O Rijksmuseum de Amsterdã inaugurou na última sexta-feira (10) a maior exposição da obra de Johannes Vermeer já realizada. Pouco se conhece da vida de Vermeer, os documentos são raríssimos.
Não deixou uma grande quantidade de cartas como seu compatriota superstar Van Gogh, nem os holandeses tentaram fazer dele um símbolo do Reino dos Países Baixos como fizeram com Rembrandt. Essa escassez de informação certamente contribui para a aura de mistério construída em torno do artista.
Algo parecido ocorre com seus quadros. Vermeer não pintou obras monumentais, nem teve produção numerosa. Estima-se que tenha feito cerca de 50 obras ao longo de sua vida. Morreu em 1675, aos 43 anos.
Contando desde quando ele se tornou um mestre pintor, em 1653, temos uma média de pouco mais de duas pinturas por ano. Algo muito distante de seus contemporâneos célebres, como Rembrandt ou Frans Hals.
Suas obras não têm a grandiloquência de Rubens, tampouco o drama de Caravaggio. São poucas e pequenas. Convidam a uma espécie de silêncio, a um olhar diligente, minucioso, como se pudessem parar o tempo.
De fato, essa é a impressão que se tem diante do fio de leite que escorre do vaso em "A Leiteira", ou da tensão introspectiva de "Mulher em Azul Lendo uma Carta".
Das 37 pinturas conhecidas, 28 estão expostas nas dez salas preparadas pelo museu holandês. A maioria veio de coleções europeias.
Há também um bom número proveniente de museus dos Estados Unidos, como o The Metropolitan Museum e a Frick Collection. A única obra presente em uma coleção de fora do Atlântico Norte também está na mostra: "Santa Praxedes", do National Museum of Western Art, em Tóquio.
A primeira e última vez em que mais de 20 quadros do artista foram expostos juntos foi há quase 30 anos, quando a National Gallery de Washington e a Mauritshuis, em Haia, organizaram uma mostra conjunta.
A curadoria, feita por Pieter Roelofs e Gergor J.M. Weber, segue uma fórmula simples. Os quadros são apresentados em uma expografia austera —paredes de um azul quase roxo e iluminação leve. Os textos são breves, distribuídos em eixos temáticos que partem de elementos dos próprios quadros e não da cabeça dos curadores.
Esses eixos exploram fases da vida de Vermeer e relações contrastantes dentro de sua obra, como o catolicismo do pintor em "Alegoria da Fé Católica" ou sua atração pelo profano em "A Alcoviteira". Também analisam a relação entre interior e exterior presente em obras como "Oficial e Moça Sorrindo" e "Mulher Tocando Alaúde", nas quais grandes mapas detalhados adornam interiores diminutos e prosaicos.
O mundo exterior também aparece nas cartas que perturbam o semblante de leitoras diante de uma janela aberta, ou no globo terrestre e nos instrumentos de estudo que compõem o ateliê de "O Geógrafo".
Em outras obras, no entanto, o espectador é chamado a se interiorizar ainda mais na cena, como em "A Rendeira", na qual detalhes milimétricos exigem um olhar de ourives do visitante, aspecto potencializado pelo tamanho da pintura, apenas 24,5 por 21 cm, feita pelo artista entre 1666 e 1668.
Em suas primeiras obras, feitas entre 1654 e 1666, como "Cristo na Casa de Maria e Marta" —de 158,5 por 141,5 cm— e "Diana e suas Ninfas" —97,8 por 104,6 cm—, Vermeer explora temas tradicionais em telas maiores.
As cenas cotidianas dos habitantes de Delft, pintadas em tamanho reduzido, só se afirmam depois de o pintor conhecer as obras de Pieter de Hooch, exímio construtor de ambientes interiores e atuante na mesma cidade.
No entanto, uma das maiores pinturas de Vermeer, "A Arte da Pintura", de 120 por 100 cm, que retrata um artista trabalhando em seu ateliê, mostra que os pequenos formatos não são exatamente uma regra para essas cenas. Esta é certamente a grande ausência da exposição, já que o Kunsthistorisches Museum de Viena negou o empréstimo da obra para a mostra de Amsterdã.
O Rijksmuseum estendeu seu horário de funcionamento de quinta a sábado até as 22h para absorver a demanda de visitantes. Mais de 200 mil ingressos já foram vendidos de acordo com o museu. Mas, apesar de cheia, a exposição está longe de ser intransitável.
Há espaço e tranquilidade para se demorar sobre as obras. Algo necessário para os quadros de Vermeer. Eles convidam a um exercício do olhar que vai na contramão do mundo hiperconectado em que vivemos, a uma imersão profunda, muito distante das exposições ditas imersivas que se espalham como uma praga mundo a fora. Lembram que estar diante de uma pintura é também estar diante da matéria.
FOLHA
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