Impressionante. Por 20 dias, todos guardaram o segredo do porteiro. Dias Toffoli seguia sua rotina de manter Lula preso. Aras, ninguém nem achava que ele já estivesse em atividades na PGR.
De 09 a 29 de outubro, todos já sabiam, com exclusividade, que o porteiro do condomínio tinha afirmado que, no dia do crime, um dos assassinos entrou no condomínio do então deputado federal, se passando por visita de Bolsonaro.
Quando a polícia civil pegou o depoimento do porteiro pela segunda vez, o MP-RJ fez duas ações importantes: contou pra Witzel o que estava acontecendo e mandou parar as investigações, alegando foro federal.
Foram à Brasília. Sentaram com Aras e Toffoli. Os policiais pediram permissão para manterem as investigações no Rio e, o não pronunciamento de Toffoli, por 20 dias, foi o suficiente para acionar Bolsonaro, o síndico do condomínio, dar aos suspeitos, os registros de áudio, vídeo e livros de visitas da portaria... Por 20 dias, todos os envolvidos e interessados na morte de Marielle, tiveram tempo suficiente para elaborarem grande plano de fuga pela tangente.
Bolsonaro deixou o óleo derramando no nordeste e pegou sua comitiva dos mais encrencados com a justiça, entre eles seu fiel escudeiro fraudador do INSS, Helio Negão e partiu dar volta na Ásia e Oriente, sem agenda oficial. Enquanto passeava pela Muralha da China, Aras e Toffoli, MP-RJ e governador do Rio, davam "um jeito" de manterem tudo em sigilo.
A Globo vaza o depoimento do porteiro. Sem nenhum compromisso social com nada, coloca um cidadão comum, sozinho, de frente com a mais organizada quadrilha, agora, internacional. Bolsonaro se desespera (porque quem não deve, não teme) e acaba se enrolando numa live pra lá de suspeita. Aciona Moro, Aras, Witzel, MP-RJ... Todos correm atrás do vazamento, antes que vire desastre ambiental. Bolsonaro, ainda enrolado, acaba confessando que Witzel lhe passou o andamento do processo em segredo de justiça, no dia que o porteiro confirmou o depoimento pra polícia civil (9 out).
Carlos também se desespera e tenta provar que nem estava em casa, no dia do crime. Se enrola também, com documentos e aquivos em segredo de justiça, que já estavam em suas mãos, antes que estes chegassem à polícia e ao MP-RJ. Witzel se desespera e desmente Bolsonaro. Diz que não passou nada sobre o caso Marielle pra Jair. Moro se antecipa e, no início da manhã já dizia o que seria estampado nos jornais: "o porteiro mentiu e pronto".
Deputados e senadores se reúnem e, numa coletiva pra imprensa, defendem que o processo não corra no Supremo. Há indícios mais que claros de corrupção de Moro, Aras e PF. Mas o processo está nas mãos do Witzel/Bolsonaro/Carlos, no Rio.
A polícia civil não consegue avançar com tamanha máquina criminosa e parcial, contra ela. A testemunha que ligaria os assassinos aos mandantes, encontrada e ouvida só há 20 dias, foi revelada pela Globo de noite e desmentida pelos suspeitos de dia.
Queiroz que via com inveja, Adélio Bispo ser blindado, viu Adriano ser preso, Lessa ser preso, Élcio ser preso e viu sua família toda fora dos esquemas das rachadinhas. Mesmo tendo fugido pra São Paulo com despesas milionárias pagas, se sentiu esquecido e, com isso, ameaçado. Tudo aponta que os áudios dele, que foram parar nas mãos da imprensa, foi momento de desespero de Queiroz. Nos áudios ele fala de uma "pica do tamanho de um cometa" que arrombaria o clã. O "segredo de justiça" que a Globo teve "com exclusividade", Moro já tinha, Aras já tinha, Toffoli já tinha, Carlos Bolsonaro já tinha e até Queiroz.
Quem mandou matar Marielle, após 2018, tem o MP-RJ nas mãos, a GAECO-RJ nas mãos, a Globo nas mãos, a Record no bolso, a PGR, o presidente do STF, Moro, PF, o governador do Rio...
Mataram Marielle em março de 2018, depois a mataram de novo, com ataques fascistas nas eleições e com as fake news que ofendiam sua memória. Hoje, os assassinos de Marielle a mataram pela 3ª vez. Na nossa cara.
O deputado estadual paulista Gil Diniz (PSL),
conhecido como Carteiro Reaça, montou uma central de fabricação e
distribuição de dossiês e memes (montagens com fotos e textos) apócrifos
para atacar adversários. Diniz é considerado o braço direito da família Bolsonaro em São Paulo.
A Folha teve acesso a
conversas de um grupo de WhatsApp, chamado de “Gabinete Gil Diniz”, em
que o então deputado eleito orienta e discute com auxiliares a confecção
das peças.
As mensagens obtidas pelo jornal foram trocadas no
período em que antecedeu a eleição para a Mesa Diretora da Assembleia,
em 15 de março deste ano, mesma data em que o parlamentar tomou posse.
Todas as pessoas que participaram destas conversas
acabaram, após essa data, nomeadas para trabalhar no gabinete de Gil
Diniz na Assembleia.
Os deputados Cauê Macris (PSDB) e Janaina Paschoal (PSL), correligionária do Carteiro Reaça, concorreram na eleição, vencida pelo tucano.
“Amigo meu fez agora pouco, se alguém quiser usar nas redes, ajuda
muito”, afirma Diniz em uma mensagem, referindo-se a alguns memes.
Numa das montagens, aparece o tucano Macris
discursando com bandeiras do PT ao fundo e o slogan #MacrisNão. Em
outra, o adversário de Janaina foi amarrado por Fred Jones, personagem
fictício do desenho animado Scooby-Doo. Com cara de reprovação, Fred
segura a prova do “crime”: uma bandeira do PT.
Na sequência, Bruno Costa de Jesus, que após a
posse do deputado seria nomeado secretário especial do gabinete,
responde: “Ótimo, vamos viralizar”. Sonaira Fernandes de Santana, também
futura funcionária do parlamentar, afirma: “legal!”.
No dia 12 de fevereiro, Gil Diniz repassa para a
equipe uma imagem do governador João Doria (PSDB) na qual também há
referências a aliança de PT e PSDB na disputa pelo comando da
Assembleia.
O deputado eleito comenta: “Pessoal, precisamos criar
mais material assim”. Bruno Jesus responde: “Esse material é de suma
importância nesse momento”. Uma outra pessoa, identificada como Gaúcho
2, diz: “Podexa”. Gaúcho 2 é Diego Martins dos Santos, o artista gráfico
que produz os memes.
Três dias depois da eleição, Gaúcho foi contratado
para trabalhar no gabinete do deputado Diniz como auxiliar parlamentar.
Ficou apenas um mês no cargo e recebeu R$ 3.699,06 de remuneração.
Em entrevista à Folha,
Gaúcho confirma que trabalhou para o deputado. “Trabalhei auxiliando
eles no que eles me pediam”, disse. “Conforme eles pediam alguma ação,
eu fazia para eles, entendeu?”.
Gaúcho admitiu que recebia demandas para fazer
montagens contra adversários de Gil Diniz. “Foi exatamente isso que
aconteceu”, disse. “Só que nem sempre, na verdade, que eu saiba, nenhuma
das artes, a princípio, foi ao ar”, afirmou. “Normalmente era eles que
pediam para eu fazer [as montagens].”
Gaúcho diz que fez montagens, mas nega que tenha divulgado o material.
Outra pessoa que atuou ativamente nas conversas com o
deputado é Felipe Carmona Cantera, que hoje é assistente especial de
Diniz. Em uma mensagem, afirma que precisa de um prazo maior para
concluir suas investigações. Na sequência sugere que Diniz, “por conta
do tempo”, faça duas versões de “você conhece Cauê Macris?”, montagem
que foi distribuída nas redes sociais.
“A primeira é essa que já passei, e a próxima edição
seria sobre os doadores”, afirma. Sonaira Santana, responde: “Vou te
ligar de um telefone final 8068”. Em outro momento, Bruno Jesus diz para
o deputado: “tem uns [memes] que são bens pesados, ótimo para mostrar
as tramoias de modo que o povo entenda”.
Outro alvo do Carteiro Reaça, de acordo com as
conversas obtidas pela Folha, era o deputado estadual Enio Tatto (PT),
que disputava com Major Meca (PSL) a eleição para a 1ª secretaria da
Assembleia.
“Tenta montar alguma coisa no sentido de Major Mecca x
Enio Tatto”, pede a Gaúcho, que responde “ok”. Num dos memes surge o
ex-presidente Lula, ao lado de Tatto, e a seguinte frase: “Tatto é como
eu. Eu apoio!”.
Gildevânio Diniz ganhou o apelido de “Carteiro Reaça”
dos colegas dos Correios, onde trabalhava, por conta do jeito
contestador e das críticas ao que chamava de “aparelhamento estatal do
PT”. Os amigos criaram uma página para o personagem no Facebook e deram
para Diniz administrar. Em 2015, com a popularidade crescente, passou a
assessorar o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Na semana passada, Diniz foi acusado por Alexandre Junqueira,
um ex-assessor do seu gabinete na Assembleia, de cobrar de seus
funcionários a devolução de parte da remuneração. A prática é conhecida
como “rachadinha”. Diniz afirmou à Folha que a acusação é falsa e que foi feita por um ex-assessor que foi exonerado por não se adequar à rotina do gabinete.
“É importante notar que este ataque surge quando
coloquei meu nome à disposição para a disputa pela Prefeitura de São
Paulo”, declarou. O Ministério Público abriu uma investigação sobre o caso.
A deputada federal Joice Hasselmann (PSL)
tem denunciado o uso de uma estrutura sediada no Palácio do Planalto
para coordenar "milícias digitais" usadas contra desafetos do governo.
Ela diz que essa rede, que passou a tê-la como alvo e seria chefiada
pelos filhos de Bolsonaro, teria 20 perfis no Instagram alimentando uma rede de cerca de 1.500 páginas.
O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Cauê Macris, disse que o nível da disputa
para a presidência da Casa “foi um dos mais baixos da história”, mas
que, após a vitória na eleição, “colocou uma pedra sobre o assunto”.
Outro lado
A Folha procurou a assessoria de Gil Diniz para obter um posicionamento do deputado e de seus assessores.
Em nota, ele disse que até o dia 15 de março não havia nenhum funcionário lotado no gabinete.
“Os fatos relatados durante a disputa pela
presidência da Alesp ocorreram em fevereiro. A nomeação se deu apenas em
18 de março. As ações durante a disputa da presidência, portanto, foram
feitas de maneira voluntária”, afirmou.
Sobre as montagens contra os adversários, o deputado
disse que “até o presente momento não fomos informados de que a produção
de memes representa alguma modalidade de crime, ainda mais quando
produzidos de forma voluntária e distribuído entre amigos”.
O parlamentar também disse que encaminhou uma
representação contra o deputado Cauê Macris ao Ministério Público. “Isso
ocorreu em fevereiro, e foi amplamente noticiado pela imprensa.”
Colaborou Carolina Linhares
Por três décadas, o jornalista Oale Maharidge e o fotógrafo Michael S. Williamson viajaram pelos Estados Unidos em busca de um retrato da classe trabalhadora. Encontraram uma América faminta e desesperançada
Francisco Quinteiro Pires
DALE MAHARIDGE está assombrado com a facilidade de encontrar motivos para desespero na América atual. “E só ir à rua e prestar atenção” escreve em Someplace Like America: Tales From the New Great Depression, livro- reportagem sobre o empobrecimento da classe trabalhadora nos últimos 30 anos. Para Maharidge, os Estados Unidos não entraram numa recessão em 2008. O país estaria mergulhado em uma crise socioeconômica constante desde o início dos anos 1980, quando o presidente Ronald Reagan proclamou uma frase emblemática: “O governo não é a solução para o nosso problema, o governo é o problema”.
Acompanhado pelo fotógrafo Michael S. Williamson, Maharidge viajou mais de 800 mil quilômetros nas últimas três décadas. Ao longo do trajeto, dormiu ao lado de andarilhos em trens de carga, entrou em casas arruinadas onde agonizaram viciados em drogas, conversou com moradores de tent cities,habitações precárias à beira de rios. Ele percebeu em diferentes histórias uma luta comum pela preservação da dignidade em meio à extinção de empregos e ao encolhimento dos salários.
O compositor Bruce Springsteen escreveu a introdução da edição em brochura de Someplace Like America (University of California Press). Youngstown e The New Timer, duas músicas do CD The Ghost of Tom Joad (1995), foram compostas por Springsteen depois de ler Journey to Nowhere: The Saga of The New Underclass (1985), o primeiro dos seis livros da parceria entre Maharidge e Williamson, ambos ganhadores do Pulitzer. Para Springsteen, o trabalho da dupla revela “o custo em sangue, patrimônio e espírito que a desindustrialização dos Estados Unidos impôs a seus cidadãos mais leais e esquecidos”.
Logo no início de suas viagens pelos EUA, Maharidge e Williamson lançaram And Their Children after Them: The Legacy ofLet Us Now Praise Famous Men: James Agee, Walker Evans, and the Rise and Fall ofCotton in the South (1989). Esse livro-reportagem investigou o destino de três famílias de meeiros no Alabama, cujo desamparo o repórter James Agee (1909- 1955) e o fotógrafo Walker Evans (1903- 1975) registraram, 50 anos antes, durante a Grande Depressão, em Elogiemos os Homens Ilustres. A tragédia dos trabalhadores americanos é mais reveladora do que os resultados de institutos de pesquisa ou os relatórios de economistas de bancos. “Devíamos parar de nos fiar nas palavras de supostos especialistas e escutar as vozes de pessoas comuns, essas, sim, as verdadeiras experts: A seguir, trechos da entrevista de Maharidge a CartaCapital.
CartaCapital: O jornalista George Packer, em resenha publicada pela revista The New Yorker,apontou para a raridade do tipo de reportagem apresentado em Someplace Like America,“Há algo de teimosamente heroico nesse compromisso com um tipo de Jornalismo menos glamouroso, com um tema ingrato” Por que a mídia evita abordar os problemas dos trabalhadores e dos pobres?
Dale Maharidge: É devastador pensar no que ocorre na América. As coisas estão piores hoje se comparadas à Grande Depressão dos anos 1930. Naquela época, as pessoas nutriam a esperança de que as fábricas reabririam. Atualmente, as indústrias não são somente fechadas, são demolidas. O mato invade o terreno baldio que se forma. A retomada dessas terras pela natureza indica que não é possível sentir esperança. Muitos jornalistas estão interessados nos plutocratas, que têm mais glamour. Livros focados nesse segmento vão ser vendidos para a elite. Quanto aos pobres, as massas não parecem dispostas a receber livros sobre os trabalhadores. Um espelho é algo difícil de mirar. Mas esse é um trabalho que precisa ser feito. Eu e Williamson preferimos avançar por caminhos ignorados pela maioria dos jornalistas. Nosso livro pode oferecer esperança. As histórias dessas pessoas que lutam para sobreviver têm um lado edificante, embora não tenhamos percebido há 30 anos nem tenha sido esse nosso objetivo inicial.
CC: É inevitável comparar Someplace Like America a Elogiemos os Homens Ilustres (1941) Em And Their Children after Them, o senhor e Williamson foram atrás dos descendentes das famílias com as quais Agee e Evans conviveram Além das singularidades de cada período histórico, quais as diferenças entre seu livro e Elogiemos?
DM: Amaneira de fazer o nosso trabalho é diferente. Evans não passou tanto tempo no Alabama quanto Agee, que ficou próximo das famílias. Williamson esteve do meu lado o tempo todo. Em termos históricos, a pobreza hoje tem uma face diferente. A imagem de uma criança na frente de uma casa de subúrbio não desperta a mesma comoção que uma criança na frente de um barraco. Ainda assim, ao longo dos últimos 30 anos, com frequência encontramos geladeiras vazias e crianças com fome em casas de subúrbio. A fome na América se espalhou. Tal como na época de Elogiemos os Homens Ilustres,as pessoas estão paralisadas. Há semelhanças. Muitos do 1,4milhão de americanos que trabalham para o Walmart recebem 9 ou 10 dólares por hora. Na maioria das cidades, seus salários mal pagam o aluguel. Trabalham em dois ou três empregos. Ainda assim chegam ao fim do mês sem comida. É escravidão assalariada.
CC: Para escrever Someplace Like America, o senhor reencontrou as pessoas que conheceu 30 anos antes Por que foi importante falar de novo com esses entrevistados?
DM: Com frequência, nós, jornalistas, surgimos de repente e entrevistamos as pessoas para criar um sumário de suas vidas. E seguimos em frente. Quando retorna a uma história já publicada, o repórter cria não só um resumo, mas um retrato em mutação das pessoas. Ao concebermos esse tipo de representação, podemos ver as mudanças pelas quais os EUA passaram nos últimos 30 anos. É uma forma mais satisfatória de contar uma história.
CC: Enquanto reporta, o senhor não tem receio de expor as limitações do seu trabalho e impressões Por que insere essas informações no texto?
DM: Leitores de obras como Someplace Like America exigem um contexto. Não é suficiente apresentar os fatos. Na era da internet, fomos inundados por fatos. Daí a necessidade de uma explicação apresentada por um narrador confiável. Minha maior inspiração é a ficção de John Steinbeck, em especial As Vinhas da Ira (1939), em que ele oferece um significado e um encadeamento às circunstâncias.
CC: O senhor se sentiu desamparado durante as viagens?
DM: Muitas vezes. O pior período foi quando andamos nos trens de carga nos anos 1980. Passávamos por casas e víamos através das janelas famílias sentadas à mesa para o jantar. Sentíamos como se estivéssemos testemunhando de outro lugar a ilusão do sonho americano. Até hoje tenho esse sentimento de deslocamento. Quando visitei as áreas do Meio-Oeste dos EUA me senti como um jornalista estrangeiro. Este não é mais o país onde nasci.
Por trás de debate sobre valor artístico dos filmes de super-heróis, há uma mudança na indústria do cinema como conhecemos
Luiza Barros
De um lado, dois senhores de 80 e 76 anos. Do outro, alguns dos
super-heróis mais poderosos do cinema. Os velhinhos não teriam chance se
não fossem eles dois dos homens mais poderosos de Hollywood:
Francis Ford Coppola
e
Martin Scorsese
. Diretores de obras-primas que revitalizaram o cinema americano nos anos 1970, como
"O poderoso chefão"
e
"Taxi driver"
, os cineastas entraram em pé de guerra com os "marvetes", fãs de filmes
baseados nos quadrinhos da Marvel, ao criticar o valor artístico dessas
produções, que atualmente dominam a bilheteria. Por trás da briga, há
mais do que um confronto de gerações: há um debate sobre as mudanças e
desafios que a indústria do cinema enfrenta nos últimos anos. No texto
abaixo, explicamos a discussão e seus motivos passo a passo:
Como a treta começou: 'Marvel não é cinema'
Coppola entra na briga: 'Marvel é desprezível'
Por que Coppola e Scorsese importam
Por que o Universo Cinematográfico Marvel importa
Há espaço para todos os filmes?
Filmes de mafiosos são a Marvel do passado?
Como a treta começou: 'Marvel não é cinema'
Em entrevista à revista "Empire" no começo de outubro, Martin Scorsese
revelou que tinha tentado e fracassado em conseguir se engajar com os
filmes da Marvel. Para ele, tais produções "não são cinema", e sim
"parques temáticos".
“Honestamente, o que mais se aproxima deles, mesmo sendo bem feitos e
com os atores fazendo o melhor dentro do possível, são parques
temáticos. Não é o cinema de serem humanos tentando passar experiências
emocionais e psicológicas de outros seres humanos”
Martin Scorsese
Sobre filmes da Marvel
Ou seja, na visão de Scorsese, os filmes da Marvel não podem ser
considerados "cinema" porque falhariam em retratar a experiência humana
na forma de narrativa.
Em um segundo momento, o diretor desenvolveu melhor seu argumento em uma
coletiva de imprensa no London Film Festival, onde esteve para divulgar
seu novo filme, "O irlandês", que estreia em 27 de novembro na Netflix.
Para ele, o cinema precisa "se defender" da invasão desse tipo de
produção em suas salas.
"Não é cinema, é outra coisa. Nós não deveríamos ser invadidos por isso.
Nós precisamos que os cinemas se posicionem e apresentem filmes que são
narrativas. Cinemas viraram parques de diversões. Isso é ótimo para
aqueles que gostam desse tipo de filme e, sabendo o que as pessoas
sentem agora, eu admiro o que elas fazem. Não é o meu tipo de coisa,
simplesmente não é. É criar para um outro tipo de audiência que acha que
cinema é isso".
Coppola entra na briga: 'Marvel é desprezível'
Enquanto atores e produtores ligados à Marvel reagiam aos comentários de
Scorsese, outro ícone do cinema resolveu entrar na discussão. Durante o
Festival Lumière, na França, Francis Ford Coppola disse não só que seu
colega estava coberto de razão, mas que foi até educado demais tratando
do assunto — algo que ele não estava disposto a ser.
“Nós esperamos aprender com o cinema, ganhar alguma coisa, algum
conhecimento, alguma inspiração. Eu não sei o que alguém ganha vendo o
mesmo filme de novo. Martin foi gentil quando disse que não é cinema.
Ele não disse que é desprezível, que é o que eu digo.”
Francis Ford Coppola
Sobre filmes da Marvel
Por que Coppola e Scorsese importam
Quando alguém dá uma opinião impopular, é comum tentar desqualificar o
autor da opinião. No caso de Coppola e Scorsese, fica difícil: os dois
não são apenas uns dos maiores diretores de sua geração, mas da história
do cinema.
Na lista de 2019 da prestigiada revista britânica "Sight and sound",
"Apocalypse now" (1979)
, de Coppola, figura como o 14º melhor filme de todos os tempos, enquanto
"O poderoso chefão" (1972)
ocupa a 21ª posição. Empatados na 31ª posição, estão
"Taxi driver" (1976)
, de Scorsese, e
"Opoderoso chefão II" (1974)
, de Coppola.
Coppola e Scorsese não têm apenas prestígio: seus filmes fazem parte da
cultura popular ao ponto que é difícil pensar em alguém que trabalhe em
Hollywood hoje e não tenha, de alguma maneira, sido influenciado por
suas obras.
No livro "Easy riders, raging bulls — Como a geração sexo-drogas-e-rock'n'roll salvou Hollywood", o jornalista
Peter Biskind
discorre sobre como Coppola e Scorsese, além de outros diretores da
mesma época, como George Lucas, Steven Spielberg e Robert Altman,
revolucionaram a forma de conceber e realizar filmes.
Com temáticas ousadas e personagens complexos, que fugiam de fórmulas
maniqueístas, esses realizadores revigoraram a indústria do cinema entre
o final da década de 1960, quando Hollywood sofria com um esgotamento
criativo, até meados dos anos 1980. O trabalho deles, portanto, não foi
apenas inovador artisticamente, mas fundamental para manter o cinema
americano de pé.
Por que o Universo Cinematográfico da Marvel importa
Com a chegada do streaming, que facilitou como nunca o acesso barato a
séries e filmes de qualidade, convencer o público a ir ao cinema não tem
sido uma tarefa tão simples quanto antes. Há, no entanto, algo que
continua a arrastar multidões para as telonas: os heróis da Marvel.
Adquirido pela Disney em 2009, o selo dos quadrinhos se transformou nos
últimos anos em uma potência cinematográfica. Tudo começou com
"Homem de ferro" (2008)
, filme que não só revigorou a carreira de
Robert Downey Jr.
como iniciou o chamado
"Universo Cinematográfico Marvel (MCU)"
, que inclui (até o momento) 23 filmes lançados que encontram pontos de conexão entre si.
O carro-chefe do
MCU
é a franquia
"Vingadores"
, que reúne boa parte dos heróis da Marvel. O último filme da série,
"Vingadores: Ultimato"
(2019), é a maior bilheteria da história, segundo dados do Box Office
Mojo, arrecadando mais de US$ 2,7 bilhões ao redor do mundo (se
corrigido pela inflação, "E o vento levou", de 1939, continua à frente).
Há espaço para todos os tipos de filmes?
As falas de Scorsese e Coppola, evidentemente, geraram reações, em
especial entre os atores e produtores ligados ao universo da Marvel. Um
argumento comum, de natureza apaziguadora, é o que foi usado por
Natalie Portman
. Vencedora do Oscar, a intérprete de Jane Foster em
"Thor"
diz que "há espaço para todos os tipos de filme" e "não há uma única forma de se fazer arte".
Embora seja verdade que é possível fazer cinema de muitas formas
diferentes, a história fica um pouco mais complicada se levarmos em
consideração o fator comercial. Com o predomínio de filmes da Marvel e
da Disney nas bilheterias, tem ficado difícil para filmes sem efeitos
especiais competirem. Quem reclamou recentemente disso foi
Jennifer Aniston
: antes procurada para estrelar comédias românticas, ela disse à "Variety" que decidiu retornar à televisão porque
"não está interessada em viver numa tela verde"
.
“Você vê o que há disponível por aí e está apenas diminuindo e
diminuindo, há apenas grandes filmes da Marvel. Ou coisas que eu não sou
chamada para fazer ou que envolvem viver numa tela verde”
Jennifer Aniston
Sobre filmes da Marvel
O fato é que, mesmo que se tenha um filme competitivo, com capacidade de
atrair o público, produtores estão tendo dificuldades em simplesmente
encontrar uma "janela" para lançar seus filmes sem sofrer com a ocupação
dominante da Disney nas salas de cinema. Aqui no Brasil, um caso
exemplar é o
"De pernas para o 3"
. Após estrear indo bem na bilheteria, a produção nacional foi varrida
das salas com a chegada de "Vingadores: ultimato", que tomou conta de
92% das salas de cinema do Brasil na ocasião. Dessa forma, fica difícil
simplesmente ser viável fazer um filme que não seja sobre heróis de capa
capazes de explodir coisas.
Filmes de mafiosos são a Marvel do passado?
Um argumento que encontra mais força para defender os filmes da Marvel é o usado por
James Gunn
. Diretor de
"Guardiões da galáxia"
e
"Esquadrão suicida"
(da concorrente da Marvel, D.C. Comics), o cineasta sustentou em uma
publicação do Instagram que, por trás das críticas aos super-heróis,
estaria um preconceito aos filmes de gênero.
Para Gunn, este mesmo tipo de crítica generalizante sobre uma temática
popular já atingiu no passado o faroeste, hoje celebrado graças a
autores como John Ford, Sam Peckinpah e Sergio Leone, e mesmo os filmes
sobre a máfia que deram fama a Coppola e Scorsese. E que, não tanto
tempo atrás, a mesma queixa era feita em relação a "Guerra das
estrelas", hoje já considerado um clássico do cinema.
“Super-heróis são simplesmente os gângsteres/cowboys/aventureiros
espaciais de hoje. Alguns filmes de super-heróis são horríveis, outros
são lindos.Como filmes de faroeste e de gângster, nem todo mundo vai
gostar deles, talvez até alguns gênios”
Tal como o ímã para o metal A chance de Lula deixar a carceragem
da PF por decisão do STF ou da juíza provocada a analisar sua
progressão para o semiaberto fez integrantes do PT debaterem o impacto
da mudança de cenário. Para além da certeza de que ele, se plenamente
livre, vai querer rodar o país, há a percepção de que a saída da prisão
tende a reavivar a polarização com Jair Bolsonaro. A dúvida é se o
efeito colateral desse movimento não auxilia o presidente justo no
momento em que a direita está fragmentada.
De carne e osso Alguns quadros do PT confidenciam, em privado, temer que o retorno de Lula
ao cotidiano da política reagrupe a direita, dando a ela um inimigo
comum –e a Bolsonaro combustível para ataques sobre o risco de a
esquerda retomar o poder.
Timing Alguns integrantes da sigla ponderam que Bolsonaro vive momento de fragilidade,
sem o apoio sólido do centro, com o partido rachado e em pé de guerra, e
movimentos de direita estremecidos pela claudicância do Planalto na
defesa da pauta anticorrupção. O “fator Lula”, avaliam, poderia
suplantar tudo isso.
Tudo no script Mas
há, claro, numerosa ala que vê o efeito rebote como natural e esperado.
Esses dizem que, desde a década de 1980, o PT ocupa um dos lados da
polarização, seja contra Collor ou contra o PSDB, seja como o alvo no
comando do Planalto.
In between rounds at his golf club, on both Saturday and Sunday, President Trump decided that he was done with Syria. He ordered the evacuation of a thousand U.S. Special Forces troops deployed to contain ISIS,
the jihadi movement that still has tens of thousands of members waging
an underground insurgency across Syria and Iraq. For five years, the
Americans have been the backbone of support—providing air power,
intelligence, and strategic advice—for the Syrian Democratic Forces. The
Kurdish-led militia did the actual fighting against ISIS,
losing eleven thousand fighters along the way. It evolved into one of
the most important U.S. allies anywhere in the Middle East. More than
seventy nations joined the coalition backing the S.D.F., but the United
States has been the glue holding it together.
As
if on cue, on Sunday, hundreds of families and supporters of the Islamic
State escaped from a detention center in Ain Issa, in northeastern
Syria. The Kurds reported that the black ISIS
flag was soon erected nearby. “Five years of work—undone,” a U.S.
official lamented to me, on Sunday. Trump’s order to withdraw also
prevented U.S. forces from being able to transfer about sixty
“high-value” ISIS prisoners from detention centers in the area controlled by the S.D.F., the Timesreported.
The area where U.S. troops have been deployed has disintegrated into chaos since Turkey invaded
Syria last week—and President Trump opted to do nothing to stop or
discourage President Recep Tayyip Erdoğan’s campaign to destroy U.S.
allies in the S.D.F. An estimated hundred and thirty thousand Syrians
have fled
Turkish air strikes, artillery, and ground operations, according to the
United Nations. Hospitals in Kurdish areas in the north have closed.
Water is running short.
Videos on social media
appear to show members of a militia mobilized by Turkey, dubbed the
Syrian National Army, summarily executing captives from the S.D.F. and
its political arm. “It appears to be” war crimes, the Defense Secretary,
Mark Esper, said on Sunday, on CBS’s “Face the Nation.” “It’s a very
terrible situation over there, a situation caused by the Turks. Despite
our opposition, they decided to make this incursion.”
On Saturday night, Trump grumbled
that he was “an island of one” in his decision to end the U.S. mission.
“We have to bring our great heroes, our great soldiers, we have to
bring them home. It’s time. It’s time,” Trump said, in a speech to the
Values Voter Summit, an annual gathering of a group of conservative
activists. He described the Middle East broadly as a quagmire and its
people as incapable of peace. “It’s less safe now. It’s less secure,
less stable, and they fight,” he said. “That’s what they do. They
fight.”
Esper offered a slightly different take.
“We have American forces likely caught between two opposing, advancing
armies, and it’s a very untenable situation,” he said on “Face the
Nation.” “So I spoke with the President last night, after discussions
with the rest of the national-security team, and he directed that we
begin a deliberate withdrawal of forces from northern Syria.”
U.S. Special Forces came under Turkish artillery fire on Friday, the Pentagon reported.
The Pentagon had earlier provided the Turkish military the so-called
grid of U.S. deployments inside Syria. “We gave them the location of our
forces, [but] there’s a fog out there. Things happen,” Esper said on
CBS.
Turkey’s goal is to create a buffer zone
along its border with Syria. It would run at least thirty kilometres
into Syria, in an area dominated by Kurds. Erdoğan fears that the Kurds,
who make up
the largest ethnic and linguistic minority in Turkey, will unite in a
separatist campaign to create their own state. The U.S. had been working
with the S.D.F. to address Turkey’s concerns, but Erdoğan opted to
invade anyway.
The five-year campaign by a U.S.-led coalition to confront and destroy the world’s most fanatic movement now risks unravelling. ISIS
still has branches across the Middle East, which have killed thousands.
One of its deadliest attacks was the bombing of a Russian airliner
flying from Sharm el-Sheikh to St. Petersburg, in 2015. During the five
years of the Islamic State’s caliphate, ISIS
planned or inspired some of the most heinous terrorist attacks in the
West, including in Manhattan, Orlando, and San Bernardino, and at Ohio
State.
“We may want a war over—we may even declare
it over,” the former Defense Secretary James Mattis said on NBC’s “Meet
the Press.” “You can pull your troops out, as President Obama learned
the hard way out of Iraq, but the ‘enemy gets the vote,’ we say in the
military. And, in this case, if we don’t keep the pressure on, then ISIS will resurge. It’s absolutely a given that they will come back.” Mattis resigned
in December, when Trump first announced his intention to wind down the
U.S. presence in Syria and end the alliance with the S.D.F.
Trump
faces a bipartisan challenge to his Syria policy. Senator Robert
Menendez, a Democrat of New Jersey and the ranking member of the Senate
Foreign Relations Committee, condemned the withdrawal of U.S. troops and
the decision’s inevitable repercussions. “With this withdrawal,
President Trump is further weakening the United States’ position on the
global stage, actively weakening our national security and further
undermining our credibility with partners and allies,” he said in a
statement on Sunday. “This administration’s chaotic
and haphazard approach to policy by tweet is endangering the lives of
U.S. troops and civilians. The only beneficiaries of this action are ISIS, Iran and Russia.”
General Mazloum Kobani Abdi,
the S.D.F. military commander, charged the top U.S. official in Syria
with leaving the Kurds to be slaughtered, according to a U.S. memo of the exchange, which was obtained by CNN. “You have given up on us. You are leaving us to be slaughtered,” Mazloum
said to William Roebuck, on Thursday. “You are not willing to protect
the people, but you do not want another force to come and protect us.
You have sold us. This is immoral.”
The Syrian
Democratic Forces have been scrambling to find new partners to help
navigate an end to Turkey’s invasion. In an ironic twist for the United
States, Mazloum has had talks with Russia and the regime of President Bashar al-Assad.
Russia and the Syrian government, and also Iran, have long sought
control over the third of Syria that is currently under the control of
the S.D.F. Many of the country’s most valuable oil assets are in that
region.
On Sunday evening, the S.D.F. announced
that it had reached an agreement with the Assad government to deploy
Syrian-government troops along the border with Turkey, “to help the
S.D.F. stop this aggression.” The government news agency reported that
Syrian troops were already moving north. Russia was reportedly the key
mediator between the S.D.F. and Syria during the previous three days.
The partnership marks a major shift for the Kurds, who have long sought
more rights or self-rule from Syria, because of the government’s long
history of persecution and discrimination against the minority. Kurds
make up about ten per cent of Syria’s eighteen million people.
The
chaos did not seem to bother Trump as he went off to play golf. On
Sunday, the President’s motorcade passed a group of protesters outside
Trump National Golf Club. They carried signs, according to the White
House pool, that read “TRAITOR” and “FAKE POTUS.” The Kurds who have fought alongside the U.S. might agree.
A paciente chegou ao consultório da terapeuta aflita.
Dizia ter perdido a fé na humanidade, no país, na própria psicanalista.
Então levantou a questão essencial: “Isso é depressão ou é o clima
político?”.
Especialistas admitem que a psicologia individual é
altamente influenciada pela realidade política. Muitos se sentem insanos
neste momento porque o Brasil e o mundo estão longe do que se
convencionou chamar de são. As crises — política, econômica, ambiental,
cultural — abalam o otimismo natural dos homens e a crença na bondade
humana e no progresso.
O Brasil e o mundo estão inseridos numa bolha na qual
corrupção, ódio, exclusão e paranoia se alimentam. Muitos sentem
desespero e ansiedade como nunca sentiram antes, a julgar pelo aumento
na procura de consultas a terapeutas, nas ligações para centros de
prevenção de suicídio e até no número de anedotas em circulação sobre
psicanalistas em geral. No mundo todo, a taxa de suicídios recua. No
Brasil, no entanto, esse número cresce. Seis brasileiros em cada grupo
de 100 mil habitantes são atingidos, segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS).
O contexto de polarização e violência política — com
as eleições passadas marcadas pelo atentado ao então candidato Jair
Bolsonaro (PSL), a proliferação de notícias falsas pelo WhatsApp,
rompimentos familiares e casos de agressões e assassinatos de oponentes
políticos — levou à criação de um grupo chamado Escuta Sedes, voltado à
população afetada pela crise política, atendida em rodas de conversa
gratuitas e comandadas por psicanalistas. “O grupo foi criado em função
de a gente perceber que havia, ali na altura do segundo semestre, do
evento das eleições, o incremento da violência nas relações entre as
pessoas”, disse Silvia Nogueira de Carvalho, membro do Departamento de
Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, referência na área de saúde
mental.
O medo e o isolamento mostram-se como dois sentimentos
preponderantes, afirmou. É preciso, então, investir na “possibilidade
de estar junto, de não se isolar, de pensar, de investir na criação de
espaços de acolhimento e aconchego” e “recriar laços sociais”. “Em
tempos de guerra, há uma violência que transborda. Esse fato requer
muito trabalho para conservar a vida. O que se manifesta, mais que o
desamparo, é o desalento, um excesso de desamparo ante os excessos do
outro. O discurso que passou a ser corriqueiro no país ( é ) um discurso que estranha o diferente, ( que incentiva
) a intolerância na discussão, o aumento da violência física contra
minorias, uma violência que foi atingindo o espaço público e também os
grupos familiares, de amigos e de trabalho. Esses tempos requerem muito
trabalho. O trabalho de tomar parte na possibilidade de proteger a
cultura contra a barbárie.”
Christian Dunker, psicanalista e
professor da Universidade de São Paulo (USP), disse não se lembrar de
tempos como os atuais. “Atendo há 30 anos, já assisti a outros momentos
tensos. Mas nunca a política ocupou tanto espaço na vida das pessoas.”
Ele contou que, entre o primeiro e o segundo turno das
eleições de 2018, viu “namoros serem rompidos, violências serem
praticadas”. A pauta política voltou com força no mês de agosto de 2019,
com a crise em torno do desmatamento da Amazônia. “Foi uma espécie de
materialização de algo errado acontecendo”, afirmou. “A formação de um
dia que mudou sua atmosfera em função de queimadas produziu 1 grama a
mais de realidade para nossos pesadelos, dando concretude aos pesadelos e
inseguranças das pessoas. Está havendo uma percepção gradual de que
aquelas ameaças ( do presidente ) têm um impacto real.”
Para Dunker, o presidente Bolsonaro é um agente de
ativação “das modalidades de sofrimento e de sintoma que já estão
presentes” nas pessoas. “Ele torna mais agudo os conflitos familiares,
de raça, de gênero, de classe. Faz isso ao se instituir como referência
simbólica para a prática da autoridade pública, o registro opressivo.
Isso tem poder de incrementar a angústia que já estava lá.”
O psiquiatra e psicanalista Rodrigo Lage, da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo, tem observado “a exacerbação de
ansiedade e de angústias, muitas vezes ante manifestações públicas de
governantes que geram medo e insegurança”. Ele citou uma entrevista
recente de Bolsonaro ao programa Na lata ,
apresentado por Antonia Fontenelle, ex-mulher do diretor de telenovelas
Marcos Paulo, que se notabilizou na briga pública por seu espólio e, ao
declarar apoio a Bolsonaro em 2018, disse que feminismo era “mimimi”. Na
ocasião, o presidente afirmou que qualquer arranjo familiar que saísse
da estrutura tradicional homem e mulher era “lixo”. “Esse tipo de fala
desmonta, agride, ataca essas pessoas. Tem o efeito de refazer traumas
antigos, de reabrir feridas profundas”, afirmou Lage. “Nas democracias,
os governantes em altos cargos têm, para além do lugar objetivo, de
administrador, um lugar simbólico, que funciona como mediador, como
guardião desse pacto civilizatório. Se vejo alguém que ocupa tal lugar
falar que minha forma de amar, de me organizar em família é um lixo,
isso gera medo. Se vejo um governador relativizar a tortura, isso gera
muito desamparo — e medo.”
Pouco antes de
conceder entrevista a ÉPOCA, o artista visual e historiador Lucas
Fonseca de Sá Cavalcanti de Albuquerque, de 28 anos, deixou um café em
que estava ao ouvir duas senhoras dizerem coisas “reacionárias”. O
pernambucano, que se mudou recentemente para o Rio de Janeiro,
afastara-se, no ano passado, de amigos da família e dos pais. O motivo: o
apoio a Bolsonaro — e a sua agenda homofóbica. “Foi bem difícil para
mim como filho, gay, nordestino, negro” ver que os pais mantinham
relações com pessoas homofóbicas. Para os pais de Albuquerque, era algo
muito absurdo se afastar de pessoas por causa do voto. “A vida do filho
deles estava correndo risco por isso, e eles não tinha essa
consciência”, disse. “A sensação que eu tenho é que tudo pelo que lutei
foi por água abaixo. É algo desesperador.”
Para ele, os piores momentos são aqueles em que não
consegue se aproximar das pessoas — ou vê-se obrigado a afastar-se delas
— por sua visão de mundo. “Acabo descontando em bebida, em droga, você
fica tentando ter momentos efêmeros de felicidade”, disse o artista,
que, antes, só bebia nos finais de semana e agora bebe até quatro vezes
por semana. “É uma fase. Acho que não vou passar muito tempo bebendo
mais.” Com o sono instável, sente-se também menos livre. “Comecei a me
vestir de uma forma mais ‘masculina’. Camisa polo é uma coisa que eu não
usava havia muito tempo. ( Antes ) eu me sentia um pouco mais livre.”
Uma das principais preocupações de Claudio Vinicius
Santana, de 48 anos, conhecido na noite paulistana como Claudio Medusa,
dono de baladas e bares que marcaram a vida noturna de São Paulo, como o
Alberta#3, na atual conjuntura política do país é seu filho de 10 anos.
“Como pai, faço de tudo para dar educação, cultura, criar uma pessoa
com muito menos preconceito do que minha geração teve. E de repente vem
essa onda de atraso”, contou.
A reuniões familiares, pensa duas vezes antes de
levar o garoto: “Será que eu levo meu filho para interagir com essa
gente?”, pergunta-se. “Nessas reuniões de família, as pessoas costumam
soltar os comentários mais racistas, preconceituosos. A gente imaginava
que isso nunca fosse acontecer em 2019.” Acaba levando o filho, mas
confessou: “Fico um pouco agoniado”. Para ele, seus familiares são
pessoas que, nos anos da ditadura civil-militar, o dedurariam “para o
Dops ( Departamento de Ordem Política e Social
)”. No entanto, Santana busca, com a mãe do menino, fazê-lo entender a
realidade. “Converso muito sobre a situação. A gente acha melhor dar
ferramentas para ele lidar com a situação do que criar mais um
alienado”, disse.
“Eu ainda sou um cara que trabalha com noite, com
pessoas que são liberais, progressistas”, contou. “Esse discurso de
ódio, essa perseguição contra a cultura, a gente fica afetado, sente-se
perseguido”, disse. A Lei Rouanet, de incentivo à cultura, foi um dos
principais alvos do presidente e seus apoiadores ao longo da campanha e
no início do governo. Em abril, 13 projetos culturais perderam
patrocínio da Petrobras, entre eles a Mostra Internacional de Cinema de
São Paulo. O setor audiovisual vive um momento de crise e impasse diante
das indefinições em torno da Ancine — agência de fomento e regulação do
setor audiovisual. Recentemente, o presidente vetou um edital de séries
de conteúdo LGBT.
A atual conjuntura, afirmou Santana, tem feito com
que ele beba mais. “A gente senta, começa a conversar, beber, e uma
cerveja viram dez. Bebe mais e discute e fala sobre isso. É angustiante.
É uma maneira que você tem de aliviar.” Outro efeito é a insônia. No
dia da entrevista a ÉPOCA, na terça-feira 10 de setembro, ele havia
dormido das 5 horas às 9 horas da manhã. Talvez pelo fato de que estar
dormindo ou acordado não faz mais tanta diferença. “Dá uma sensação de
você estar vivendo dentro de um pesadelo, você não sabe quando esse
pesadelo vai acabar.”
Foto: Montagem com reproduções
Ayssa Yamaguti Nore, de 24 anos,
formada em história e ciências sociais, carioca, convive com histórias
de mulheres que sofreram com a repressão, prisão e tortura durante a
ditadura civil-militar (1964-1985), período elogiado pelo atual
presidente, Jair Bolsonaro, que, em mais de uma ocasião, celebrou a
memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, único torturador
reconhecido pela Justiça brasileira. “As pessoas que eu estudo são
diretamente afetadas pela fala dele”, disse Nore. E ela própria tem sido
afetada pela conjuntura política. Bolsista, recebe R$ 1.500 pelo CNPq
para fazer sua pesquisa de mestrado. Com a perspectiva de cortes nas
bolsas, Nore não sabe se continuará a receber a dela no mês que vem.
A insegurança financeira tem sido um fator a mais de
ansiedade para a mestranda, que sofre também com o clima dentro da
universidade — em razão da insegurança financeira e do confronto aberto
do governo com a ciência e o mundo acadêmico, além das declarações de
cunho sexista proferidas por Bolsonaro ao longo de sua trajetória
política e de sua Presidência. Há poucos dias, o presidente escarneceu
da aparência da primeira-dama da França, Brigitte Macron, 24 anos mais
velha que o presidente Emmanuel Macron, em contraponto à aparência da
primeira-dama Michelle Bolsonaro — 27 anos mais nova que o presidente
brasileiro.
“Eu me sinto desrespeitada pelo presidente
constantemente. Todos os discursos de ódio, não só sobre as mulheres,
levam a ações muito mais duras no dia a dia”, disse. “Eu sempre senti
medo, mas principalmente na época das eleições e de discursos mais
incisivos do Bolsonaro.” Os dados corroboram seu sentimento. No primeiro
semestre de 2019, o Ligue 180, canal criado em 2017 para receber
denúncias de violações às mulheres, registrou 46.510 denúncias, um
aumento de 10,93% em relação ao mesmo período de 2018 — segundo dados do
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
A soma de fatores de estresse e ansiedade deixou sua
vida “toda desregulada”. “Tenho dificuldade de acordar de manhã, tenho
dificuldade de trabalhar porque estou constantemente cansada. Tem
afetado minha concentração. É difícil me sentar e escrever a
dissertação.” A ansiedade lhe causa crises de choro, tremedeira e
apatia.
O economista Daniel Pecorelli, de 33 anos,
repreendeu um homem que jogou uma fita adesiva no chão, na Zona Sul do
Rio. “Essa discussão descambou para a homofobia e terminou com ele me
atingindo no rosto
Em setembro, na reta final do
primeiro turno das eleições presidenciais, o economista Daniel
Pecorelli, de 33 anos, repreendeu um homem que jogou uma fita adesiva no
chão, em pleno Aterro do Flamengo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. “Essa
discussão descambou para a homofobia e terminou com ele me atingindo no
rosto ( com um remo de madeira )”, contou. Na
sequência, um carro com cinco homens parou no trânsito. Os homens, ao
ouvirem sua conversa com o amigo que o acompanhava, gritaram: “Ah,
veado, Bolsonaro vem aí!”.
No mês seguinte, em meio aos ataques à população
LGBT, enquanto as notícias falsas sobre a mamadeira com bico de pênis
corriam pelos grupos bolsonaristas e familiares e amigos apoiavam o
candidato do PSL e o discurso homofóbico, Pecorelli confrontou-se pela
primeira vez com uma hipótese: “Achei que sair do país seria solução”,
disse. “Tenho muita identidade com o Brasil, nunca pensei em sair. Pela
primeira vez me confrontei com a ideia.” A situação mexeu com seu
emocional. “Deu uma enorme angústia, uma profunda tristeza e muitas
crises de sono. Evito usar o termo depressão, mas foi muito duro e
bastante triste. Fiquei bastante ansioso. Fico nervoso, com vontade de
ir ao banheiro, desarranjo intestinal, isso aconteceu várias vezes.”
Segundo a OMS, há 11,5 milhões de brasileiros
sofrendo de depressão, o equivalente a 5,8% da população, acima dos 4,4%
da média mundial. No ranking entre países, o Brasil ocupa a 5ª posição e
o 1º lugar entre os latino-americanos. Os dados referem-se a 2015.
Foto: Montagem com reproduções
Quando o assunto são os
distúrbios de ansiedade, o número de brasileiros afetados sobe para 18,6
milhões, o que equivale a 9,3% da população, a mais alta taxa mundial.
De acordo com a Anvisa, em 2018 foram comprados 11,4 milhões de caixas
de zolpidem, medicamento voltado para a indução do sono. Em 2017, foram
8,56 milhões.
Em 2015, já em meio à crise política e econômica,
foram vendidos mais de 76 milhões de caixas de sete tipos diferentes de
ativos para ansiedade (benzodiazepínicos) e para indução de sono
(zolpidem). Apesar da queda verificada entre 2015 e 2016, quando foram
comercializados cerca de 51,89 milhões de caixas de oito tipos
diferentes de ativos, entre 2016 e 2018 o número total de caixas
aumentou na faixa de 10%, para 56,6 milhões. Por outro lado, ainda, o
clonazepam (conhecido como Rivotril) — voltado a transtornos de
ansiedade, humor e síndromes psicóticas —foi o 20º medicamento mais
vendido no país em 2017, segundo o 3º Anuário Estatístico do Mercado farmacêutico , divulgado em 2018. Foi a primeira vez que constou na lista de princípios ativos mais comercializados.
“A tendência é que a prescrição de antidepressivos e
indutores do sono aumente”, afirmou o psiquiatra e psicanalista Nilson
Sibemberg. O psiquiatra, que atende em consultório privado em São Paulo e
em Porto Alegre e na rede pública municipal da capital gaúcha, vê na
precarização do atendimento público um dos fatores para o aumento da
prescrição de remédios. “Você perde a alternativa de encaminhar as
pessoas para outros atendimentos.”
Outro fator é a precarização do trabalho e da renda,
apontada pelo psiquiatra como fator de depressão e angústia. De acordo
com o IBGE, o Brasil tem 12,8 milhões de pessoas desempregadas, o que
equivale a uma taxa de 12% (eram 12,4% no mesmo período de 2018). Já o
número de pessoas na chamada economia informal aumentou 5,2% no período,
passando a 11,5 milhões de pessoas. “As pessoas estão com um temor
muito grande de perder aquilo que é seu sustento. Isso se traduz em mais
depressão e mais angústia”, afirmou. “Nesse momento, a gente tem —
principalmente entre os jovens e algumas pessoas com mais idade — um
sentimento de desamparo diante do futuro.”
Para o artista pernambucano Lucas de Albuquerque,
de 28 anos, os piores momentos são aqueles em que não consegue se
aproximar das pessoas por sua visão de mundo. “Acabo descontando em
bebida, em droga”. Antes, ele só bebia nos finais de semana; agora, bebe
até quatro vezes por semana. Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo
Um trauma nacional, assim como
um pessoal, é tão desorientador quanto apavorante. Faz com que o
conhecimento adquirido seja posto em xeque. Os terapeutas aconselham
então que duas perguntas sejam respondidas na busca da cura: 1) Como
integrar esta crise a nosso entendimento do mundo? 2) O que fazer agora?
O otimismo também é um mecanismo de defesa. Pode nos
manter flutuando sobre as águas turvas do sofrimento. Quando a realidade
é dura demais para se suportar, apegar-se a um futuro melhor pode nos
ajudar a seguir em frente. O pensamento positivo, quando mal-empregado, é
irritante e inútil. Acreditar que “tudo vai ficar bem” abre espaço para
o desespero, porque, a cada vez que as coisas não ficam bem, nos
sentimos derrotados novamente. O otimismo não é sempre saudável. Pode
nos deixar complacentes, exaustos e inteiramente separados de nossas
psiques.
Em face dessas calamidades, o pensamento catastrófico
é uma resposta racional. A dor não pode ser evitada. Lutar contra a
dor, entretanto, é o que incute a maioria de nosso sofrimento. A
dolorosa realidade pode ser aceita completamente, sem julgamentos.
Quando algo horrível acontece, a reação natural é lutar contra isso. No
entanto, lutar contra nossa agonia não vai mudá-la. Ficamos melhores
quando aceitamos o que aconteceu, permitindo que aquilo nos mude e
agindo a partir do que restou.
Claro, algumas circunstâncias podem ser modificadas
com as ferramentas corretas. Entretanto, há muitas coisas que não se
pode mudar. É sensato aceitar as verdades estabelecidas para que
possamos seguir em frente, em vez de ficarmos paralisados de choque e
indignação.
Foto: Montagem com reproduções
Lembre-se de que aceitar não é
tolerar. Aceitar não é dizer “Isso está certo”. É dizer “Isso é o que
é”. Particularmente, a aceitação radical muitas vezes nos leva a um
estado de pesar, à medida que nos conformamos com duras realidades.
Talvez nos encontremos num estado de profunda tristeza. Caso isso
aconteça, dê-se um tempo para senti-la e honrá-la.
O mindfulness — a arte da atenção plena — está
revolucionando os cuidados com a saúde mental. Pesquisas demonstram os
benefícios na prática de mindfulness. Para promover o bem-estar, podemos
aprender a praticar a atenção plena tanto ao momento presente quanto ao
bem, da forma que o entendemos. Ao encararmos um mundo frequentemente
deprimente e enlouquecedor, isso pode significar nos concentrarmos, com
atenção, no trabalho inspirador que nos cerca. Cada vez que sentir o
desespero começar a aparecer, dirija sua atenção para a bondade,
generosidade e boa vontade ao seu redor. Há, por exemplo, um desabrochar
sem precedentes de ativismo. Se nossos olhos estão sintonizados com a
luz, encontraremos a luz. Ou não.
“Enquanto o Ministério da Economia
busca medidas para evitar uma paralisia da máquina pública por falta de
recursos, propostas em debate no Congresso têm potencial para
estrangular ainda mais o Orçamento. Embora seja considerado mais austero
do que a formação do último mandato, o atual Congresso vem trabalhando
em iniciativas que ampliam os gastos da União em um momento de forte
aperto fiscal. Em discussão, estão medidas que beneficiam parlamentares e
partidos políticos, perdoam dívidas de produtores ruais e ampliam o
poder do Congresso na gestão do Orçamento. Há também proposta que
multiplica os gastos da União com educação básica, mas sem o aval do
governo.” [Folha]
Pauta-bomba pra acabar de foder com a Gilma? Tava lindo, todo mundo apoiou. Agora toma, seus trouxas do caralho! “Para o ano que vem, a equipe
econômica estima que, após pagar todas as despesas obrigatórias como
salários e aposentadorias, restarão R$ 89,2 bilhões para as chamadas
despesas discricionárias, que incluem investimentos em infraestrutura,
custeio da máquina pública e pagamento de bolsas de estudos. O valor,
que corresponde a 6% de todo o Orçamento, está no patamar mínimo
histórico. Na avaliação de técnicos do governo, o montante não é
suficiente para o ano e pode levar à paralisia de serviços. Em meio a
esse cenário, parlamentares articulam multiplicar por quatro a
participação da União no financiamento da educação básica.”
Ontem eu noticiei aqui que o governo teve que
descobrir pelos jornais o aumento do FUNDEB. Ministério da Educação pra
esse pessoal se resume ao Escola Sem Partido, e a principal discussão
foi solenemente ignorada, pra delírio da oposição.
“Relatório final sobre a renovação
do Fundeb prevê que a complementação federal ao fundo passe de 10% para
40%. O governo defende que o aumento vá apenas para 15%. Pelos cálculos
do Ministério da Economia, a mudança deve gerar um impacto de R$ 855
bilhões aos cofres federais em dez anos. Deputados também negociam a
criação de um programa de refinanciamento de dívidas de produtores com o
Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural) que somam R$ 11
bilhões.”
Veta, Bolsonaro, os ruralistas vão adorar! “Em outra frente, o Congresso
aprovou proposta que engessa ainda mais Orçamento. A medida tornou
impositivo o pagamento de emendas de bancadas partidárias, algo que era
previsto apenas para as emendas individuais assinadas pelos
parlamentares.”
Ainda rola um vazio jurídico, tá todo mundo perdido:
“O consultor de Orçamento do
Senado Vinícius Amaral diz que 19 anos após a implementação da LRF (Lei
de Responsabilidade Fiscal), as regras ainda não estão maturadas, o que
dificulta a aplicação. A legislação define, por exemplo, que toda medida
que cria novas despesas deve trazer sua fonte de custeio, alguma
compensação. Isso pode ser feito com corte de gastos ou com aumento de
receitas, como criação de tributos e aumento de alíquotas. O que acontece se a lei for
aprovada sem o atendimento desses dispositivos? Durante muito tempo, se
dizia que o presidente da República teria que vetar. Se não vetar, tem
penalidade? E se vetar, mas o Congresso derrubar o veto, existe
penalidade para o Congresso? Isso nunca foi pacificado”, disse. O
consultor afirma que uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União)
neste ano traz algum direcionamento. No entendimento recente da Corte,
lei aprovadas sem cumprir exigências da LRF passam a não ter eficácia.
Ainda assim, segundo ele, restam dúvidas sobre quem será responsável por
fazer essa avaliação.”
Imagine o Guedes lendo o que vai abaixo:
“Cresce no empresariado,
principalmente em São Paulo, a insatisfação com a falta de rumo do
Ministério da Economia. Que ninguém me entenda mal: o titular da pasta,
Paulo Guedes, continua sendo o fiador do governo junto aos investidores e
seria um caos no mercado financeiro se ele resolvesse sair. É o setor
produtivo que está incomodado com os frequentes balões de ensaio vazados
pelos assessores do ministro –o mais recente foi o congelamento do
salário mínimo, já desmentido– e com a indefinição sobre a proposta do
governo para a reforma tributária. O motivo é bem simples: falta de
confiança. Sem uma definição do Poder Executivo sobre uma área tão vital
quanto tributação, as empresas não investem, não contratam e a economia
continua exatamente como está –ou seja, parada. A reforma tributária
idealizada por Guedes tinha um tripé: criação do IVA, redução do imposto
de renda da pessoa jurídica com taxação de dividendos, e desoneração da
folha de pagamento. O problema é que esta última perna teria que seria
financiada pela criação da CPMF, que não vingou. O tripé, portanto, está quebrado, o
que deixou o ministério da Economia perdido na reforma tributária. A
despeito da ineficácia da desoneração da folha em tempos de crescimento
baixo, discutida neste espaço na semana passada, Guedes cismou com a
medida, porque acredita que poderia gerar empregos. Sua insistência em
uma política econômica que foi testada e reprovada pelo governo Dilma
gera estranhamento. O ministro não parece ser do tipo que padece (embora
devesse) ao pensar nos cerca de 13 milhões de desempregados do Brasil. É
um liberal convicto, que prefere crescimento sustentado a um voo de
galinha.” [Folha]
E tome pressão de um desesperado Bolsonaro pra cima do Guedes:
“A questão é que Guedes está sob
intensa pressão da ala política do governo por causa do crescimento que
não vem. As eleições presidenciais de 2022 já são publicamente
discutidas, inclusive por Jair Bolsonaro (PSL) que admitiu ser candidato
à reeleição. Só que a popularidade do presidente está em queda, em
parte, porque –bingo– a economia não reage. Interlocutores do setor
privado ouvidos pela coluna acreditam que Guedes está metendo os pés
pelas mãos. Ansioso para o PIB decolar, ele bate cabeça na reforma
tributária e dissemina desconfiança, o que prejudica o crescimento. Para
esses empresários, seria melhor que o ministro abraçasse a proposta de
reforma tributária que está na Câmara. Se passar, a criação de um IVA
seria um enorme avanço na legislação brasileira. O restante ficaria para
uma segunda etapa. Mas será que Guedes abrirá mão, novamente, do
protagonismo na área econômica em prol do Congresso?”
O governo tá completamente perdido com o teto de gastos, sem saber pra onde correr:
“Com as contas públicas no
vermelho há cinco anos e um rombo de 139 bilhões estimado para 2019, a
equipe econômica do Governo Jair Bolsonaro apontou, no início desta
semana, a possibilidade de propor um remédio amargo à população: retirar
da Constituição a obrigatoriedade de que o salário mínimo seja
reajustado pela inflação. Em outras palavras, a polêmica ideia —da qual o
Governo acabou recuando nesta quinta—era congelar o valor do piso
nacional durante os períodos de aperto fiscal para diminuir as despesas
obrigatórias e, assim, não furar o teto de gastos, que, desde 2016,
limita o aumento de custos e não permite que eles subam acima da
inflação. A intenção inicial era de que a medida fosse incorporada à
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438, que altera regras das
despesas públicas e já tramita no Congresso. A mudança, segundo
especialistas ouvidos pelo EL PAÍS, poderia diminuir o poder de consumo
das classes mais baixas e ampliar a desigualdade no Brasil. Entre 1997 e 2017, o salário
mínimo teve um avanço real de 166,7%. E esta variação é apontada por
pesquisadores como um dos fatores responsáveis pela queda da pobreza no
país nas últimas décadas e visto como de extrema importância para a
melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. “Vários estudiosos
mostram que a política de valorização do salário foi um importante
mecanismo para reduzir a desigualdade. Se a remuneração tivesse seguido
nesses anos todos apenas pela inflação, o salário seria hoje de 573
reais e não de 998 reais”, explica o economista Thales Nogueira,
pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC
Minas). Os 425 reais a mais trouxeram consequências altas nas contas
públicas, mas, ao mesmo tempo, proporcionaram uma transferência de renda
grande aos mais pobres e um poder de compra que, segundo Nogueira, são
efeitos que não podem ser desprezados em momentos de crise econômica,
como o que atravessamos nestes últimos anos.” [El País]
Mas como esse governo não é lá muito fã de estudos e do rigor científico…
“”O
Governo precisa se perguntar o quanto valeria essa economia fiscal
comparada as perdas distributivas de geração de renda. Mudando essa
regra, haverá distorções econômicas, diminuindo ainda mais a renda que
já está em queda nas classes mais pobres desde 2014. Vínhamos
apresentando uma queda nos números de desigualdade e, após a crise, ela
começa a aumentar. É preciso fazer escolhas”, explica Nogueira. Um
estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas
revela que depois da recessão (2015-2016), os brasileiros mais pobres
amargam uma queda de mais de 20% da renda de trabalho acumulada,
enquanto o estrato mais rico somou um aumento de 3,3% de renda. Na
avaliação de Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), retirar
a garantia de reajustar o salário mínimo com a inflação significa
remover uma proteção aos mais pobres. “Por um problema fiscal, estão
querendo um arrocho salarial que afeta o lado mais fraco. Claro que o
problema fiscal existe, mas, em grande medida, porque a economia está
travada. É necessário destravá-la e não retirar, ainda mais, o poder de
consumo da população”, afirma. Para Nogueira, preservar ou não o
aumento nominal do salário não deveria estar na pauta. “Deveria ser
regra de ouro. Em um momento de crise, pelo menos a inflação tem que ser
mantida para garantir o poder de compra. A posteriori talvez seja
necessário pensar em uma nova fórmula, como vincular o crescimento [do
salário mínimo] ao PIB per capita que está mais vinculado à
produtividade”, diz. De acordo com o pesquisador, a medida afeta tanto
trabalhadores registrados como os informais, que hoje já representam
cerca de 40% do mercado, já que o mínimo serve de base também para as
ofertas dos trabalhadores que não possuem carteira assinada. Ao reduzir o
salário, o Governo também pode colher efeitos na arrecadação. “Hoje, a
cada real a menos do mínimo o Governo deixa de receber 54 centavos em
tributo. Então você pode até economizar de um lado, mas há perdas do
outro também”, diz. O pesquisador da PUC ressalta ainda que é
emblemático que, na mesma semana em que se debateu uma possível mudança
na regra de reajuste do salário, também haja uma discussão sobre um novo
Refis para os ruralistas. “Essa renegociação das dívidas [dos
produtores rurais] geraria um custo de 11,7 bilhões de reais”, explica. Vilma Pinto, pesquisadora da área
de Economia Aplicada do FGV IBRE, concorda que a proposta aventada pelo
Governo visa puramente resolver a delicada situação fiscal do país e
exclui as consequências que podem ser geradas no mercado de trabalho.
“Primeiro, o Governo tentou desvincular o salário da reforma da
Previdência e não conseguiu, por isso agora tenta novamente. É uma
medida emergencial, que não acredito que seja viável sem levar os
impactos no mercado de trabalho com essa perda real dos rendimentos”,
diz.”
E 2020 há de ser MUITO pior – o texto é do Vinícius Torres Freire:
“Depois da reforma da Previdência,
o governo não apresentou nenhum projeto ou plano econômico substantivo
com começo, meio, fim e calendário de implementação. Há “estudos” e
promessas para “breve”. Em breve, acaba o ano político e virão as
eleições de 2020. Discutir e aprovar projetos durante campanhas é
difícil mesmo para governos normais, que não se desmoralizam e explodem
pontes a cada semana. Por ora, há apenas planos de vento ideológico,
“grandes ideias”, que enchem balões de ensaio. O bexigão da reforma
tributária do governo acaba de explodir, por causa da mais recente morte
(sic) da CPMF. Quando Jair Bolsonaro balançou o teto, seus economistas
fizeram juras de fidelidade ao limite de gastos e prometeram pilares
novos para sustentar essa obra em progresso e em ruínas. Em vez disso, mais balões. Ficou
no ar a ideia vaga do fim do reajuste do salário mínimo, das
aposentadorias e doutros benefícios. Ainda resiste, sabe-se lá até
quando, o plano de conter despesas com funcionários públicos. O
congelamento do salário mínimo, politicamente inviável, morreu em dias.
Outro devaneio, o fim do gasto mínimo obrigatório em saúde e educação,
pode pegar o mesmo caminho da cova. Além de impopular, não faz parte de
um conjunto organizado de medidas que possam ser negociadas em um “toma
lá, dá cá” legítimo de compensações sociais e acordos políticos. No vai
ou racha, método bolsonarista de governo, não passa mesmo. Na Câmara, há um projeto de emenda
constitucional que pretende facilitar medidas emergenciais de cortes de
despesas com servidores, principalmente. Está meio atolado em parte
porque o governo não mandou ninguém lá para ajudar a empurrar essa
carroça, que irá para o brejo se não andar até 2020, ano de eleição. Há
queixas sobre o programa mirrado e lento de privatizações. Nem de longe é
o maior problema. Mais importante, não há planos para facilitar o
investimento privado em obras, para as quais não há dinheiro público. É
uma desgraça para o crescimento de curto, médio e longo prazo. A reforma
da Previdência passou como quis o Congresso, que largou na estrada uma
ideia cara e fixa de Paulo Guedes, a capitalização. A reforma
tributária, muitíssimo mais complicada e que envolve o interesse de
gente muito mais poderosa, não conta nem com uma força-tarefa e um plano
de voo do governo, como havia na previdenciária, mal e mal. Não é possível aprovar assim uma
mudança tributária, dados os problemas técnicos, políticos e fiscais
envolvidos. Não é possível mexer no cadeado e no cofre do governo sem
auxílio do próprio governo —a não ser que deixem explodir ou levar o
cofre. Agora mesmo, os estados estão com um projeto de reforma que
quebra as contas federais. Faltam menos de três meses para o fim do ano
político. Em nove meses, o país estará tomado pelas eleições municipais.
A aprovação de projetos controversos é encrenca ainda maior durante
campanhas. Não será mais fácil para um governo que até agora não tem
organização política ou administrativa para elaborar e aprovar projetos.
Quando muito, se vale de um arranjo de interesse de lideranças
parlamentares, que toca o barco praticamente como quer. Em suma, há
sinais de desgoverno em assuntos vitais: como o governo vai pagar as
contas no médio prazo (no mais tardar, 2021) e financiar investimentos a
fim de evitar ruína crescente na infraestrutura e lerdeza ainda maior
no crescimento.” [Folha]