Rodrigo de Souza
O sol ainda brota na Baía de Guanabara, mas para eles o dia já começou há muito tempo. Embora o evento longamente aguardado só aconteça no domingo, a barca com destino a Paquetá que saiu do Centro do Rio nesta sexta-feira, às 6h20 da manhã, já estava lotada de voluntários da Secretaria municipal de Saúde. Eles vão atuar no projeto "PaqueTá Vacinada", que pretende imunizar toda a população adulta da ilha e, assim, averiguar os efeitos da vacinação contra a Covid-19 em larga escala. São 230 jovens estudantes de diferentes áreas, como medicina, enfermagem e até estatística — todos vindos "do continente", como dizem os moradores da ilha. Jovens que não receberão nada por seu trabalho exceto o dinheiro da passagem da barca, movidos por nenhum outro incentivo além de seu compromisso com a ciência e com a vida.
Um deles é Lígia Wanderley, de 20 anos, aluna do 5° período de medicina da Unigranrio. Moradora de Laranjeiras, na Zona Sul, ela desembarcou em Paquetá acompanhada de outros cinco colegas de faculdade, provenientes de lugares como Sulacap e Taquara, na Zona Oeste, e Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
— Já estávamos envolvidos nesse processo de vacinação no Rio, atuando em alguns postos na Zona Oeste, e por isso resolvemos ajudar aqui também. Não ganhamos nada além de hora complementar na faculdade, mas a experiência vale mais do que qualquer outro tipo de recompensa. É clichê, mas é verdade. A troca que a gente tem com a população é o que importa — diz Lígia.
De quinta a sábado, os voluntários trabalharão no inquérito epidemiológico do Instituto Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que tem como objetivo monitorar o perfil imunológico da população de Paquetá após a vacinação. Coordenados pelo infectologista José Cerbino Neto, os pesquisadores também querem saber se a vacina de Oxford/Astrazeneca, o imunizante em estudo, já garante proteção após a primeira dose ou se só após a segunda. Uma outra força-tarefa de testagem, ainda sem data definida, acontecerá depois que os vacinados no domingo já tiverem tomado a injeção de reforço. E, na etapa seguinte, Paquetá sediará o primeiro evento-teste da cidade, que o prefeito Eduardo Paes já chegou a chamar de “carnaval fora de época”. Segundo a SMS, a comemoração terá lugar num local aberto, o Parque Darke de Mattos, e receberá cerca de 600 pessoas, todas elas habitantes de Paquetá ou vacinados.
— O objetivo do projeto é antecipar, em Paquetá, uma situação de proteção coletiva que a gente vai alcançar na cidade daqui a alguns meses. Assim, vamos poder antecipar também uma série de medidas de controle e de vigilância de casos quando alcançarmos o mesmo nível de cobertura vacinal na capital — diz Cerbino.
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Com a ajuda dos estudantes, a Prefeitura do Rio espera testar, em três dias, 3 dos 4,1 mil moradores do bairro. Em consonância com o espírito de colaboração que arrebatou a ilha, o processo seletivo do voluntariado teve quase 600 inscrições num só dia, segundo Luiz Felipe Pinto, assessor especial da Secretaria de Saúde.
— Tivemos que encerrar o processo antes da hora, senão haveria aglomeração de voluntários aqui. Nosso critério foi dar preferência a quem já tinha experiência prévia de pesquisa ou estava mais avançado na faculdade — afirma.
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Nos testes, a população da ilha foi dividida em três grupos: maiores de 18 anos que já tomaram a vacina, cerca de 1800 pessoas; menores de 18 anos, cerca de 700 pessoas; e maiores de 18 que não se vacinaram ainda, cerca de 1600 pessoas. Além do exame sorológico, cada pessoa examinada também teve de dizer, por meio de um questionário, se já teve sintomas de Covid-19, com que frequência costuma sair da ilha e se está em home office, entre outras perguntas. Depois de cada turno de trabalho, as amostras de sangue são levadas por helicóptero à sede da Fiocruz, em Manguinhos. Os resultados devem ser divulgados no dia 20 de junho de 2022.
Lígia e seus amigos foram designados para trabalhar no Paquetá Iate Club, que recebeu o grupo 2, composto por crianças e adolescentes, todos acompanhados pelos pais. Fernanda Cardoso, de 6 anos, foi a primeira a receber o teste rápido na manhã desta sexta-feira. Tímida, foi sucinta ao descrever como se sentia por poder participar do estudo: “Feliz”. Já a segunda da fila, Maria Isabel, de 7 anos, foi tagarela. Vestida com o uniforme da rede municipal de Educação, repetia: “Quero ser médica”.
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Durante a coleta, a técnica de enfermagem Andreia dos Santos, de 47 anos, cantava baixinho versos de “Exagerado”, de Cazuza, para acalmar o pequeno André Dimopoulos, de 11 meses, que esperneava com o furo no pezinho. Enquanto o filho chorava, Andréia chorou junto, mas sabia que tudo aquilo valeria a pena.
— Ele não sabe nada do que está acontecendo, não sabe o quanto está sendo importante — diz. — A gente viu tanta gente morrendo, tanto terror. Só de sabermos que, da noite para o dia, a cidade vai estar toda vacinada… É o medo que vai embora.
Por outro lado, há quem já esteja vacinado faz algum tempo e que, mesmo com todos os motivos para ficar em casa, resolveu colaborar como pôde. Foi o caso de Dinah Proença, de 85 anos.
— Eu particularmente não viria, porque minha veia é horrível para colher sangue, é sempre um sacrifício. Mas, como soube que era para fazer pesquisa, achei necessário vir. Meu recado para a população de Paquetá é: venham e contribuam — afirma a dona de casa.
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Segundo o vendedor Gustavo Pjader, de 24 anos, que também realizou exame de sangue ontem no posto Manoel Arthur Villaboim, toda a ilha foi tomada por um desejo de fazer o projeto dar certo:
— Vejo uma mobilização de pessoas, inclusive das que já se vacinaram, para fazer a coleta. Uma mobilização importante para a pesquisa. É muito legal ver o pessoal querendo ajudar, querendo fazer o bem para o outro. Isso é humanidade, é assim que a gente evolui.
A polêmica do ‘carnaval’
Como tantos outros paquetaenses, Dinah se opõe ao “carnaval” que Eduardo
Paes anunciou, por achar que “ainda não é hora de comemorar”.
Segundo a SMS, o evento só deve ocorrer em meados de setembro, ou quando já não houver mais casos de doença na cidade. Mesmo assim, o assunto dá pano para manga. Entre os jovens da ilha, a ideia foi recebida de um jeito diferente.
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— O pessoal está muito alegre, porque seremos o primeiro bairro completamente vacinado contra a Covid-19. E, com essa notícia de que talvez haja um carnaval adiantado aqui, os jovens estão querendo essa vacina o mais rápido possível. Estou ansioso para poder passear no continente de novo, ir a praia, shopping… — afirma o vendedor Márcio Martins, de 26 anos.
Os jovens de Paquetá serão os primeiros a se vacinar em todo o Rio. Mas, em muitos casos, a ansiedade não se deve só à possibilidade de diversão.
— Trabalho como vendedor no Centro do Rio, e por isso me exponho muito. Também vi muita gente querida morrendo, por isso a vacina me dá mais segurança — diz Gustavo Pjader.
Segundo a Secretaria municipal de Saúde, Paquetá tem uma população de 4.180 moradores, dos quais 3.530 são maiores de 18 anos cadastrados. Até a manhã de 17 de junho, 1.946 moradores da ilha já tinham recebido a primeira dose e 1.132 já tinham tomado a segunda.
Às 9h desta quinta-feira, 2 mil doses da vacina de Oxford/Astrazeneca saíram do Rio de Janeiro rumo a Paquetá, onde serão distribuídas neste domingo após uma cerimônia que contará a participação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e pela presidente da Fiocruz, Nisia Trindade.
Os voluntários e servidores da prefeitura embarcarão na Praça XV rumo a Paquetá amanhã às 7h. Já as comitivas das autoridades partirão da Ilha do Governador numa lancha em horário próximo. A vacinação só deve começar quando todos chegarem. Serão quatro postos: o Parque Darke de Mattos, o Paquetá Iate Clube, o posto Manoel Arthur Villaboim e a Casa de Artes Paquetá. Para evitar aglomerações, a população comparecerá aos postos em horários escalonados, seguindo o critério de idade.
O Globo
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