Flávia Oliveira
Ao longo de pelo menos quatro décadas de olhar atento aos desfiles, aprendi com o carnaval muitas histórias — contadas ou não — nos livros escolares. Nenhuma delas se relacionou com o vídeo chulo compartilhado por um presidente da República que ainda não aprendeu a liturgia do cargo, e a quem é altamente recomendável a leitura de um código de conduta ou, melhor ainda, um detox das redes sociais. Jair Bolsonaro se elegeu com agenda tão ambiciosa quanto desafiadora. Prometeu dedicar os dias de folia a montar a estratégia de adesão de congressistas e da sociedade à reforma da Previdência elaborada pela equipe econômica. Em vez disso, tuitou conteúdo impróprio e depreciativo à pedagogia da mais importante festa nacional.Grandes mulheres foram apresentadas ao país pelo carnaval: da ex-escrava e empreendedora Xica da Silva (Salgueiro, 1963) à bailarina negra Mercedes Baptista (Acadêmicos do Cubango, 2008). Foi o então carnavalesco Milton Cunha que, pela Beija-Flor, me revelou a botânica Margaret Mee (1994) e a soprano Bidu Sayão (1995); e pela Unidos da Tijuca (2003), a saga dos agudás, negros que fizeram o caminho de volta do Brasil para o continente de origem.
Na primeira metade do século XX, a Frente Negra Brasileira reivindicava a obrigatoriedade do ensino de História da África e cultura afro-brasileira nas escolas. Nos anos 1940, o Teatro Experimental do Negro, liderado por Abdias Nascimento — que completaria 105 anos neste 14 de março, o do primeiro aniversário da execução brutal da vereadora Marielle Franco, homenageada pela Mangueira —, defendia o mesmo, conta a historiadora Giovana Xavier, da UFRJ. Mas a legislação só foi promulgada em 2003 — e jamais aplicada plenamente.
“A Lei 10.639 é resultado de lutas centenárias para reconhecer o protagonismo negro. Ao longo de 22 anos de carreira como professora, conheci centenas de colegas em todo o Brasil, que, nas condições mais precárias, contam essas histórias que não estão no retrato todos os dias”, resume a historiadora.
despertam o interesse. Sozinhos, não transformam. Nem o carnaval nem o Brasil. O que traz mudança é batalha diária, ação incessante. O Rio de Janeiro e o Brasil dormiram mais felizes com a vitória da Mangueira, mas não acordaram diferentes. Como bem ensinou o espetacular samba-enredo de Manu da Cuíca e parceiros: “Na luta é que a gente se encontra”.
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