September 27, 2023

Desigualdade: a raiz de todos os males

 

 

 Na Assembleia-Geral
da ONU, o presidente Lula aponta
o combate à desigualdade como
o principal desafio do planeta
 

P O R A N D R É B A R R O C A L

UBS é um tradicional ban-
co suíço acostumado a
guardar dinheiro dos mi-
lionários. Comprou neste
ano um concorrente em
crise, o Credit Suisse, e tornou-se o maior
gestor de ativos e fortunas do planeta. Es-
sa especialidade lhe permite analisar
muitas contas. Ao examinar 5,4 bilhões
de patrimônios familiares, o equivalente
a dois terços da população mundial, cons-
tatou que o 1% aninhado no topo da pirâ-
mide embolsa 44% da riqueza global. Por-
nográfico, certo? Adivinhe quem é o pri-
meirão da fila da concentração de renda,
com gula acima da média, entre as econo-
mias examinadas? O Brasil, claro. Nosso
1% controlava 48% da riqueza nacional

 em 2022, conforme o Global Wealth
Report, recém-divulgado pelo banco.

 
Ao voltar à tribuna da ONU, em Nova
York, para abrir pela sétima vez a assem-
bleia-geral anual da entidade, Lula colo-
cou o combate às desigualdades como a
grande tarefa da atualidade. Crise climá-
tica, sequelas da pandemia de Covid, inse-
gurança alimentar e energética, racismo,
intolerância e xenofobia são desafios que
“se alastram” no embalo da iniquidade, na
visão do presidente. “Se tivéssemos que
resumir em uma única palavra esses desa-
fios, ela seria desigualdade. A desigualda-
de está na raiz desses fenômenos ou atua
para agravá-los”, declarou na tribuna das
Nações Unidas na terça-feira 19. “Redu-
zir as desigualdades dentro dos países re-
quer incluir os pobres nos orçamentos na-
cionais e fazer os ricos pagarem impostos
proporcionais aos seus patrimônios.”

 
O que teriam pensado os comandantes
do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câma-
ra, Arthur Lira, diante dessas palavras?
Ambos assistiram ao discurso in loco,
como integrantes da comitiva brasileira
a convite de Lula. São dois ricaços. Pache-
co declarou à Justiça Eleitoral 22 milhões
de reais em bens na eleição de 2018. Lira,
5,9 milhões na disputa de 2022. Graças à
dupla, o Congresso impôs duas derrotas
ao governo neste ano no quesito “tribu-
tar quem pode mais”. Perderam validade
uma Medida Provisória que alterava re-
gras no Carf, o “tribunal dos impostos”, e
outra que cobrava Imposto de Renda dos
lucros com offshores (firmas ou fundos no
exterior). Essas propostas ressuscitaram
em forma de Projetos de Lei. O PL do Carf
foi aprovado em agosto em definitivo pe-
lo Congresso. O das offshores está para-
do, assim como uma MP para tributar os
lucros dos chamados fundos exclusivos.
Esses e as offshores pertencem a cerca de
62 mil titulares, cada um com patrimônio
médio de 24 milhões de reais, conforme
dados do Ministério da Fazenda.

 
Formado por endinheirados e sim-
patizantes, o Congresso é cercado pela
maior população de rua do País, em ter-
mos proporcionais. Dono da maior renda
percapita estadual (2,6 mil reais mensais),
o Distrito Federal tem 7.924 pessoas nas
ruas, 0,28% de seus habitantes, conforme
o Ministério dos Direitos Humanos. O ba-
talhão nas ruas brasileiras é de 236 mil,
tamanho da segunda maior cidade alago-
ana, Arapiraca. Cidadãos também sem co-
mida, presume-se. “A fome, tema central
da minha fala neste Parlamento mundial
20 anos atrás, atinge hoje 735 milhões de
seres humanos, que vão dormir esta noite
sem saber se terão o que comer amanhã”,
afirmou Lula nas Nações Unidas, em alu-
são à sua estreia naquele púlpito em 2003.
Por tradição, cabe ao Brasil abrir a assem-
bleia-geral, não importa o mandatár

Até Jair Bolsonaro ocupou o palanque,
para constrangimento geral da nação.
O número de famélicos citado por Lula
consta de um documento de julho da ONU.
É como se todos os moradores dos 50 paí-
ses europeus passassem fome. Combatê-
-la será uma das bandeiras do Brasil nos
12 meses no comando rotativo do G-20,
grupo das maiores economias. O petista
pretende propor no bloco uma força-tare-
fa contra a fome e outra contra o aqueci-
mento global. “Ao assumir a presidência
do G-20 em dezembro próximo, não me-
diremos esforços para colocar no centro
da agenda internacional o combate às de-
sigualdades em todas as suas dimensões”,
disse na ONU. Disparidades de gênero e de
raça também, não apenas de renda.

 
Em 2015, o mundo assumiu, no âmbi-
to das Nações Unidas, 17 compromissos
para atingir até 2030 que significariam
a melhora das condições de vida dos se-
res humanos e a preservação ambiental.
O Brasil adotará por conta própria um 18º
compromisso: igualdade racial. E como
estão os 17 existentes? Na segunda-feira
25, o Palácio do Planalto verá uma apre-
sentação do Relatório Luz Sobre a Agen-
da 2030 no Brasil e o documento diz, por
exemplo, que “as desigualdades socioe-
conômicas no Brasil se ampliaram expo-
nencialmente sob o governo Bolsonaro”.

 
De volta ao G-20. O bastão simbólico
foi passado ao Brasil em setembro, no
encontro anual do grupo realizado na
Índia. O próximo será em novembro de
2024, no Rio de Janeiro. A primeira reu-
nião aconteceu em 2008, em meio à cri-
se financeira surgida no Hemisfério Nor-
te. Lula estava em seu segundo manda-
to à época. Na Índia, o petista ressaltou
a importância do bloco naquele momen-
to, mas ressalvou: “Foi insuficiente para
corrigir os equívocos estruturais do neo-
liberalismo”. Neoliberalismo menciona-
do por ele na ONU como culpado por pio-
rar “a desigualdade econômica e política
que hoje assola as democracias”. Sobre
os “escombros” do neoliberalismo, teo-
rizou ele, despontou a extrema-direita.

 
Para um diplomata com experiência
nas Nações Unidas, o discurso de 22 mi-
nutos de Lula foi audacioso. O presidente,
diz, fez críticas ao status quo global e ex-
pôs os dilemas do capitalismo, mas sem
errar a mão, vide os sete aplausos da pla-
teia e a repercussão positiva na mídia.
Tudo isso com um pano de fundo geo-
político mais complexo do que em 2003
– do qual a guerra na Ucrânia é o me-
lhor exemplo. Às margens da ONU, Lula
reuniu-se na quarta-feira 20 pela pri-
meira vez com o ucraniano Volodymyr
Zelensky e insistiu no diálogo com a Rús-
sia. A guerra foi citada pelo brasileiro na
assembleia-geral como um fracasso da
ONU. Há, porém, quem lucre. No ano
passado, o gasto militar mundial bateu
recorde, conforme uma entidade pacifis-
ta sueca, a Sipri: 2,2 trilhões de dólares,
equivalente a um ano de funcionamento
da economia italiana. A guerra na Ucrâ-
nia começou em fevereiro de 2022.

 
Vistas em conjunto, as passagens pelo
G-20 e pela ONU, entremeadas por uma
viagem a Cuba, mostraram um Lula dis-
posto a liderar o Sul global contra a ordem
econômica imposta pelas nações ricas do
Norte após a Segunda Guerra Mundial.
A passagem por Cuba justificou-se pela
participação na reunião do G-77, grupo
fundado nos anos 1960 justamente para
ser porta-voz dos emergentes. O encontro
terminou com uma declaração que con-
dena a “atual ordem econômica interna-
cional injusta para os países em desenvol-
vimento”. No discurso em Havana, Lula
bateu nessa tecla. O G-77, disse, foi fun-
damental para “defender a construção de
uma nova ordem econômica internacio-
nal”, mas “muitas das nossas demandas
nunca foram atendidas”. A ONU, o siste-
ma Bretton Woods e a OMC, prosseguiu,
perderam credibilidade.

 
Bretton Woods é a cidade norte-ame-

icana palco, em 1944, de uma conferên-
cia internacional que levou à criação do
FMI e do Banco Mundial, pilares da ar-
quitetura financeira global vigente. Ao
participar de um debate sobre a revisão
dessa arquitetura, organizado em ju-
nho, em Paris, pelo presidente francês,
Emannuel Macron, Lula defendeu o
fim do domínio do fundo e do banco pe-
los países do Norte. “É preciso ter novas
direções, mais gente participando da di-
reção, porque não podem ser os mesmos
de 1945.” Uma consequência desse domí-
nio: em 2021, o FMI colocou 160 bilhões
de dólares à disposição dos países euro-
peus para reforçar suas reservas inter-
nacionais. Aos africanos, separou meros
24 bilhões. A propósito, ao passar por An-
gola em agosto, Lula relançou a ideia do
perdão da dívida dos africanos. “É pre-
ciso começar uma nova briga, que é a se-
guinte: o continente africano deve para o
FMI por volta de 760 bilhões de dólares.
Essa dívida vai ficando impagável, por-
que o dinheiro do orçamento nunca dá.”
A independência de Angola em relação
a Portugal e a ascensão de um governo
socialista em 1975 tiveram apoio de tro=

pas de Cuba. Na recente reunião na ilha
caribenha, em 16 de setembro, Lula de-
fendeu o fim do embargo econômico im-
posto pelos Estados Unidos após a revo-
lução cubana de 1959. Uma posição repe-
tida depois na ONU. Nos dois discursos, o
brasileiro também criticou a inclusão de
Cuba em uma lista norte-americana de
países patrocinadores de terrorismo. A
ilha havia saído da lista em 2015, tempos
de Barack Obama, mas voltou em 2021,
dias antes da troca de Donald Trump por
Joe Biden na Casa Branca.

 
Lula e Biden tiveram um encontro em
paralelo, na quarta-feira 20. Foi o segundo
desde a volta do brasileiro ao poder. O ou-
tro ocorrera em fevereiro, na Casa Branca.

 
De lá para cá, a proximidade de Lula com a
China e os BRICS e suas posições a res  

o da guerra na Ucrânia (ele culpa o Oci-
dente por respaldar Zelensky) haviam dei-
xado a impressão de falta de sintonia com
Biden. O embate com a extrema-direita na
política interna os aproxima, idem a defe-
sa internacional do meio ambiente. Ago-
ra, há outro tema a juntá-los: o mundo do
trabalho. Lula e Biden decidiram tremu-
lar juntos a bandeira dos direitos traba-
lhistas e dos sindicatos. “Não queremos
que só uma classe se saia bem. Queremos
que os pobres tenham oportunidades de
subir na vida, e essa visão é impulsiona-
da por uma força trabalhista forte. É por
isso que meu governo tem sido chamado
de o governo mais pró-sindicatos da his-
tória dos Estados Unidos”, afirmou Biden.

 
Lula cumprirá, aqui, a promessa de
campanha e vai rever a reforma traba-
lhista de Michel Temer? “O desempre-
go e a precarização do trabalho minaram
a confiança das pessoas em tempos me-
lhores, em especial os jovens. Os gover-
nos precisam romper com a dissonância
cada vez maior entre a voz dos mercados
e a voz das ruas”, disparou na assembleia-
-geral. Dissonância vista em números no
Brasil em duas pesquisas de setembro.
No “mercado”, 12% aprovam o governo e
47%, não, informa a consultoria Quaest.
Entre os brasileiros que ganham até dois
salários mínimos, 43% aprovam e 24%,
não, conforme o Datafolha.

 
Biden discursou nas Nações Unidas
logo após Lula e mostrou-se a favor da re-
forma do Conselho de Segurança, forma-
do desde sempre por um quinteto (EUA,
China, Rússia, França e Inglaterra) pri-
vilegiado com o poder de vetar as deci-
sões da entidade. É, de certa forma, ou-
tro tópico a aproximá-lo de Lula. O petis-
ta defende essa reforma desde seus man-
datos anteriores. Biden foi, aliás, o único
líder do conselho presente à Assembleia-
-Geral. Os outros quatro países manda-
ram representantes subalternos. Pior
para eles. Perderam um discurso e tan-
to do colega brasileiro.

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