LEANDRO PRAZERES
Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que o governo brasileiro foi alertado por autoridades norte-americanas sobre suspeitas de exportação de madeira ilegal da Amazônia dias antes de o Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) facilitar a exportação de madeira da região. Os documentos também mostram que, mesmo depois do alerta, o governo brasileiro continuou atuando a pedido de madeireiras para que os Estados Unidos aceitassem madeira sem autorização de exportação.
Em fevereiro, o governo brasileiro e o norte-americano haviam sido procurados por madeireiras que atuam no Pará. Contêiners da empresa Tradelink com madeira saída do Pará tinham sido retidos no porto de Savannah, na Geórgia, porque as autoridades americanas constataram que o material havia sido enviado a sem autorização de exportação expedida pelo Ibama exigida pela Instrução Normativa nº 15/2011.
A instrução, que ainda está em vigor, determina que a madeira da Amazônia só pode ser exportada após a emissão de uma autorização de fiscais do Ibama. Foram retenções como essa que fizeram um grupo de madeireiras paraenses pedir, no início de fevereiro, que o Ibama abolisse essa exigência. Ambientalistas, por outro lado, defendem que essa autorização aumenta a fiscalização sobre a madeira exportada pelo Brasil e diminui o risco de venda de madeira ilegal.
No dia 22 de fevereiro deste ano, o adido do Fish and Wildlife Service (FWS), Bryan Landry, enviou um e-mail para o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, fazendo menção a um encontro que tiveram no dia anterior. No e-mail, Landry relata que o FWS havia identificado indícios de que a madeira brasileira apreendida nos EUA poderia ter origem ilegal e que, por isso, o órgão tinha decidido abrir uma investigação interna. O FWS é uma espécie de "Ibama" dos Estados Unidos.
Entre os indícios de irregularidades relatados por Landry estaria uma conversa mantida por ele com o presidente da Tradelink, Jens Bursche, em que ele havia admitido que a subsidiária da empresa no Brasil teria “alguém no escritório do Ibama e Belém para “sentar lá todos os dias para garantir que as remessas sejam liberadas”.
O e-mail também mostra que Landry contou ao presidente do Ibama que Bursche acreditava que as informações sobre a origem da madeira apreendida não eram corretas e que, provavelmente, o material vinha de diversas serrarias, o que dificultaria o rastreio da origem do produto. Procurado, Bursche nega ter feito essas alegações a Landry (leia mais abaixo).
“À luz das informações acima, e levando em consideração as informações fornecidas na sexta-feira […] nosso escritório abriu uma investigação oficial da Tradelink EUA”, diz um trecho do e-mail.
Três dias depois do alerta contido no e-mail do americano, no dia 25 de fevereiro, Eduardo Bim assinou um despacho determinando que as exportações de madeira da Amazônia não precisavam mais da autorização de exportação do Ibama. O argumento de Bim é de que o Documento de Origem Florestal (DOF) ou documentos estaduais equivalentes eram suficientes para a exportação de madeira. A medida causou surpresa no Ibama porque, 13 dias antes, uma nota técnica assinada por cinco servidores de carreira do órgão defendia a manutenção da autorização de exportação.
Pressionado por madeireiras, Ibama tentou convencer EUA a aceitar madeira sem autorização
Outro conjunto de dados obtido pelo GLOBO mostra que, pressionado por madeireiras que tiveram cargas apreendidas, o Ibama insistiu junto ao governo americano para que o país aceitasse madeira exportada sem autorização do órgão, como previa a Instrução Normativa Nº 15/2011.
Em julho deste ano, um escritório de advocacia a serviço da madeireira Tradelink e da Wizi Indústria e Comércio enviou dois ofícios endereçados a Eduardo Bim. O primeiro, no dia 21 de julho, pedia que o Ibama interviesse junto à Embaixada do Brasil nos Estados Unidos para evitar a incineração de uma carga de não fosse incinerada. Seis dias depois, Bim atendeu o pedido e enviou um ofício ao embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Foster Jr.
O segundo, no dia 31 de julho, pedia que Eduardo Bim atuasse junto à FWS para que a agência passasse a aceitar carregamentos de madeira brasileira exportados sem a autorizção de exportação do Ibama.
Dez dias depois, no dia 10 de agosto, Bim acatou a mais um pedido e enviou um ofício a Bryan Landry, do FWS. No documento, ele pediu que o órgão desconsiderasse um comunicado sobre uma multa por exportação ilegal de madeira em nome da Wizi Indústria e Comércio e que o FWS passasse a aceitar o envio de madeira brasileira sem autorização de exportação do Ibama, como previa a IN 15/2011.
Dez dias depois, o Ibama recebeu a resposta americana. Educadamente, Landry agradeceu o contato, mas disse que as investigações americanas avaliaram a cadeia de custódia das cargas e concluíram que a madeira apreendida havia sido exportada de forma irregular e deveria continuar apreendida.
"Nossa investigação independente nos Estados Unidos, incluindo uma análise exaustiva de toda a cadeia de custódia das cargas, forneceu evidências adicionais de violações da lei dos EUA [...]Tais evidências motivaram a apreeensão dessas remessas pelo Serviço de Pesca e Vida Silvestre, que propôs seu confisco", diz um trecho da resposta americana ao Ibama.
Procurado, o Ibama confirmou o encontro com Bryan Landry no dia 21 de fevereiro.
“O Ibama informa que a reunião entre o seu presidente e o adido do Wildlife Law Enforcement no Brasil, Bryan Landry, teve como objetivo apresentar os requisitos exigidos pela legislação brasileira para a exportação de madeira bem como as normas vigentes, não constituindo nenhuma forma de pressão ou pedido de liberação”, disse o órgão em nota.
A Embaixada dos Estados Unidos, por sua vez, disse que “não discute supostas comunicações oficiais e/ou privadas” e que o governo dos EUA “continua sendo um forte parceiro do Brasil para garantir que a exportação e importação de madeira seja regulamentada, legal e sustentável”.
Procurado pela reportagem, o presidente da Tradelink nos Estados Unidos, Jens Bursche negou, por e-mail, que a empresa tivesse colocado alguém dentro do escritório do Ibama no Pará para garantir a liberação de madeira e disse nunca ter expressado dúvidas sobre a origem da madeira exportada pela emrpesa.
"Eu nunca disse isso. Isso não foi discutido por mim e pelo senhor Landry", disse Bursche. "Na verdade, eu nunca tive dúvidas sobre as origens da madeira ou sua legalidade. A madeira veio de concessões do governo federal brasileiro totalmente autorizadas e documentadas. Nosso respeito à lei brasileira é 100% garantido", disse Bursche.
Governo rebate críticas acusando compradores de madeira ilegalidade
Os documentos mostrando a insistência do governo brasileiro para que os EUA aceitassem madeira exportada sem autorização do Ibama vêm à tona em meio a tensão criada pelo presidente Jair Bolsonaro rebateu as críticas que o país vem recebendo por sua política ambiental.
Ao longo da semana, Bolsonaro chegou a prometer que divulgaria uma lista dos países que compram madeira ilegal brasileira, mas na hora H, recuou.
Para a ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas da organização não-governamental Observatório do Clima, Suely Araújo, o Brasil deveria aumentar e não afrouxar os controles sobre a exportação de madeira do país. Sobre as ameaças de Bolsonaro de expor compradores de madeira ilegal, Suely Araújo disse que o Brasil não deveria jogar a “culpa” do problema nos outros.
— Somos nós que temos de cuidar para que a madeira exportada esteja legitimada pela plena observância da legislação ambiental, não impor essa obrigação aos compradores internacionais. Desregulamentações açodadas nesse campo no quadro desastroso que temos de ilegalidade são absolutamente inaceitáveis. Jogar a culpa em outros também — afirmou.
Procurado, o advogado que representa a Wizi Indústria e Comércio e a Tradelink no Brasil, Murilo Souza Araújo, confirmou ter acionado o Ibama para atuar em favor das madeireiras.
"Diante, da confirmação posterior em despacho do Presidente do IBAMA, de que o Dof exportação era documento hábil para se exportar madeira nativa, este causídico solicitou, em caráter retroativo, a aplicação da norma contida no art. 58 da IN 21/2014, bem como do despacho do Presidente (do Ibama) em favor de Wizi e Tradelink, pois as autoridades da FWL (o correto é FWS) nos USA, não estavam atendendo a norma brasileira, precisando de confirmação do órgão ambiental competente", disse o advogado em nota.
O GLOBO
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