O jornalista Tarso de Castro (1941-1991) foi uma das figuras mais controversas e irreverentes que passaram pela Folha, segundo a maioria das pessoas que trabalharam com ele —e também entre os seus desafetos.
Um dos criadores do famoso Pasquim (símbolo de um jornalismo autoral e satírico, que fez frente à ditadura militar), Tarso foi editor da Ilustrada e criador do semanário Folhetim, cujo primeiro número circulou em 23 de janeiro de 1977.
“A chegada do Tarso ao jornal e a criação do Folhetim foram uma tentativa de sucesso de trazer o que havia de melhor na imprensa alternativa para dentro de um veículo da grande imprensa”, diz Marcos Augusto Gonçalves, atual editor da Ilustríssima.
Os elementos que vieram com Tarso foram a linguagem mais coloquial e direta, a ousadia criativa e política, a inovação visual, além da voz das figuras de vanguarda do mundo da cultura e da política.
Tarso deixou o jornal no final do mesmo ano, mas voltou, em 1982, como colunista da Ilustrada. “Ele chegava ao jornal já meio calibrado”, conta o então secretário de Redação, Caio Túlio Costa. Sentava-se diante da máquina de escrever, colocava nela a lauda (folha de papel em que eram escritas as matérias nesta época), escrevia o lide (primeiro parágrafo, com a ideia inicial do texto) do que seria sua coluna naquele dia. E parava aí.
Levantava-se, descia e ia até um conhecido bar na alameda Barão de Campinas, na parte de trás do prédio do jornal.
Engatava, então, num papo com outros jornalistas, bebia um pouco mais. Às vezes, voltava a tempo, antes do fechamento. Quando era assim, embalado, terminava sua coluna rapidamente. Quando não, um de seus chefes acabava tendo de rematá-la por ele.
Suas colunas tinham forte componente político em tempos de ditadura militar. De esquerda, brizolista e inconformado com a censura, fazia provocações abertas ao regime em seus textos.
Durante a ditadura, a Folha nunca teve um censor no prédio8, embora isso tivesse ocorrido em outras publicações. O jornal tomava cuidado, porém, para não melindrar o poder. Mas Tarso não concordava com isso, considerando uma espécie de autocensura.
“Ele não tinha filtro, era uma personalidade que buscava a diferença e criticava o jornal dentro do próprio jornal. Tinha faro único para a polêmica”, conta Gonçalves.
Uma das críticas que fazia à Ilustrada, por exemplo, era de que “só falava de bandas inglesas e escocesas desconhecidas”, um rótulo que o caderno carregou por muito tempo.
“Um dia, eu tinha acabado de entrar no jornal e fiz uma resenha de um disco do Lulu Santos, acabei caindo na simpatia dele”, diz Gonçalves. “Ele achava que a Ilustrada tinha de valorizar a música do Brasil”, completa. Tarso era amigo de Caetano Veloso, Chico Buarque e Tom Jobim.
“Era um gênio no entendimento da conjuntura e na coragem de enfrentar a autoridade”, diz Caio Túlio. Editá-lo, porém, era uma dor de cabeça. Parte dos cuidados que o jornal tomava para não causar problemas com o poder fazia com que todas as colunas, especialmente as de Tarso, fossem lidas pela chefia e até mesmo pelo então publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira (1912-2007).
Ambos tinham afeto mútuo, e Tarso só aceitava cortes ou ajustes se fossem sugeridos pelo seu Frias (como era chamado) e discutidos com ele. “Se alguém mais mexesse no texto dele, ele ficava puto, não aceitava, parecia que ia derrubar o prédio”, conta Leão Serva, então editor-assistente da Ilustrada e hoje diretor de jornalismo da TV Cultura.
Tarso, porém, acabou saindo da Folha por conta de um processo de transformação pelo qual o jornal passou nos anos 1980, o chamado Projeto Folha, comandado pelo então diretor de Redação, Otavio Frias Filho (1957-2018), e no qual o estilo de Tarso não se ajustaria. “Impossível imaginá-lo respeitando o Manual da Redação. Era um jornalista de outros tempos”, diz Serva.
Se, por um lado, o álcool lhe dava inspiração, também foi o responsável por encurtar sua vida. Tarso morreu aos 49 anos, de cirrose hepática. “Como sabia que ia morrer jovem, ele se apegou muito a mim, me levava pra todo lado, para o bar, para as Redações. Eu dormia na cama com ele, convivemos de modo intenso. É o maior exemplo de amor que tive na vida”, diz o filho, João Vicente de Castro, 37, humorista do coletivo Porta dos Fundos.
“Eu evitei ser jornalista para tentar me diferenciar um pouco dele, para não competir com a sua sombra até que me dei conta, pela pergunta de uma jornalista, que o Porta dos Fundos tem algo do Pasquim. Ou seja, algo do DNA dele permanece. Embora não vivamos numa ditadura, como ele viveu, eu encontrei no humor uma forma de questionar os problemas de hoje, o racismo, a homofobia, a ameaça do fascismo”, diz.
Outra faceta de Tarso era a sua fama de conquistador, tendo namorado muitas mulheres. “Ele era indomável. Pode soar meio cafajeste, mas ele não tinha limites para amar. E ele dizia que era assim, portanto, as pessoas que escolhiam se relacionar com ele compravam o pacote”, completa João Vicente.
Tarso de Castro (1941-1991)
Nascido em Passo Fundo (RS), foi um dos fundadores em 1969 do Pasquim, jornal carioca editado por ele. Mais tarde, trabalhou na Folha, onde foi editor da Ilustrada e criou o suplemento semanal Folhetim, em janeiro de 1977. Deixou o jornal no final daquele ano e voltou em 1982, desta vez como colunista. Provocava abertamente a ditadura militar em seus textos.
Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal. -
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