Maurício Stycer
Para quem se interessa pelo que aconteceu dentro de campo, naquele 8 de julho de 2014, o depoimento mais interessante é o de Manuel Neuer. "Nós estávamos muito motivados. O Brasil também estava, mas eu acho que, ao mesmo tempo, os jogadores (brasileiros) estavam com medo", diz o goleiro da seleção alemã.
Depois do jogo, nós não quisemos comemorar muito, com entusiasmo. Nós vimos os jogadores brasileiros no chão e fomos até lá. Nós sabíamos que eles seriam massacrados. Por isso, tentamos consolar ao invés de festejar", acrescenta.
A goleada histórica, ou o "abismo máximo", como diz o escritor José Roberto Torero, reverbera nos outros 23 depoimentos. Mas em outras direções. Os entrevistados levantam diferentes pautas —com raízes históricas, econômicas, políticas e policiais— que ajudam a explicar o contexto da tragédia no Mineirão.
Um dos pontos centrais, claro, é o da apropriação do futebol brasileiro por uma elite dirigente preocupada exclusivamente com o enriquecimento pessoal. Os depoimentos de Torero, Mariliz Pereira Jorge e Andrew Jennings levam o narrador de "A Reinvenção do Futebol Arte" a observar: "Enquanto a gente se enganava, sempre acreditando na próxima Copa, na próxima eleição, os ratos iam comendo pelas beiradas".
Com direção de Eduardo Rajabally, roteiro de Gui Stockler e produção da Gullane, o documentário que a ESPN exibirá observa: "Esse é o Brasil, o país que ficou pelo caminho, sem projetos, sem sonhos, sem dinheiro, sem líderes, torcendo muito por uma solução milagrosa, bem ao nosso estilo".
Com alguma melancolia, o filme conclui: "O futebol foi essa cola, esse rejunte, que durante décadas uniu o país. Explicou o país. Foi o país. Mas o mundo mudou e o Brasil ficou pra trás".
Mesmo quem enxergar exagero no diagnóstico (não é o meu caso) haverá de ficar chocado com o contraste que "A Reinvenção do Futebol Arte" oferece em relação ao que já estamos vendo na televisão sobre a Copa da Rússia.
A Globo, por exemplo, está exibindo aos sábados uma série na qual as mães de três jogadores visitam a Rússia em um roteiro de turismo —muito distante do país real. Uma delas, a mãe de Gabriel Jesus, é também garota-propaganda de uma das marcas que patrocinam a cobertura esportiva da emissora.
Como o brasileiro não conhece boa parte dos jogadores da seleção, o "Jornal Nacional" está exibindo uma série destinada a apresentá-los. Muitos, como o zagueiro Marquinhos, foram para a Europa com 18 anos. Assim, diariamente, um atleta é objeto de um longo e meloso perfil (sete minutos) no qual passagens de sua vida são encenadas por modelos, à maneira dos programas de auditório dominicais.
Esta será a primeira Copa em que o setor de esportes da Globo atuará de forma autônoma,
desvinculado do jornalismo. Pelo que se anuncia, o otimismo e a boa vontade dedicados à seleção brasileira alcançarão uma nova dimensão nesta cobertura.
Esporte é negócio, claro, e Copa do Mundo é uma oportunidade única para as empresas de mídia. É natural que aproveitem ao máximo. Mas o 7 a 1 está aí para nos lembrar que o jornalismo tem um papel importante nestas grandes coberturas. É preciso ir além do ufanismo e do oba-oba.
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