Conrado Hübner Mendes
Bill de Blasio, prefeito de Nova York, não estava na festa. Semanas antes, mandara avisar a Bolsonaro que “seu ódio não é bem-vindo”. Por considerar que a declaração caracterizava a “ideologização da atividade”, o presidente brasileiro cancelou a visita. Jair acha ideológico o que não é espelho. Desconfia que sua sombra também conspira contra ele. O prefeito nova-iorquino aproveitou para cutucar a masculinidade do capitão: “Valentões geralmente não aguentam um tranco”. Ernesto Araújo não avisou que, na diplomacia, presidente não passa recibo para prefeito.
Qual Brasil, João? O Brasil do “não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”? Do “filho gayzinho leva um coro e muda seu comportamento”? Ou aquele do “erro da ditadura foi torturar e não matar” e do “Polícia Militar do Brasil tinha que matar é mais”? Por essas rasteiras da história, esse Brasil assumiu a Presidência.
Por falar em polícia que mata e tortura, João, lembro-me também do estado brasileiro em que, “a partir de janeiro, polícia vai atirar para matar”, do, “se forem bandidos, estão indo para o lugar que merecem” ou do que dá “parabéns aos policiais por colocarem bandidos no cemitério”. Por essas surpresas da história, esse virou governador de São Paulo.
“A afinidade ideológica entre Jair e João não deve ser subestimada”No campo da segurança, a linhagem de Doria é apenas um pouco mais polida e envernizada. Quando a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, após o trabalhoso concerto entre vários partidos espalhados pelo espectro ideológico e o intenso diálogo com a sociedade civil, aprovou a lei de criação do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, Doria disse que, embora reconhecesse “os nobres propósitos do legislador”, viu-se “compelido a negar assentimento ao projeto”. O veto foi uma pérola do que José Carlos Dias chamou de “Brasil declaratório”, aquele que “brada sua civilidade enquanto corrói os pilares da democracia por dentro”.
As razões jurídicas do veto desprezaram as especificidades do órgão e recorreram a generalidades sobre separação de Poderes e simetria federativa para impedir a inovação institucional. Argumento para bacharel nenhum botar defeito. Notas de repúdio ao veto foram emitidas por todos os órgãos congêneres pelo país, pelo Ministério Público Federal e por mais de 50 organizações da sociedade civil. O Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, que integraria a estrutura do próprio Legislativo paulista, teria função de monitorar práticas de violência em prisões e delegacias, inspirado em órgãos parecidos de diversas partes do mundo e também de outros estados brasileiros e do governo federal.
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