April 22, 2024

O governo enfrenta percalços e perde terreno na disputa com a oposição

 

 

 ANDRE BARROCAL

 O Palácio do Planalto anunciará na quarta-feira 24 o resultado de uma licitação destinada a selecionar quatro empresas de comunicação digital. Os escolhidos terão duas missões, e no fim das contas o objetivo é fazer a posição do governo a respeito de certos temas chegar à maior quantidade de cidadãos. Uma das tarefas será preparar, a partir do monitoramento das redes sociais, um diagnóstico acurado e rápido sobre o humor da população em assuntos que afetem a imagem de Lula e sua equipe, para que o Executivo possa reagir em momentos quentes no debate público. Uma forma de reação será pagar pelo aumento da circulação de conteúdos oficiais, o chamado impulsionamento.

A outra missão será proporcionar um canal direto com grupos específicos. O presidente Lula tem feito, neste ano, lances de comunicação segmentada. Em eventos, usou e mostrou meias com o símbolo do Corinthians, o time do coração, e com o rosto de Frida Kahlo, falecida pintora mexicana ícone do feminismo. Com o futuro serviço digital, o governo poderá, entre outras iniciativas, enviar mensagens de celular (via ­WhatsApp ou SMS) a beneficiários do Bolsa Família para informá-los sobre direitos. Entre estes, a possibilidade de retirar de graça 40 remédios em farmácias populares e o de que seus filhos matriculados no ensino médio recebam um “pé-de-meia” (uma bolsa) para não largarem a escola.

Nossa marca este
ano vai ser o salto na
comunicação digital”,
diz o ministro
Paulo Pimenta


O novo serviço consumirá cerca de um
terço do orçamento anual da Secretaria de
Comunicação Social da Presidência, sinal
do tamanho da aposta na ferramenta. Se-
rão 197 milhões de reais em 12 meses. Uma
pesquisa divulgada na terça-feira 16 pelo
Comitê Gestor da Internet apontou: 84%
dos brasileiros utilizam a web, bem acima
do que acontecia na passagem anterior de
Lula pelo Planalto (34%, em 2008). As redes
sociais praticamente empatam com
as tevês como meios de informação sobre
política, conforme levantamento Genial/
Quaest de março (32% e 34%, respectiva-
mente). Pelo levantamento, quanto mais
lulista, mais se assiste à tevê e quanto mais
bolsonarista, mais se navega nas redes. “O
novo serviço vai preencher uma lacuna
que temos. Nossa marca este ano vai ser
o salto na comunicação digital”, diz o mi-
nistro Paulo Pimenta, da Secom.

 
Lacuna que vai além do uso das ferra-

 mentas. A popularidade de Lula e seu go-
verno caiu ao longo de 2023, e o patamar
atual assemelha-se ao cenário da eleição
contra Jair Bolsonaro. É um quadro com-
plicador das relações com o Congresso.
Desde a eleição, há petistas a enxergar o
Parlamento de predomínio patronal e di-
reitista como obstáculo e ameaça ao presi-
dente. Estão aí novos capítulos da “guer-
ra fria” com o comandante da Câmara, o
deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas,
para confirmar os prognósticos


O motivo de fundo do recrudescimen-
to da animosidade é o de sempre: a incer-
teza de Lira quanto à própria capacidade
de fazer o sucessor em fevereiro. O depu-
tado está decidido a instalar várias CPIs
paradas na gaveta, algo preocupante pa-
ra o governo (qualquer um), e a botar para
andar uma mudança constitucional que
tira parte do poder dos juízes do Supremo
Tribunal Federal, proposta aprovada no
Senado em 2023. A Corte tem sido uma
espécie de aliada do governo. Atacá-la é
atingir Lula indiretamente.

 
Lira age com o fígado. Um primo do
deputado foi demitido da chefia do Incra
em Alagoas na segunda-feira 15, dia em que
o ministro do Desenvolvimento Agrário,
Paulo Teixeira, lançou um plano de refor-
ma agrária para assentar 240 mil famílias
até 2026. Desde o início da gestão Lula, o
MST queria a cabeça de Wilson César
de Lira Santos, nomeado nos tempos de
Michel Temer. Lira e Teixeira haviam feito
um acordo, segundo apurou CartaCapital.
Santos permaneceria até março, quando
sairia para disputar a eleição municipal de
outubro. Ele desistiu de concorrer e dese-
java manter o cargo. Além do gesto sobre
CPIs, Lira facilitou o avanço de uma lei que
pune ocupações de terra, pronta para vota-
ção definitiva. Um soco no MST.

 
O episódio do primo veio no emba-
lo de uma troca pública de farpas entre
Lira, Lula e o responsável pela articula-
ção política presidencial, o ministro Ale-
xandre Padilha. O deputado tinha ficado
uma fera com o fato de correr na mídia a
conclusão de que havia demonstrado fra-
queza política no episódio da confirma-
ção pelo plenário, em 10 de abril, da pri-
são do deputado Domingos Brazão, acu-
mentas. A popularidade de Lula e seu go-
verno caiu ao longo de 2023, e o patamar
atual assemelha-se ao cenário da eleição
contra Jair Bolsonaro. É um quadro com-
plicador das relações com o Congresso.
Desde a eleição, há petistas a enxergar o
Parlamento de predomínio patronal e di-
reitista como obstáculo e ameaça ao presi-
dente. Estão aí novos capítulos da “guer-
ra fria” com o comandante da Câmara, o
deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas,
para confirmar os prognósticos.

 
Para o alagoano, a conclusão emanou de
Padilha, a quem chamou publicamente de
“desafeto” e “incompetente”. Lira recusa-
-se a falar com o ministro faz tempo. En-
xerga (e está certo na percepção) alguém
que trabalha para miná-lo. “Só de teimo-
sia, o Padilha vai ficar muito tempo” no
cargo, declarou Lula também em público.

 
Ficará mesmo? CartaCapital tem ou-
vido de conselheiros presidenciais que o
Planalto vive sérios problemas de coor-
denação política. Um ministro admite:
“O governo está à deriva”. Visão idênti-
ca à exposta a portas fechadas a Lula pe-
lo presidente do Sindicato dos Metalúr-
gicos do ABC, Moisés Selerges: “O barco
está à deriva”. Segundo um colaborador
presidencial, a situação de Padilha é de-
licada. O presidente da Câmara não fala
com ele e o Senado não tem tradição de se
deixar influenciar pela pasta de Padilha,
a Secretaria de Relações Institucionais. A
propósito do Senado, aliás, no PT há quem
defenda trocar o ministro do Desenvolvi-
mento Social, Wellington Dias, para que
este assuma o mandato e reforce a base
governista por lá. Lula, além disso, esta-
ria decepcionado com o trabalho de Dias
na equipe ministerial. “O Senado desan-
dou”, afirma um conselheiro presidencial.

 
Na área política do Planalto, há quem
acredite que as negociações do PT com
vistas às eleições de prefeito e vereador
precisam levar em conta a necessidade
de reforçar candidaturas lulistas ao Se-
nado em 2026. Na terça-feira 16, o jornal
O Estado de S. Paulo relatou que Davi Al-
columbre, do União Brasil do Amapá, ex-
-presidente do Senado e candidato a reo-
cupar o cargo em fevereiro, teria feito che-
gar ao Supremo a avaliação de que, pelo
andar da carruagem, há chances de a opo-
sição aumentar o número de representan-
tes na Casa em 2026 e viabilizar a cassa-
ção de juízes. Impeachment de togado do
STF é atribuição do Senado.

 
Alcolumbre aliou-se à extrema-direita
para tentar voltar ao comando do Senado.
Como Lira na Câmara, não sabe qual se-
rá a posição do governo. Nos bastidores, o
líder de Lula no Senado, Jaques Wagner,
do PT da Bahia, nunca se compromete
com a candidatura de Alcolumbre. Es-
te é chamado por um senador petista de
“verdadeiro pai do orçamento secreto”.

 
O secretismo acabou, mas deixou o lega-
do de uma explosão de recursos a emen-
das parlamentares, obras inseridas no
orçamento por congressistas. O gigan-
tismo das emendas, 45 bilhões de reais
neste ano, contribui para dificultar a vi-
da legislativa de Lula. Wagner concorda:
há um parlamentarismo disfarçado. Pa-
ra um colaborador presidencial, a explo-
são de emendas causou uma mudança
sistêmica nas relações de poder em Bra-
sília, e o petista ainda não sabe como con-

 tornar a situação (tem estado a matutar).
Segundo Wagner, o Congresso ganhou
poder e manda muito, mas quem paga o
pato do mau humor popular é o gover-
no. Lula é aprovado por 50% dos brasi-
leiros e reprovado por 45%, conforme
a média de duas pesquisas de março, a
Genial/Quaest e a Ipec, ex-Ibope. Um ano
atrás, dava 52% a 39%. O pico de aprova-
ção foi no terceiro trimestre, 58% a 37%.

 
Em dezembro, dava 52% a 43%. Com a
avaliação do governo, o movimento foi se-
melhante: após um pico no terceiro tri-
mestre, recuo em dezembro e 2024. Nes-
te ano, 34% da população considera o go-
verno ótimo ou bom, 30% regular e 34%,
ruim ou péssimo, na média das pesquisas
Datafolha, Genial/Quaest e Ipec.

 
A queda da popularidade coincide
com a desaceleração da economia. O Bra-
sil cresceu 2,9% no ano passado, e a ex-
pansão concentrou-se no primeiro semes-
tre (foi de 1,3% entre janeiro e março e de
0,8% de abril a junho). O início do governo
teve a retomada dos reajustes reais do sa-
lário mínimo e a ampliação da isenção do
Imposto de Renda dos trabalhadores com
rendimento de até 1,9 mil reais mensais,

 valor que vigorava desde 2015, para 2,6
mil. Para o ano que vem, a equipe econô-
mica propôs subir o mínimo de 1,412 mil
para 1,502 mil, ganho real de 2,9%.

 
Na metade final do ano passado, o PIB
parou. Ficou em zero nos dois últimos tri-
mestres. Não à toa, agora em março, 38%
dos brasileiros diziam sentir que a eco-
nomia havia piorado de um ano para cá,
enquanto 34% viam tudo na mesma e só
26% acreditavam em melhora, de acor-
do com a pesquisa Genial/Quaest. Nos
dois estados mais populosos, São Paulo e
Minas Gerais, lar de 30% da população,
o sentimento era mais negativo: 42% dos
paulistas e 45% dos mineiros viam pio-
ra econômica em 12 meses, e só 23% (nos
dois estados), melhora. Menos mal para

 Lula que ainda predomine a esperan-
ça quanto aos próximos 12 meses (46%
apostem em melhora e 31%, no contrário).

 
As previsões do Ministério da Fazen-
da e do FMI indicam que neste ano o PIB
avançará menos do que em 2023. A esti-
mativa atual de ambos é de 2,2%. No di-
to “mercado”, aquele que o Banco Cen-
tral consulta toda semana, a projeção é de
1,9%. Lula, afirma um conselheiro, empe-
nha-se por provar ao País que a economia
vai surpreender. Por trás do verbo, ação.

 
O governo decidiu aceitar que em 2025
as contas públicas fiquem no zero a zero.
O plano inicial do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, era um saldo positivo.
Caso o Congresso aprove uma meta fis-
cal “zero”, o governo terá mais verba pa-
ra investir e tentar estimular a economia.

 
Com menos dinheiro no bolso dos
brasileiros, reconhece um ministro, fi-
ca mais fácil para a oposição bolsonaris-
ta ser bem-sucedida na disputa por co-
rações e mentes, especialmente via re-
des sociais. Sem esse fator econômico,
a declaração de Lula que juntou Israel,
Hitler e nazismo em um mesmo comen-
tário a respeito da guerra em Gaza, não
teria trazido tanta dor de cabeça.

CARTA CAPITAL    

 

 

 

 

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