Livro 'Reclames' resgarta trabalho do caricaturista como publicitário; anúncios registraram evolução dos costumes do Rio
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O desenho ilustra um anúncio da Caixa Econômica publicado em 1935, na revista O Cruzeiro. No canto, as iniciais J.C. identificam o autor: José Carlos de Brito e Cunha, o J. Carlos.
O maior caricaturista brasileiro também pôs seu talento a serviço da propaganda. Num tempo em que a imprensa ainda engatinhava na fotografia, o traço do artista ajudou a vender roupa, comida, remédio e automóvel.
Pela primeira vez, o material é recuperado em “Reclames: J. Carlos publicitário”. A edição caprichada é de outro craque do lápis, o desenhista e pesquisador Cássio Loredano.
O livro flagra o inventor da melindrosa anunciando joias, tecidos e cosméticos para madames do início do século XX. Em ilustrações para o público mirim, ele dá vida a produtos como a garrafa do Biotônico Fontoura e a lata da goiabada Peixe, carregada em festa pela criançada.
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A publicidade de J. Carlos registra a evolução dos costumes e a modernização do Rio, então capital do país. Estão lá as primeiras linhas de ônibus, os bailes do cassino Atlântico e a chegada do gás encanado — a Societé Anonyme du Gaz, tataravó da CEG, foi uma das suas principais clientes.
Garotos-propaganda
Antes da invenção do direito de imagem, o artista usava e abusava de figuras célebres. Num anúncio com tintas de charge política, ele faz o presidente Rodrigues Alves elogiar as virtudes da água de Caxambu. Em outro, Ruy Barbosa indica um vermute a próceres da República Velha.
O presidente americano Woodrow Wilson, que nunca pisou no Brasil, foi recrutado para anunciar sapatos nacionais. “Só se anda direito usando o anatômico calçado Atlas”, diz o reclame de 1917.
Personagens criados por desenhistas estrangeiros, como o Mickey e o Gato Félix, também entraram na ciranda publicitária de J. Carlos. Mas essa foi uma via de mão dupla. Ao visitar o Rio, em 1941, Walt Disney se encantou com um papagaio do brasileiro. A ave inspirou o Zé Carioca, que seria lançado no ano seguinte.
J. Carlos estreou em 1902, nas páginas do Tagarela. Trabalhou sem parar até 1950, quando sofreu um AVC e desabou sobre a prancheta na redação da revista Careta. Em quase meio século, produziu cerca de 50 mil desenhos.
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A maior parte da obra estava esquecida até 1994, quando Loredano começou a garimpar recortes e originais guardados por um herdeiro em Petrópolis.
Desde então, o trabalho rendeu exposições, um perfil biográfico (“O bonde e a linha”, de 2002) e uma dezena de livros organizados por tema, como o Rio, o carnaval e as duas guerras mundiais.
Missão cumprida
Com o lançamento de “Reclames”, Loredano considera que sua missão está cumprida. Mas o acervo do artista ainda guarda muitas pérolas a serem redescobertas. No mês passado, o Instituto Moreira Salles levou à internet uma coleção com cerca de mil originais digitalizados.
— Dos dez livros que organizei sobre J. Carlos, este é o mais bonito — orgulha-se Loredano. — Comecei na profissão sem conhecer este monstro. Não queria que isso acontecesse com mais ninguém. Agora o Brasil sabe que teve um gigante.
“Reclames: J. Carlos publicitário”. Organizador: Cássio Loredano. Editora: Folha Seca. Páginas: 160. Preço: R$ 70.
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