise do economista so-
bre os motivos que provocaram a atual
reversão de posicionamento destaca dois
pontos fundamentais: o aumento do cus-
to de manutenção de prestadores de ser-
viços domésticos e a elevação dos salá-
rios dos trabalhadores de menor qualifi-
cação nas empresas durante o governo do
Partido dos Trabalhadores. “Parece bas-
tante plausível entender que uma impor-
tante contribuição para aquela mudança
decorra justamente do elevado dinamis-
mo na geração de oportunidades e melho-
ras no rendimento das camadas popula-
res. Isso acentuou as históricas contra-
dições de classe, entre outras razões, por
implicar maiores gastos com a ampla ga-
ma de serviçais domésticos e também nas
despesas do negócio próprio com traba-
lhadores de baixa e média qualificação.”
ta iniciada no governo de Michel Temer
teve papel decisivo na tentativa de perpe-
tuar a baixa remuneração e a desigualda-
de profunda que resultam na ampliação
do exército de reserva de mão de obra com
remuneração péssima. Essa situação las-
timável é aplaudida pelos remediados, em
especial nas faixas mais altas, tanto pe-
la possibilidade de baratear novamente o
custo de manter empregadas domésticas,
babás, motoristas, seguranças, faxinei-
ras, personal trainers, passeadores de cães
e outros profissionais com remunerações
irrisórias quando comparadas àquelas
de alguns anos atrás. O mesmo pode ser
dito em relação aos custos de mão de obra
das empresas, em especial daquelas que
utilizam amplos contingentes de empre-
gados muito mal remunerados como as
grandes cadeias de lojas, supermercados,
empresas de transporte, saúde e segu-
rança, entre outros setores.
portamento político de hoje
diante daquele do tempo da
ditadura, acrescenta Quadros,
“devem ser levadas em conta
a frustração e a crescente re-
volta em relação ao partido que estava no
poder, que é responsabilizado por esta si-
tuação. Sentimento esse que se estende
para toda a esquerda, progressistas e li-
berais, mesmo aqueles que são críticos
em relação às práticas pouco republica-
nas em que se envolveram muitos diri-
gentes políticos e quadros governamen-
tais”. Esse crescente ressentimento, pon-
tua, torna essas camadas presas fáceis do
neoliberalismo na economia e do conser-
vadorismo extremado na política, com o
avanço da direita radical, que conta com
valiosa contribuição dos meios de comu-
nicação hegemonizados pelos interesses
do “mercado”, ou seja, dos rentistas.
entre 2004 a 2014, prossegue Quadros,
beneficiou fundamentalmente os tra-
balhadores vulneráveis e suas famílias,
com notável expansão dos pobres in-
termediários. No fim das contas, a alta
classe média situava-se praticamente no
mesmo patamar de 1981 e a média classe
média, um pouco acima. Isto é, parou de
crescer. “Essa estagnação da classe mé-
dia decorre fundamentalmente do pro-
cesso de desindustrialização e da ausên-
cia de progresso técnico sistêmico. É o
desenvolvimento do sistema industrial,
e suas amplas conexões, que cria as opor-
tunidades de melhor qualificação e re-
muneração ocupadas pela classe média”.
Uma agonia lenta e contínua. •
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