local onde publico os textos & artigos maiores citados no BLOG0NEWS
de modo que os posts de lá não fiquem enormes.
March 3, 2019
O que é o PSL, o partido do presidente
Bruno Góes
Quando a então jornalista Joice Hasselmann (PSL-SP) recebeu o aval do
clã Bolsonaro para se candidatar ao Senado pelo partido do
presidenciável, mergulhou com apetite na empreitada. Depois de filiada
ao PSL, anunciou o astronauta Marcos Pontes como seu possível suplente e
partiu para uma ostensiva campanha nas redes. Os planos de Hasselmann
esbarraram no latifúndio do então deputado Major Olímpio, presidente do
partido em São Paulo à época. Ele decidira que ocuparia a vaga de
candidato a senador e escanteou a estreante na política. Ela buscou
respaldo em Jair, como a hoje deputada federal costuma se referir ao
presidente da República. Não encontrou e acabou se contentando com a
disputa por uma vaga à Câmara dos Deputados e uma dobradinha com o
governador paulista João Doria. Hasselmann buscou apoio partidário e
encontrou solidão.
O deputado estadual Fernando Francischini dividiu com Jair Bolsonaro,
por quatro anos, o desprestígio de ter o gabinete no anexo III da Câmara
dos Deputados — onde não há sequer um banheiro privado para cada
parlamentar. O desabono geográfico e a repulsa pela esquerda os uniram.
Francischini trabalhou arduamente na campanha do presidente e foi um dos
primeiros filiados ao PSL após a entrada de Bolsonaro. Recebeu a
promessa de que emplacaria seu filho, Felipe, como candidato do partido à
Câmara dos Deputados e que sairia candidato a uma vaga no Senado. A
primeira parte do acordo foi cumprida. A segunda, não. Francischini foi
afastado do núcleo duro do presidenciável pelo ex-ministro Gustavo
Bebianno, então presidente do partido, e começou 2019 contentando-se com
uma cadeira na Assembleia Legislativa do Paraná. Fernando Francischini
abraçou o projeto eleitoral da sigla e recebeu, em troca, ingratidão.
Enquanto a redemocratização permitiu o surgimento de partidos que
representaram interesses de classes e corporações, o PSL que deu lastro à
candidatura de Jair Bolsonaro nasceu de uma empreitada individual do
empresário pernambucano Luciano Bivar nos anos 90, permanecendo
irrelevante no Congresso Nacional por cerca de 20 anos, até decidir dar
guarida ao ímpeto eleitoral do hoje presidente. Sua média de deputados
por legislatura não passou de cinco até 2018, e sua fatia do Fundo
Partidário somou pouco mais de R$ 9 milhões no ano passado. Hoje, com 54
deputados, tem a maior bancada da Câmara dos Deputados, ao lado do PT, e
um caixa de R$ 110 milhões a serem irrigados à sigla somente neste ano.
No dia 22 novembro de 2017, Bivar recebeu representantes do Livres, um
movimento de cunho liberal criado na esteira dos protestos de 2013, no
hotel Golden Tulip em Brasília. O motivo da conversa era a incorporação
do grupo ao partido e as possíveis candidaturas que resultariam dessa
união. O vereador de Belo Horizonte Gabriel Azevedo (PHS), do Livres,
foi direto ao ponto: havia rumores de que o PSL abrigaria Jair
Bolsonaro. “Em determinado momento, perguntei se o Bolsonaro poderia
ficar com o partido. O Bivar respondeu: ‘Bolsonaro? Bolsonaro é uma
piada. A gente jamais o colocaria no partido’”, contou Azevedo. Foram
quase três horas de reunião e muitas conjecturas sobre o futuro. Dois
meses depois, Bivar fecharia um acordo com o advogado Gustavo Bebianno,
hoje ex-ministro em desgraça nas hostes bolsonaristas. Na esteira da
popularidade do presidenciável, anteviu a enxurrada de candidaturas
vitoriosas que o partido teria e concedeu a Bebianno a presidência
interina da sigla, permitindo que o aliado de Bolsonaro controlasse
todos os diretórios do PSL, exceto o do Distrito Federal e de Pernambuco
— este último sendo comandado por Bivar. Em contrapartida, Bivar
conseguiu direcionar 20% do Fundo Eleitoral à campanha para seu estado. O
Patriota, outro partido assediado pelo entorno de Bolsonaro, não havia
enxergado vantagem em tamanha concessão e terminou escanteado.
Se o negócio, à época, foi vantajoso para Bivar e Bebianno, as pontas
mal atadas começam a surgir — e causaram a primeira grande crise
institucional da gestão Bolsonaro. Hoje, a campanha em Pernambuco é
investigada pelo suposto uso de candidata laranja financiada por
dinheiro público para beneficiar a campanha de Bivar. Segundo reportagem
da Folha de S.Paulo, um grupo ligado ao deputado teria promovido a
candidatura de Lourdes Paixão, que ganhou R$ 380 mil do Fundo Eleitoral e
obteve apenas 274 votos. Ela declarou ter investido o valor na
contratação de uma gráfica cujo endereço era o de uma oficina mecânica —
prática corriqueira da velha política que o PSL, sob Bolsonaro,
prometeu combater. O episódio culminou na ruidosa queda de Bebianno, que
teria chancelado o pagamento — o que o ex-ministro nega.
A reação do PSL à derrocada do ex-homem forte de Bolsonaro foi o
primeiro exemplo prático da desarticulação que norteou a chegada do
presidente ao partido. O grupo de bolsonaristas mais alinhados ao
Palácio do Planalto, e que coincidentemente são entusiastas do filósofo
Olavo de Carvalho, como é o caso do príncipe-deputado Luiz Philippe de
Orleans e Bragança, aplaudiu a demissão de Bebianno e guardou para si
qualquer crítica à forma como o desenlace ocorreu, sob a batuta do filho
Carlos Bolsonaro. Os aliados de Bebianno, grupo em que se enquadram
nomes como Joice Hasselmann e o também deputado Julian Lemos (PSL-PB),
têm dito a interlocutores que discordam da forma como a fritura do
ex-ministro foi conduzida. Lemos, nome forte da campanha bolsonarista no
Nordeste, afirmou a aliados que se surpreendeu com a atitude do
presidente e que desconfia ter se enganado sobre sua índole ao ver a
forma como agiu com Bebianno. Nesse núcleo, a animosidade em relação aos
filhos de Bolsonaro é patente — sobretudo em relação a Carlos, a quem
alguns parlamentares se referem, nos bastidores, como Tonho da Lua, em
referência ao personagem da novela Mulheres de areia que aparenta ter
problemas psiquiátricos. O apelido maldoso é justificado, na avaliação
de alguns nomes do PSL, pela incapacidade de Carlos em manter um diálogo
linear e por seus rompantes de raiva. Também nesse núcleo já começa a
circular uma análise um tanto pessimista a menos de dois meses do início
do governo: diante da desajeitada atuação de Bolsonaro no caso
Bebianno, discute-se a hipótese de a instabilidade palaciana
inviabilizar o futuro do atual governo.
O restante da fauna do PSL é heterogênea e não tem liderança clara ou
norte político, exceto o apoio a Jair Bolsonaro. São youtubers,
policiais, militares, influenciadores digitais, ex-ator pornô e
representantes de setores que embarcaram desde o início na candidatura
do ex-capitão, como é o caso do agronegócio. Como todo partido nanico, o
PSL não tem origem orgânica, lastreada em ideias ou projetos para o
país. Mas, por influência de Bolsonaro, predominam em sua composição
valores e costumes alinhados aos do capitão. Há até espaço para uma
“comunista”, como vem sendo chamada a deputada estadual Janaina Paschoal
(PSL-SP), uma das autoras do processo de impeachment de Dilma Rousseff,
por não poupar críticas aos últimos eventos protagonizados pelo governo
Bolsonaro e seu entorno familiar, a exemplo do caso Queiroz e da
própria demissão de Bebianno. “É inadequado que o presidente deixe essa
situação se estender por tanto tempo. Decidiu demitir, demite, para
gerar um pouco mais de estabilidade para o país”, disse Paschoal. Cotada
como vice no período eleitoral, ela negou a empreitada por motivos
pessoais e abraçou a candidatura estadual. Mas o fato é que, entre os
campeões de voto do partido — amealhou 2 milhões —, só Paschoal foi
lançada à presidência de uma Casa legislativa. O deputado federal
Eduardo Bolsonaro, eleito com 1,8 milhão de votos, atuou apenas nos
bastidores na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados,
apoiando Rodrigo Maia, e o Major Olímpio, que chegou ao Senado com mais
de 9 milhões de votos, desistiu de sua candidatura sob o argumento de
que o governo Jair Bolsonaro precisava garantir apoio da casa para
governar.
Nos primeiros dias de fevereiro, logo após a posse dos deputados e
senadores, não era raro encontrar, no fundo do plenário da Câmara,
parlamentares do partido que não se conheciam e acabavam de ser
apresentados uns aos outros. Conforme as sessões tiveram início, a
bancada passou a se aglutinar nas primeiras fileiras da direita, onde
poucos meses antes estavam lotados o MDB e partidos aliados de Michel
Temer. Como a exposição nas redes sociais tornou-se prerrogativa no PSL
de Bolsonaro, muitos de seus expoentes chegaram à conclusão de que, se
ficassem mais à frente, em pé, próximos da tribuna, seriam mais
facilmente captados pelas câmeras de TV. Portanto, não raro é possível
vê-los eretos abaixo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com o olhar
perdido, em busca de um flash. Outros comportamentos de pesselistas são
menos sutis para atrair holofotes, como no caso do ex-ator pornô
Alexandre Frota, eleito deputado federal por São Paulo e que, no ápice
da crise com Bebianno, esmagou uma laranja ao final de um discurso na
tribuna. “Laranja podre, no PSL, será esmagada”, disse.
As nuances internas do PSL extrapolam o perfil diverso dos integrantes
da sigla e esbarram em questões concretas. Tramitam, hoje, no Supremo
Tribunal Federal (STF), ações movidas pelo PSL em seus primórdios e que
contrariam parte do que é defendido pelo presidente e seus aliados. Uma
delas questiona uma lei federal de 1989 que prevê a prisão temporária,
um dos trunfos da Operação Lava Jato. O partido alega “desatendimento da
garantia do devido processo legal”. Em uma ação de 2016 que ainda não
tem data para ser julgada, a sigla contesta trecho da lei sobre
organização criminosa — que, por sua vez, serviu para enquadrar muitos
investigados da Lava Jato. O partido critica a suposta “criminalização”
da atividade política e argumenta que a lei quebra a presunção de
inocência e o princípio da dignidade humana. “É preciso impor limites
aos exageros perpetrados, institucionalizando a proibição de o membro do
Ministério Público externar opinião sobre os procedimentos submetidos a
sua apreciação que possa causar danos à intimidade, à vida privada, à
honra, à imagem e à dignidade das pessoas”, afirma processo, em clara
contradição ao entendimento do ministro da Justiça, Sergio Moro, sobre a
questão.
Incongruências à parte, nada foi tão emblemático da falta de
entrosamento do PSL e de sua fraca liderança na Câmara dos Deputados
como a derrota na alteração da Lei de Acesso à Informação, sancionada
pelo vice, Hamilton Mourão, enquanto Bolsonaro viajava para Davos, no
Fórum Econômico Mundial, em janeiro. O maior partido da casa não
conseguiu mobilizar uma base para manter a mudança na lei e foi
derrotado pelos próprios aliados, como o DEM, que votou maciçamente
contra o governo. Observadores do Salão Verde veem nessa derrota a
digital da velha política: diante da fraqueza do partido presidencial,
Maia quer demonstrar força para barganhar poder junto ao núcleo
palaciano. Em seu primeiro intento, teve sucesso. Nas semanas que
precederam a votação, pelo menos três deputados relatam o uso de métodos
mais rasteiros pelo presidente da Câmara para mostrar poder: ele teria
ligado para os líderes partidários sugerindo o esvaziamento da primeira
reunião de lideranças convocada pelo líder do governo na Câmara, Major
Vitor Hugo (PSL-GO). Escolhido por Bolsonaro por sua lealdade durante a
campanha, Vitor Hugo ocupa posição solitária — não é encarado por
colegas de partido e de casa como elo político com o governo. “Se alguém
quiser mandar recado para o governo, fala com quem?”, ironizou o
deputado Fernando Bezerra Filho (DEM-PE), cujo pai, Fernando Bezerra,
terminou a semana como líder do governo Bolsonaro no Senado. A Casa,
agora presidida pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), sob a tutela de
Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, é vista como problema menos
grave para o governo do que a Câmara.
O tempo que não foi gasto pelos deputados bolsonaristas para articular
uma base de apoio foi dispensado a picuinhas internas de forte impacto
nas redes sociais e nenhuma serventia prática. A primeira grande crise
do maior partido do Brasil ocorreu em janeiro, quando 12 parlamentares
foram à China a convite de autoridades locais para, entre outras coisas,
conhecer o sistema de reconhecimento facial da gigante de tecnologia
Huawei. Olavo de Carvalho qualificou os deputados que lá estavam de
“semianalfabetos”, alegando que eles poderiam “entregar” informações dos
brasileiros a Pequim. Até hoje o núcleo mais ideológico da bancada do
PSL isola a chamada “bancada da China”. A Eduardo Bolsonaro é atribuída a
autoria da postagem de Olavo de Carvalho.
Alguns deputados do PSL veem o comportamento exaltado de membros do
partido como atitude contraproducente no momento em que os esforços
deveriam se voltar para a aprovação da reforma da Previdência. Outros
acham que o segredo do sucesso está justamente na postura agressiva.
Carla Zambelli (PSL-SP) ganhou notoriedade ao liderar o estridente
movimento Nas Ruas e concorda que é preciso rebater cada questionamento,
alto e bom som, pois “é isso o que os eleitores querem”. O Delegado
Waldir (PSL-GO), líder do partido na Câmara, vai além e diz que as
brigas “na frente de todo mundo” são “um novo modelo a que muita gente
não está acostumada”. Ou então, em suas próprias palavras: “Nossos
debates não são atrás das portas”. Já Felipe Francischini (PSL-PR), que
ocupa o lugar do pai, Fernando Francischini, pensa diferente. Desde que
foi eleito, trabalha nos bastidores para estabelecer algum diálogo com
os partidos e com Rodrigo Maia.
Como a esmagadora maioria dos deputados do PSL inicia o primeiro
mandato, em alguns momentos a inexperiência ganha tons de comédia, como
ocorreu na primeira votação da atual legislatura, no início de
fevereiro. O plenário votaria uma lei sobre o bloqueio de bens de
organizações ligadas ao terrorismo. Havia aval de Sergio Moro. Mesmo
assim, o caos perseverou. O Major Vitor Hugo foi pressionado pela
bancada da própria sigla e teve de negociar uma alteração do texto no
momento em que o tema já era discutido em plenário. Parte da bancada
achava que parte do texto feria a soberania do Brasil e seria uma forma
de “entreguismo à ONU”. A alteração foi feita contra a orientação do
Executivo, e a proposta foi aprovada. Depois do episódio, o governo
passou a despachar técnicos para explicar, na Câmara, as pautas que
seriam votadas. Como a palavra “China” não sai do anedotário do partido,
na primeira ocasião em que os parlamentares receberam os técnicos,
Carla Zambelli fez uma pergunta singela e fora do contexto da reunião.
Quando esteve na comitiva, um empresário chinês havia dito que ele
possuía um porto no Brasil. Ela, então, perguntou se isso não feria a
soberania do país. O técnico teve de explicar que tratava-se de uma
concessão privada.
Outro expoente da ala estridente é o policial do Rio de Janeiro Daniel
Silveira, que participou do episódio em que uma placa em homenagem à
vereadora Marielle Franco foi quebrada. Ele tem alardeado um projeto de
lei que, se aprovado, autorizaria a cessão compulsória de órgãos de
criminosos mortos em confronto, sem autorização das famílias. “Bandido
morto, órgãos cedidos” é a forma sutil de anunciar a proposta em seu
Twitter. No dia 7 de fevereiro, Silveira desabafou no grupo de WhatsApp
da bancada. Depois de o líder do governo, Vitor Hugo, ser atacado pelo
colega Julian Lemos com a ordem “lidere ou saia do posto”, ele resolveu
desferir uma saraivada de críticas: “Percebi que uma boa parcela está
preocupada em apertar as mãos em acordos que visam seus umbigos
egocêntricos (...). Percebi que o presidente está mais sozinho que
parece”. As brigas são tantas que Luciano Bivar disse, em uma ocasião,
que os insatisfeitos e interessados em sair do partido poderiam valer-se
de uma carta por “justa causa”, sem perder o mandato por infidelidade
partidária. Ele chegou até mesmo a mandar um modelo de carta no grupo de
WhatsApp da bancada.
A pulverização do partido entre ideias heterodoxas e inexperiência
política fez emergir rompantes de sensatez de onde menos se esperava. A
deputada Joice Hasselmann, que apareceu com algemas na tribuna da Câmara
para insinuar intolerância com a corrupção, foi uma das vozes
equilibradas em meio às discussões sobre a saída de Bebianno. Enquanto o
ex-ministro desferia ataques velados ao Palácio do Planalto, hospedado
no hotel Golden Tulip, dias antes de ser exonerado, era Hasselmann, que
começou sua empreitada política disputando espaço com Major Olímpio,
quem tentava contemporizar. Em uma das investidas para conter a fúria de
Bebianno, ficou até a madrugada conversando com ele e a mulher no
hotel. O resultado foi um avanço político para os parâmetros ainda
rudimentares do PSL: Bebianno caiu atirando somente para não terminar
sua breve estada no governo com a pecha de mentiroso, mas desistiu de ir
além e mostrar outros áudios que possui. E que talvez não sejam do
agrado do governo. Trata-se de sangue-frio digno da velha escola Renan
Calheiros.
No comments:
Post a Comment