March 10, 2017

É 'verdade alternativa' fingir que só Temer é inocente no caso Odebrecht


Clóvis Rossi
O presidente Michel Temer participa da reunião da Comissão da Reforma da Previdência em Brasília
 O então presidente do PMDB, um certo Michel Temer, admite publicamente ter pedido contribuição de campanha a Marcelo Odebrecht, presidente de uma empreiteira atolada no maior esquema de corrupção jamais revelado neste país. 

 A empreiteira, como era inevitável, aceitou contribuir, conforme vazou, com abundância de detalhes.
Temer defende-se dizendo que a "contribuição" foi legal, devidamente declarada e não parte de um esquema de propina e/ou caixa 2.

Dá para acreditar? Claro que não, se se considerar nota oficial da Odebrecht, em que ela "reconhece que participou de práticas impróprias em sua atividade empresarial. (...) Foi um grande erro, uma violação dos nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de honestidade e ética".
Mais: afirma também que o sistema partidário-eleitoral do Brasil é "ilegal e ilegítimo".

Só mesmo o mais rematado tolo acreditaria que, com todos os outros políticos, a empreiteira cometeu uma agressão à honestidade e à ética, mas não com Temer, certo?

No entanto, a maior parte do mundo político e empresarial se finge de tolo rematado, assobia e olha para o lado, em vez de armar o escândalo correspondente à revelação pública de uma inaceitável promiscuidade entre uma autoridade e uma empresa privada que faz negócios com o governo.

Nem mesmo o PT grita com a força com que gritou quando surgiram as primeiras suspeitas a respeito de Fernando Collor de Mello. Não tem moral para se fingir indignado porque lambuzou-se ferozmente com a mesma promiscuidade.

É, de resto, situação idêntica à do PSDB e de um mundo de outros partidos. Afinal, como lembrou a Transparência Brasil para o "The New York Times", 60% dos congressistas brasileiros enfrentam sérias acusações, como suborno, fraude eleitoral, desmatamento ilegal e até sequestro e homicídio.
É inevitável concluir que "o sistema político-partidário está apodrecido", como disse tempos atrás o procurador Carlos Fernando Santos Lima, que é um dos investigadores da Lava Jato.

Era natural, embora lamentável, que surgissem vozes cavernárias pedindo um regime militar, como se na ditadura a corrupção tivesse sido eliminada.

O grande nó da República é que, se a política está podre, a solução sempre estará na política, até que alguém invente algum modelo melhor de intermediação entre Estado e sociedade.

O que é inadmissível é o silêncio sobre as ligações do presidente da República e de todo o seu círculo íntimo com escândalos.

É de um cinismo intolerável o raciocínio que se ouve em certos círculos no sentido de "deixa o Temer p'ra lá, afinal ele mudou as expectativas e está fazendo ou tentando fazer as reformas".

Por enquanto, aliás, as expectativas que mudaram foram as do tal de mercado, assim como "reformas" é a palavra-muleta à qual se recorre sempre quando há uma crise qualquer.

A grande reforma, na verdade, é a do sistema político, que, de resto, está em crise em boa parte do mundo. Essa, convenhamos, ninguém sabe bem como fazer, o que só acrescenta sombras ao nó em que vive a República.

FOLHA DE SÃO PAULO

Macaco Tião vira protagonista de documentário


Filme abordará os bastidores da campanha política de 1988 no Rio





Temperamental, inteligente, brincalhão, comunicativo, ciumento e exigente. Macaco Tião, a grande surpresa das eleições municipais de 1988, terá a sua história contada em um documentário do diretor Alex Levy-Heller. Produzido em tempos de Lava-Jato e descrédito por causa do grande número de políticos envolvidos em esquemas de corrupção, "Macaco Tião - O candidato do povo" está em fase de finalização e será lançado no segundo semestre deste ano. Serão 75 minutos que contarão não apenas o lado animal de Tião, mas também os bastidores da campanha política daquele ano.
— Ele era um cidadão do Rio e um candidato que ficou em terceiro lugar nas eleições daquele ano. Foi uma figura política da nossa cidade e merece ser homenageado. Há documentários produzidos de tantas outras personalidades, por que não do macaco Tião? — questiona o diretor.

Em 1988, Tião foi lançado candidato à prefeitura pela “legenda” Partido Bananista Brasileiro (PBB), uma brincadeira dos redatores do “Planeta Diário” e da “Casseta Popular”, que mais tarde se tornariam o grupo humorístico “Casseta &; Planeta”. Mas o que tornou um chimpanzé do zoológico do Rio um fenômeno das urnas?

— A representatividade da classe politica era muito contestada. Não tinha em quem votar, quem o povo abraçasse como futuro prefeito do Rio. E aí surgiu a candidatura. O que começou como uma grande brincadeira, transformou-se em um protesto contra os candidatos e um incentivo ao voto nulo nas antigas cédulas eleitorais. As pessoas escreviam o que queriam, o nome que fosse, a frase que quisessem — conta Alex.

E o macaco Tião não fez feio: estima-se que ele tenha recebido 400 mil “votos”, não contabilizados oficialmente, dos eleitores. Essa votação o deixou em terceiro lugar entre os 12 candidatos que disputaram o pleito. Cerca de 9,5% dos cariocas que compareceram às urnas apostaram nele. Quem levou a eleição naquele ano foi Marcello Alencar. Se fosse no primeiro turno da eleição de 2016, Macaco Tião ficaria em quinto lugar, entre Flávio Bolsonaro (424.307 votos) e Índio da Costa (272.500).

Para Alex Levy-Heller, muitos queriam apenas expressar as suas frustrações com o cenário político da época por meio do animal.

Jorge Luiz de Oliveira foi um dos tratadores do macaco Tião. Durante 10 anos, ele conviveu com o "macaco mais humanizado que ele já conheceu". O funcionário do RioZoo há 31 anos conta que Tião tinha as suas manias e que precisava ser agradado a todo momento. Diferentemente do que falam por aí, Tião não jogava as suas fezes nos outros. Jorge conta que ele arremessava uma mistura de terra, lama e frutas.

— Ele não colocava a mão nas fezes dele, sempre foi assim. Ele separava as frutas e legumes que não gostava e deixava em um cantinho para jogar no público — lembra.



Foto: Marcos Ramos em 05/01/1994 / O Globo


Um dos prazeres de Tião era admirar as luzes acesas das torres que ficam no alto do Morro do Sumaré, na Zona Norte do Rio. Jorge conta que ele forrava o chão com sacos de estopa e passava as noites sentado na jaula e olhando as luzes. Outra curiosidade revelada pelo tratador era o fascínio que as mulheres loiras exerciam sobre o animal.

— Ele ficava louco, olhando para todas. Principalmente as que usavam botas nos pés. Mas apesar de toda essa admiração, infelizmente o macaco Tião morreu solteirão, sem formar uma família e nem deixar descendentes — lamenta Jorge.

A ESCOLHA DO SUCESSOR

Quando o macaco Tião faleceu, em 23 de dezembro de 1996, aos 33 anos, em virtude da diabetes, uma votação foi realizada para tentar encontrar o seu sucessor como uma das estrelas do zoológico. Na briga, estavam os chimpanzés Pipo e Paulinho. À época, o primeiro foi escolhido vencedor e tinha tudo para chegar ao estrelato. No entanto, Paulinho sempre foi considerado mais animado e engraçado, conquistando o coração dos frequentadores.

— Ele já estava no RioZoo há 10 anos e cresceu solto até os três anos de idade, correndo pelos corredores. Tanto que, até hoje, quando foge da jaula pelo acesso dos tratadores, ele vai direto para a cozinha dos animais, pois já conhece o caminho — revela Jorge.

A criação livre nos primeiros anos de vida é um ponto em comum entre Paulinho e Tião, que ganhou esse nome em homenagem ao padroeiro da cidade - São Sebastião - já que nasceu próximo ao seu dia, 16 de janeiro de 1963. Quando filhote, Tião passeava pelo zoológico de mãos dadas com seus tratadores e visitava diariamente as salas da administração.





O chimpanzé Paulinho, sucessor do Macaco Tião - Roberto Moreyra / Agência O Globo
Paulinho hoje tem 31 anos, e segue saudável. Diferentemente de Tião, ele coloca as mãos nas suas fezes e de vez em quando arremessa os excrementos em direção ao público, geralmente quando se sente incomodado com os fãs que gritam o seu nome em busca de uma fotografia e uma pose. Mas nem tudo é sujeira. Paulinho já foi flagrado limpando o corredor de acesso às jaulas, com direito a mangueira e água, em uma das fugas.

A alimentação de Paulinho é a base de frutas, verduras, iogurte e legumes. Melancia, tomate e banana são os alimentos preferidos do macaco. Tião também sempre gostou de comer do bom e do melhor. No entanto, o tratador dos primatas recorda que o macaco sofreu muito quando viu as mangas, abacaxis e outras frutas serem substituídas por repolho e chicória devido a diabetes. Segundo Jorge, mesmo doente, Tião sempre era agradado com uma banana pelos outros funcionários do zoológico.
O esqueleto do Macaco Tião está exposto no Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, em Guapimirim, a serviço da ciência.

A COMÉDIA COMO FERRAMENTA CRÍTICA

Além de imagens da época, “Macaco Tião — O candidato do povo” terá depoimentos dos cassetas Marcelo Madureira, Helio De La Peña, Beto Silva, Hubert e Claudio Manoel, e de sociólogos e cientistas políticos como Roberto DaMatta e Sergio Besserman. O diretor Alex Levy-Heller afirma que há vários pontos por trás da campanha eleitoral de Tião: o voto obrigatório, o voto de protesto e a insatisfação dos eleitores.

— Considero que há um legado. Hoje, vários candidatos políticos são seus seguidores. Pessoas sem vocação e sem um nível educacional adequado para fazer carreira política, mas que mesmo assim recebem uma quantidade expressiva de votos — explica o diretor.

Alex Levy-Heller lembra que o macaco Tião sempre teve a vida documentada pelas emissoras de TV, que faziam matérias e reportagens sobre os aniversários e peripécias do animal. Por isso, segundo ele, não foi difícil encontrar boas imagens. Um dos entrevistados para o filme, Marcelo Madureira afirma que, na época, o macaco reunia as principais características para um bom político, e lembra a grande repercussão conquistada.

— A campanha foi um sucesso absurdo. Uma pena que ele não pode prosseguir na carreira política. Mas eu acho que o macaco Tião não teria a menor chance no cenário político atual, pois ele sempre foi um animal honesto e nunca roubou ninguém — afirma.


O treinador Jorge Luiz, do RioZoo, lembra dos cabos eleitorais que iam até o zoológico, estampando a foto do Tião em camisas e cartazes. O diretor Alex Levy-Heller conta que o Bussunda, casseta falecido em 2006, era o grande porta voz da campanha que colocava o macaco Tião como o grande representante do "povão" no fim da década de 80.

— O fato saiu no Le Monde e no New York Times, teve fama internacional. As pessoas não acreditavam que um macaco tinha sido eleito para um cargo tão importante — conta o diretor Alex Levy-Heller, que mergulhou nas curiosidades do macaco Tião no final de 2014 e passou os últimos anos colhendo boas histórias. O documentário tem produção da Alelo Filmes e Afinal Filmes, e distribuição da Pipa Produções.

O GLOBO, 10 DE MARÇO DE 2017

March 9, 2017

O mundo de Ciro & Benedito


Suspeitos de corrupção, como 46% da bancada do PP, manobram para aprovar autonomia aos chefes de partido sobre R$ 819 milhões do Orçamento da União


José Casado, O Globo

O mundo parece ser melhor do que é, pelo menos para os senadores Ciro Nogueira, piauiense de 48 anos, e Benedito de Lira, alagoano de 74 anos. Estrelas dos primeiros episódios das denúncias contra parlamentares apresentadas ao Supremo nos últimos dois anos, sentem-se quase invisíveis sob a poeira da avalanche dessa história de corrupção sem fim.

Ciro preside o Partido Progressista, Benedito chefia o diretório em Alagoas. São responsáveis, em parte, pela alquimia do PP numa singular organização política: com apenas 23 anos de existência, já tem 26 parlamentares cassados, e exibe um rico histórico de sócio-fundador do mensalão e da Lava-Jato em parceria com o PT.

Ontem, 46% da bancada do PP no Congresso estavam sob investigação. Significa que 21 dos 45 deputados e senadores do PP são candidatos à nova lista de denunciados que o procurador-geral Rodrigo Janot anuncia para breve.

Mesmo soterrados por inquéritos sobre corrupção, Ciro, Benedito e o PP manobram no Senado para realizar uma nova e milionária apropriação de recursos públicos.

O objetivo, desta vez, é aprovar um projeto de lei que garanta plena autonomia às cúpulas dos partidos na distribuição privada dos R$ 819 milhões do Fundo Partidário.

Essa montanha de dinheiro, extraída do Orçamento Geral da União, equivale à soma de tudo que o Ministério Público e a Justiça Federal já conseguiram repatriar via acordos de colaboração em três anos da Operação Lava-Jato.

Caciques como Ciro e Benedito passariam a ter liberdade total no manejo dessa dinheirama, dentro dos seus partidos, independentemente das rarefeitas e suaves punições da Justiça Eleitoral por mau uso dos recursos arrecadados diretamente no bolso dos contribuintes.

Na maioria das vezes, a sanção aplicada ao desvio desse dinheiro público limita-se à devolução à União. Não chega a ser punição, lembra Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas: “Isso é o mesmo que punir o assaltante de banco só com a devolução do dinheiro roubado.”

O projeto está pronto para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Essa forma de apropriação de recursos orçamentários e sua partilha baseada em critérios particulares, na prática, dão caráter institucional à engrenagem que está na raiz do mensalão, além de estimular a proliferação de partidos (há 35 registrados e outros 40 na fila do Tribunal Superior Eleitoral).

O texto é de Ciro. O relatório, favorável, é de Benedito. Autor e relator foram mensaleiros no caixa de corrupção das empreiteiras entre 2010 e 2014. Ciro tomava supostamente para cobrir “despesas médicas”, Benedito levava para repassar a um “agiota pernambucano” — relata a procuradoria-geral.
Ambos costumam passear sorrindo, sem preocupação, pelo tapete azul-celeste do Senado. Talvez apostem, como outros, no congestionamento visível do outro lado da Praça dos Três Poderes. O Supremo já acumula 357 inquéritos e 103 ações penais contra parlamentares. Vai receber mais uma centena nas próximas horas da Lava-Jato. Um em cada três processos de políticos com mandato tem perdurado uma década sem julgamento no STF. Talvez seja essa a razão para se achar o mundo melhor do que ele é.

Senadores Benedito de Lira e Ciro Nogueira (Foto: Wellington Carvalho/Ascom-PP)Senadores Benedito de Lira e Ciro Nogueira (Foto: Wellington Carvalho/Ascom-PP)

March 6, 2017

Temporada de caça às regulamentações nos EUA

Em tempo recorde, presidente reverte 90 regras criadas por antecessor

Em menos de dois meses, mais de 90 regulamentações federais de Barack Obama foram revogadas ou suspensas pelo governo Trump e a maioria republicana do Congresso. Trata-se, segundo o “New York Times, de uma das mudanças mais radicais da História das políticas de regulamentação. Em muitos casos, as medidas vieram após o lobby das próprias indústrias que eram alvo de regulação. Para o governo, a nova flexibilização irá acelerar o crescimento econômico.
A partir de agora, por exemplo, dados da Segurança Social não poderão mais ser usados para impedir que indivíduos que sofrem de transtornos mentais possam comprar armas. Balas de chumbo que contaminam a natureza não serão mais proibidas de carregarem as armas dos caçadores. Leis que iriam facilitar criadores de galinha de processar empresas de frango processado estão temporariamente paradas no Congresso. E regras para a mineração, exploração de gás e petróleo foram subitamente eliminadas.

 Em discurso ao Congresso na semana passada, Trump definiu as medidas como “um esforço histórico para reduzir maciçamente os regulamentos que esmagam o trabalho”. Ainda estão pendentes no Congresso americano mais de 40 resoluções, para revisar questões que vão desde listas de espécies em extinção a taxas de cartão de crédito.

Embora promover mudanças nas regulamentações seja algo comum entre presidentes, a extraordinária intensidade dos esforços do novo governo vem acirrando os ânimos entre grupos ligados ao mercado, como Wall Street e Câmara do Comércio dos Estados Unidos, e grupos ligados a interesses públicos, como ambientalistas e sindicalistas. As mudanças terão consequências diretas para boa parte da população americana, e medidas aplaudidas por empresas são condenadas por defensores dos consumidores. Empresas como Comcast e AT & T, por exemplo, fizeram pressão para que congressistas barrassem, na última quarta-feira, uma nova lei de comunicações criada para proteger os dados de consumidores.

VOLTA ATRÁS

  Avicultura. Uma lei que facilitaria avicultores a entrar na Justiça contra empresas de processamento de frango está temporariamente parada no Congresso.  

Controle de armas. Um novo sistema, que transfere dados da Segurança Social para o Departamento de Justiça, tinha como objetivo impedir que indivíduos que sofrem de transtornos mentais pudessem comprar armas. Mas a implementação está sendo adiada por pressão da Associação Nacional de Rifles.

  comunicações. Lei criada para proteger dados pessoais de consumidores foi barrada após empresas de telefonia lançarem uma petição em janeiro.  

combustíveis fósseis. Empresas de energia fóssil pressionaram o governo para suspender uma nova regra federal que altera a forma como elas pagam royalties por petróleo, gás ou carvão extraído de terras federais. O novo padrão foi desenvolvido para aumentar a receita federal em até US$ 85 milhões por ano.

Mineração. O governo tenta atrasar uma nova regra que exige que as empresas reservem parte de seus lucros para eliminar rejeitos após o fim de uma

mina. A indústria da mineração pediu ao governo mais tempo para tentar, no futuro, bloquear a regra.  
Wall Street. Os bancos não precisarão mais captar dinheiro de clientes para cobrir possíveis perdas futuras em investimentos de alto risco, que foram o estopim da grande crise financeira de 2008.  

Desigualdade salarial. A regra que exige que as empresas publiquem um relatório detalhando a diferença entre o salário do chefe e o salário do empregado médio está sendo reconsiderada.

March 5, 2017

Steve Bannon is the most powerful person in the Trump White House. That should terrify us.


Most presidents have a chief political adviser, and this person is commonly portrayed as a sinister Svengali character, wielding unaccountable power behind the scenes as he whispers into the president’s ear. The fears that accompany that story are sometimes overblown, as ordinary policy and political actions the opposition objects to are cast as a twisting of government’s power to nefarious ends.
But not this time.
Stephen K. Bannon, President Trump’s senior strategist, is emerging as the most powerful person in the White House. That’s not the problem; somebody has to occupy that perch. The problem is what Bannon wants to do with it. He has spectacularly grand ambitions, to transform our country and its place in the world. His is an ethno-nationalist vision in which America leads a clash of civilizations, and there’s little reason to think he’d be at all displeased if that clash engulfed the entire globe. There’s also little reason to think that Donald Trump would mind.
I’m sure conservatives will say, “Didn’t you liberals say the same kind of thing about Karl Rove during the Bush administration?” The difference is that Rove merely wanted to destroy the Democratic Party and bring about a permanent Republican majority. Bannon is much more ambitious: he wants to destroy the American ethos of multiculturalism, the very idea of the United States as a melting pot united not by racial and ethnic identity but by a set of ideals. And that’s before he even looks overseas.
He’s off to an excellent start. Not only has Bannon quickly become the most influential Trump policymaker, he even got the President to put him on the “principals committee” of the National Security Council, elevating him above the chairman of the Joint Chiefs of Staff and the Director of National Intelligence. Karl Rove never got that privilege; even in the Bush White House, the idea of a political hack with a post on that committee was a step too far. At the moment, it looks like Bannon is the dominant voice in every policy area, foreign and domestic.
For some insight into what Bannon is hoping to accomplish, let me draw your attention to few articles that have come out in the last day or so. First, Frances Stead Sellers and David Fahrenthold explore Bannon’s philosophy by looking at his speeches and tapes of the satellite radio program he hosted while running the far-right website Breitbart. Bannon expressed a desire to restrict not just illegal but legal immigration, and spoke of a global conflagration:
The “Judeo-Christian West” was at war, he said, but didn’t seem to understand it yet.
“There is a major war brewing, a war that’s already global,” Bannon said at the Vatican in 2014, at a time when the Islamic State was gaining territory. “Every day that we refuse to look at this as what it is — and the scale of it, and really the viciousness of it — will be a day where you will rue that we didn’t act.”
This war is going to waged both in foreign lands and here at home. Bannon expressed his dismay that legal immigrants competed with native-born people for jobs. He asked repeatedly: “Don’t we have a problem with legal immigration?”
Now let’s turn to a piece in USA Today, in which the reporters also listened to Bannon’s radio show. They found him spouting insane false stories (“Talk to us about this mosque on the North Pole”) and comparing Islam — not terrorists, but the religion itself — to Nazism and communism. “You could look in 1938 and say, ‘Look, it’s pretty dark here in Europe right now, but there’s something actually much darker. And that is Islam,’ ” he said. Here’s more:
On Breitbart News Daily, Bannon’s words often centered on the idea of a global clash of civilizations.
“To be brutally frank, I mean Christianity is dying in Europe, and Islam is on the rise,” he said in an interview in January 2016 with a Breitbart reporter.
In November 2015, Bannon told his listeners it was time to have an “adult conversation” about national security.
“Some of these situations may get a little unpleasant,” Bannon said. “But you know what, we’re in a war. We’re clearly going into, I think, a major shooting war in the Middle East again.”…
Concern about brewing conflict, he said, was a fundamental concept behind Bannon’s media enterprise. “Our big belief, one of our central organizing principles at the site, is that we’re at war,” he said.
Bannon’s vision of the white Christian west besieged by those who would destroy it does not solely concern itself with Muslims, even if Bannon sees them as the primary threat. “You have an expansionist Islam and you have an expansionist China,” he said. “They are motivated. They’re arrogant. They’re on the march. And they think the Judeo-Christian West is on the retreat.”
Now let’s talk for a moment about Trump’s executive order temporarily banning all refugees and barring migrants from seven Muslim-majority countries from entering the United States. It’s easy to imagine this as just the first in a series of moves that Bannon plainly hopes will not only restrict future immigration but even push out immigrants who are already here. Bannon and policy aide Stephen Miller were key drafters of that order, which was kept secret from the departments that would have to implement it. Once they finally got to see it, the Department of Homeland Security concluded that the order “did not apply to people with lawful permanent residence, generally referred to as green card holders,” CNN reported. “The White House overruled that guidance overnight, according to officials familiar with the rollout. That order came from the President’s inner circle, led by Stephen Miller and Steve Bannon.”
After a torrent of negative publicity, the administration backed off that interpretation a bit. But there’s more on its way. As The Post reported Tuesday:
“The Trump administration is considering a plan to weed out would-be immigrants who are likely to require public assistance, as well as to deport — when possible — immigrants already living in the United States who depend on taxpayer help.”
The idea that this would be some kind of budgetary initiative to save money is laughable; it’s obvious that they’re exploring every possible avenue to keep out new immigrants and deport as many who are already here as they can.
It’s tempting to think about Bannon’s influence as the product of a relationship in which Bannon is a puppet master, manipulating Trump into things he wouldn’t otherwise do. But that’s not quite right, because there’s no indication that Trump disagrees with any of Bannon’s ambitions. If you look back on the last few decades of Trump’s statements on public matters, a few things stand out. First, there’s his consistent belief that America is being taken advantage of and bested by crafty foreigners; you’ll notice that whenever Trump talks about trade or foreign affairs, he puts it in personal terms of physical domination, shame, and humiliation. “We can’t continue to allow China to rape our country,” he says. When another country sells more of its products to our consumers than we sell to theirs or takes a military action we don’t like, Trump says, “They’re laughing at us.”   
Second, there’s a clear strain of racism in Trump’s ideas, from his insistence (to this day!) that the exonerated “Central Park Five” were guilty, to his portrayal of areas with large numbers of African Americans as hellholes of violence and misery, to his original proposal for “a complete shutdown of Muslims entering the United States” — which he made eight months before bringing Bannon on as CEO of his campaign.
Trump’s talk of building border walls and keeping out dangerous foreigners was never really about security. It was always about culture, the idea that those people aren’t like us and are changing the country in ways that make us uncomfortable, so if we can toss them out then we can turn back the clock to the way it was when certain people’s primacy in our society was so complete that no one questioned it. Who better to shepherd such a movement than the leader of the premier white nationalist news site on the Internet?
Likewise, Trump’s vision of all international interactions as zero-sum, in which we only win if others lose and we should only look out for ourselves, fits neatly with Bannon’s project to undermine and/or dismantle the international alliances, institutions and arrangements — political, military, and economic — that have dominated the global order since World War II. When Bannon whispers into Trump’s ear, he’ll find a ready audience.
Donald Trump may be all impulse, but Bannon is a visionary. And now he has the chance to implement that vision — nativist, ethno-nationalist, and preparing for a global clash of civilizations. Just wait until you see what he has in store.
 

Ecos da Guerra Fria : Soviéticos espalhavam informações falsas para desmoralizar os EUA



Adriana Carranca

Nos 30 anos em que trabalhou como arquivista da agência de Inteligência soviética KGB, Vasili Nikitich Mitrokhin, nascido num pequeno vilarejo da Rússia central e alçado ao círculo mais íntimo do Kremlin — a princípio por sua habilidade aparentemente inofensiva de organizar papéis enquanto aprendiz no Instituto de História e Arquivos de Moscou — fez secretamente anotações manuscritas de documentos sobre espionagem e outras operações secretas que passaram por ele, e os entregou ao Reino Unido em 1992, quando desertou após a dissolução da URSS.

Os manuscritos originais permanecem classificados como sigilosos, mas parte traduzida para inglês e editada pelo Churchill College, da Universidade de Cambridge, foi liberada para consulta pública em 2014, dois anos após a morte do arquivista. Conhecido como o Arquivo de Mitrokhin, é até hoje o mais extenso acervo de informações sobre as operações da Inteligência soviética em todo o mundo.
As anotações revelam, por exemplo, que a KGB grampeou o telefone do secretário de Estado dos EUA no governo Richard Nixon, Henry Kissinger. Mostra também que durante a campanha à Presidência em 1984, espiões russos tentaram se infiltrar nos comitês dos partidos Republicano e Democrata e que o então chefe da KGB, Yuri Andropov, ordenou a seus subordinados “medidas ativas” (aktivniye meropriyatiya) contra a reeleição do presidente Ronald Reagan.

Por “medidas ativas” entende-se espalhar a desinformação — informações falsas, fabricadas pelos soviéticos — para desmoralizar o oponente, técnica aprimorada durante a Guerra Fria, segundo a “New Yorker” esta semana. Os operadores russos teriam disseminado o slogan “Reagan Means War!” (Reagan significa guerra!) e acusações de que ele seria uma marionete da indústria militar. Reagan foi eleito, mas a estratégia voltou a ser usada repetidamente não só em eleições, mas com o objetivo de desmoralizar os EUA e suas instituições. Segundo revelou Sergey Tretyakov, ex-chefe da Inteligência russa em Nova York, ao desertar em 2000, a desinformação como arma para “envergonhar” os EUA continuou sendo usada mesmo após o colapso da União Soviética.

Ao conhecer os arquivos de Mitrokhin, Tretyakov e outros desertores, não causam surpresa os escândalos envolvendo a suposta interferência russa na política americana na era Donald Trump. O mais recente deles envolveu o secretário de Justiça de Trump, Jeff Sessions, que teria se encontrado duas vezes com o embaixador russo, Sergey Kislyak, durante a campanha.

Desde as denúncias de que hackers russos teriam infiltrado os computadores do Comitê Democrata e os escândalos que se seguiram, o governo Trump tem negado enfaticamente qualquer relação com funcionários do governo do presidente Vladimir Putin, por quem Trump não esconde sua admiração.
Michael Flynn, ex-conselheiro de Segurança Nacional, também negou inicialmente acusações, mas acabou obrigado a renunciar após confirmação de que não apenas conversou com o embaixador russo em Washington antes das eleições e durante a transição, como mentiu sobre isso ao vice-presidente Mike Pence.

O caso de Sessions é ainda mais grave, porque ele estava sob juramento. “Não tive comunicação com os russos e sou incapaz de comentar sobre isso”, afirmou em resposta ao senador Al Franken sobre qual seria sua reação se surgissem evidências de contato de integrantes da campanha de Trump com o governo russo. Quando outro senador, Patrick Leahy, perguntou a Sessions especificamente se ele teve contato com “qualquer pessoa ligada a qualquer parte do governo russo sobre a eleição de 2016, antes ou depois do dia da eleição”, ele respondeu apenas “não”.

Deputados democratas e republicanos convocaram Sessions a se explicar, o que ele não fez. Com uma crise atrás da outra e uma baixa importante nos primeiros dias de governo sob as mesmas acusações, como foi a de Flynn, é provável que os republicanos no domínio do Congresso resistam a mais uma demissão ou a uma investigação à revelia, como pedem os democratas. Mas pelo ritmo das denúncias e considerando-se a recusa de Sessions de submeter o governo a qualquer investigação, é certo que os escândalos não vão parar por aqui. Cada vez que acontecem, agravam o caos na Casa Branca, dividem mais os americanos e, com um Congresso partidário no papel de salva-vidas do governo, ajudam a minar a credibilidade das instituições democráticas americanas. Era tudo o que a KGB, encarnada em Putin, queria.

O drama do Uber

Pedro Doria

  Série de controvérsias na qual a empresa se meteu neste ano evidencia a relação entre tecnologia e precarização do trabalho 

 Quando o vídeo de um bate-boca entre o CEO do Uber, Travis Kalanick, e um motorista que usa o sistema de sua empresa veio à tona, durante o carnaval, o tempo fechou. O Vale do Silício está habituado com arrogância de muitos tipos, mas Kalanick é diferente. Por anos, ele pareceu não ligar para controvérsias. Mas, na quarta-feira, tornou público um pedido de desculpas humilhante. “Pela primeira vez admito que preciso de ajuda para me aprimorar como líder e vou atrás”, escreveu em um post público. “Preciso me tornar adulto.”

Na semana passada, um motorista do serviço premium Uber Black, ao final da corrida, se apresentou e reclamou das constantes mudanças na política de preços. Contraiu uma dívida alta para comprar seu carro, explicou ao executivo, e o dinheiro que ele consegue fazer por corrida só cai. Sua queixa é comum. A empresa exige carros novos, caros, sempre apresentáveis, mas oferece pouco em troca. O CEO foi grosseiro em resposta. “Algumas pessoas não se responsabilizam pelos próprios problemas”, disse em fúria.
Não é a única controvérsia na qual a empresa se meteu neste ainda curto 2017.
Em janeiro, taxistas que atendem o aeroporto internacional de Nova York fizeram greve em protesto contra as mudanças na política migratória de Donald Trump. Lá, boa parte dos motoristas dos amarelinhos vêm da Ásia Central e Oriente Médio. Enxergando uma oportunidade, a Uber pôs no ar uma promoção. Para quê. Numa cidade antirrepublicana até o talo, o resultado foi o nascimento duma campanha #deleteuber e, só naquele mês, 200 mil contas foram apagadas no serviço. É pouco para fazer um estrago financeiro, mas suficiente para atingir a imagem.

Na sequência, uma engenheira que deixou a companhia escreveu sobre a experiência de ser mulher lá dentro. Uma vida de assédio sexual e moral constante na qual queixas aos Recursos Humanos não dão em nada. A primeira resposta oficial da empresa fez parecer que os executivos se sentiram magoados com as declarações. Só que, aí, tanto investidores quanto membros do conselho tornaram públicas suas reservas.

É controvérsia demais para um ano que só começou. Nos EUA, concorrentes como o Lyft estão crescendo rápido. Em São Paulo, os espanhóis da Cabify estão indo atrás de mercado com agressividade. Já entraram também no Rio e Porto Alegre. E uma das estratégias que cresce contra o Uber é, justamente, tentar seduzir os motoristas insatisfeitos.

Há, de fato, uma cultura que valoriza o crescimento acima de tudo no Vale do Silício. E, por conta de profissões ligadas às exatas terem tido pouca capacidade de atrair mulheres, a cultura é predominantemente masculina na indústria. Mas, junte-se tudo, por trás do início de ano desastroso do Uber há uma questão maior: a relação entre tecnologia e precarização do trabalho.
 
O Uber é um serviço melhor do que o táxi por menos dinheiro. Isso quer dizer, também, que os motoristas fazem menos. Para um liberal extremo, jogo jogado, o mercado agiu e criou eficiência. Certo. Robôs seguem substituindo operários, e esta é mesmo a marcha da história. Tecnologia sempre arrumou um jeito de aumentar a produção diminuindo seus custos. Com os avanços tanto em robótica quanto em inteligência artificial, o setor de serviços será ainda mais atingido. De garçons a contadores, passando por assistentes executivas, recepcionistas, agentes de viagem e mesmo motoristas, o número de profissões que caminha para a extinção não é pequeno.

O drama do Uber, no fim das contas, é este. O drama do trabalho no século XXI. A longo prazo, tudo se resolve. Mas nas próximas duas décadas vai ter muita gente sofrendo.

March 3, 2017

O fim da fábula do Carnaval


Flávia Oliveira

 Na fábula, o casal, tomado pelo pecado da avareza, ganha de um duende a galinha que põe ovos de ouro. Um por dia. Como levaria semanas, meses, anos para que a fortuna desejada se materializasse, surge o plano: abrir a galinha e, de uma só vez, extrair dela toda a riqueza. Foi assim que a cobiça deu fim à prudência. A metáfora cabe como luva no enredo de 2017 que empurrou para o córner o carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro.

Às vésperas do desfecho trágico — e ainda a tempo de evitá-lo — cabe o alerta: não matem a galinha dos ovos de ouro. Nestas linhas escritas horas antes da apuração das notas do Grupo Especial vai o lamento pelo que o carnaval 2017 poderia ter sido, mas não será, seja quem for a campeã, a vice, as quatro outras agremiações que voltarão ao Sambódromo no sábado, a rebaixada (se houver). Perdemos todos. A folia deste ano será lembrada mais por falhas e ausência do que pela genialidade de sambistas e artistas. O território sagrado da mais importante festa brasileira foi profanado. É preciso sacralizá-lo de volta.


Em quatro dias, descortinaram-se mazelas de anos e anos de descuido, desrespeito e arrogância na gestão de um espetáculo de imenso retorno econômico-financeiro e inestimável — e, portanto, mais importante — valor histórico, artístico e cultural. Foi um show de falta de liderança, preparo técnico, empatia e humanidade. Componentes e públicos foram desrespeitados; artistas, humilhados.


Começou com o acidente bizarro com o carro da Paraíso do Tuiuti, que feriu 20 pessoas ao imprensá-las contra as grades na entrada da passarela. Continuou com o derramamento de óleo na pista por uma das alegorias da Vila Isabel. Prosseguiu com carro cambaleante da União da Ilha, que chegou a tocar no estúdio de TV na Praça da Apoteose; e com a plataforma que desabou com uma passista da Mocidade Independente de Padre Miguel. Culminou com o desabamento do terceiro andar da alegoria da Unidos da Tijuca, que deixou 12 vítimas.


Explica muito sobre a gestão do carnaval que o único episódio a provocar a interrupção da festa — por quase uma hora — tenha sido o vazamento de óleo. A presidente do Salgueiro, Regina Celi, se recusou a iniciar o desfile sem a limpeza completa da pista. O espetáculo parou pelos danos que o piso escorregadio poderia provocar aos integrantes da comissão de frente e aos casais de mestre-sala e porta-bandeira. Mas seguiu com 32 feridos sendo socorridos. Além de protocolo de gestão de crise, faltou coerência.


A série de acidentes na Sapucaí escancarou na passarela o descaso com a segurança, velho conhecido nos barracões. Na Cidade do Samba, o trabalho precário grassa, seja pelo manejo inadequado de equipamentos e materiais, seja pelo modelo informal de contratação. Nos últimos dias, ficou claro que as alegorias que carregam dezenas de pessoas e encantam milhares também são inseguras. “Nada se sabe sobre estrutura dos carros, capacitação de condutores, plano de gestão de crise. A improvisação passou do limite”, alerta Moacyr Duarte, especialista em gerenciamento de risco. A temporada de crise econômica, tudo indica, agravou a negligência.


Foi assim que a Unidos da Tijuca, acidente ocorrido, seguiu desfilando e expôs ao ridículo autoridades, público e artistas. Impôs a intérprete e bateria a execução do samba-enredo e transformou em lamentável ironia o bordão “Que show!” do cantor Tinga. Fez mestre Casagrande cruzar cabisbaixo a avenida. Levou integrantes da comissão de frente à exaustão pela exibição seguida da coreografia numa escola que, por 40 minutos, praticamente não se moveu. Obrigou o premiado casal Rute e Julinho a dançar no improviso, oferecendo o pavilhão aos cumprimentos de passantes, numa cena tão inédita quanto melancólica na pista de desfiles.


Em nota, a Liesa manifestou “preocupação com os episódios ocorridos nos desfiles de domingo e segunda”, como se não fosse a entidade responsável pela organização e pela normatização da festa. Afirmou que, em 33 anos de Sambódromo, houve poucas ocorrências do tipo, como se o tamanho e a sofisticação da festa em 2017 fosse o mesmo de 1984. Marcelo Crivella, prefeito do Rio, ausente estava e assim permaneceu, como se não fosse atribuição dele zelar pelo evento mais importante e mais rentável da cidade.


O que aconteceu na Marquês de Sapucaí no carnaval 2017 não foi fatalidade, obra do divino, castigo do orum. Foi a sobreposição de anos de gestão temerária, descaso, imperícia e burrice. A importância histórica e cultural dessa festa deveria ser suficiente para convencer os senhores das escolas de samba e as autoridades locais a preservá-la. Se o intangível não os comove, que se sensibilizem pela força da grana. Desrespeitar o carnaval diante de público, patrocinadores e artistas desvaloriza e empobrece a festa, além de reduzir a rentabilidade. É o mesmo que matar a galinha dos ovos de ouro. É o fim da fábula.


O GLOBO, 2 de março de 2017 

March 2, 2017

Bannon: coisa boa não é


A ‘América em primeiro lugar’ populista e nacionalista silenciou as demais correntes

 Dorrit Harazim 

Stephen Bannon é vulcânico, além de parrudo e espaçoso em todos os sentidos. Infiltrado com assento cativo no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, ele também participa das decisões-chave nas áreas jurídica e econômica, elabora o roteiro cru dos discursos do chefe e deixa impressões digitais explícitas na avalanche de decretos assinados por Donald Trump.

Bannon não arreda pé do ouvido do presidente. É mais do que seu estrategista-chefe. Apelidado de “Enciclopédia” por admiradores e retratado como “O Grande Manipulador” numa sombria capa da revista “Time”, ele é o comissário de um movimento nacional que Trump acredita encarnar e pretende exportar para o mundo. Formulador teórico desse movimento, ele também é o visionário decidido a manter pura a doutrina. “Estamos presenciando o nascimento de uma nova ordem mundial”, escreveu recentemente.

Bennon leva a sério uma teoria cíclica de crises proposta nos anos 90 pelos americanos Neil Howe e William Strauss, mais conhecidos por terem criado o termo “geração Y”, ou millenials. Segundo o conceito desenvolvido pela dupla, a história dos Estados Unidos segue um inexorável padrão de ciclos, divididos em saeculae. Cada saeculum brota de uma profunda crise nacional, passa por quatro estágios e dura quatro gerações, ou seja, perto de um século. A primeira geração procura manter as instituições estáveis. A segunda começa a priorizar a liberdade individual sobre a ordem social. A terceira não se reconhece mais nem na sociedade nem nas instituições, tomadas de assalto por uma elite do poder.

Por fim, na “quarta virada” — ou “The Fourth Turning”, título da obra de Howe e Strauss — ocorre a mudança histórica que abre o caminho a um novo saeculum: a sociedade afunda no caos, as instituições entram em colapso total, e da velha ordem surge a renovação civilizatória do país. A Guerra de Independência, a Guerra Civil, a Grande Depressão seguida da Segunda Guerra Mundial seriam exemplos desses cataclismos cíclicos que abriram caminho para uma purificação da sociedade americana.

Essa teoria de ciclos apocalípticos, tratada com indiferença ou como ficção por historiadores em geral, nunca causou dano a ninguém, exceto ao pedigree dos próprios autores.

Problema há quando Stephen Bannon, o conselheiro mais influente e onipresente da presidência Trump, opera na Casa Branca como se os Estados Unidos estivessem diante da encruzilhada histórica de uma nova “quarta virada”.

Segundo o postulado teórico, um líder inesperado assumiria o poder nesta fase e instalaria um regime para comandar a travessia da convulsão. Um parágrafo do cenário hipotético pinçado pelo “Huffington Post” merece atenção:

“Os vitoriosos terão então o poder para perseguir a agenda mais vigorosa com a qual sonhavam há tempos e contra a qual os adversários haviam lançado alertas sombrios. Esse novo regime vai se entrincheirar pelo tempo que durar a crise. Independente de sua ideologia, a nova liderança vai impor autoridade pública e exigir sacrifícios privados. Enquanto lideres anteriores tendiam a ceder a pressões sociais, ela deverá acirrá-las”.

Esta semana, Stephen Bannon saiu da toca pela primeira vez desde que se entrincheirou com Trump na Casa Branca, onde tem acesso livre ao Salão Oval e é o único a poder circular de jaqueta e calça amarfanhada, fora do figurino de rigor exigido pelo presidente. Subiu ao palco num dos quatro dias de sessão da Conferencia de Ação Política Conservadora (CPAC), realizada anualmente para debater os rumos do movimento conservador no país. O evento reúne militantes que vão da extrema direita a grupúsculos moderados como os Reagan Republicans.

Na edição de 2011, o palestrante e então apenas bilionário Trump não foi levado a sério. Recebeu vaias inesquecíveis. Dois dias atrás, ao apresentar-se no mesmo foro do Gaylord National Resort & Convention Center, o hoje presidente constatou ter domesticado a fórceps o eclético movimento conservador. A “América em primeiro lugar” populista e nacionalista silenciou as demais correntes.
Para o eleitor, quem encarna essa América que se redescobre é Trump, sozinho. Mas quem lhe deu embasamento, formulou a linha de ataque e dela continua sendo o inflexível guardião é Bannon.

Na “quarta virada”, as prioridades do ideário trumpiano se dividem em três linhas de frente: “segurança nacional e soberania”, “nacionalismo econômico”, “desconstrução do Estado administrativo”. Sem trégua para o inimigo interno que precisa ser desmoralizado — a grande mídia. E sem baixar a guarda ao cenário de guerras múltiplas que, segundo o estrategista, ocorrerão nas próximas décadas.

Coincidência ou não, entre os vários painéis da Convenção, dois deles tinham por titulo “Quando começou a Terceira Guerra Mundial?”. Um tratou das ameaças internas, outro dos perigos que rondam mundo afora. Segundo Bannon alertou em palestra três anos atrás, “o Ocidente judaico-cristão está em colapso, implodindo sob nossos olhos”. Ele previa um confronto apocalíptico com o mundo islâmico no qual será preciso “lutar por nossas crenças contra esta nova barbárie [o extremismo radical], “que vai erradicar por completo nossa herança dos últimos 2.000, 2.500 anos”. Ele também prenuncia uma guerra no Mar do Sul da China para os próximos anos.

Bannon já foi definido como uma espécie de Michael Moore de extrema-direita. Nascido em família de classe média democrata e católica, viu o pai trabalhador afundar na crise financeira de 2008 enquanto Wall Street ficou de pé. Serviu na Marinha, formou-se em segurança nacional, tirou MBA em Harvard, e ganhou bastante dinheiro no setor de entretenimento antes de mergulhar na cruzada que deu voz, vida e voto à America de Donald Trump.

“Estamos em guerra”, era seu princípio geral à época em que comandava o site de extrema-direita Breitbach. “Estamos em guerra” parece ser sua convicção também na Casa Branca. Pode não ser a Quarta Virada, mas coisa boa não é. O primeiro inimigo a abater já foi escolhido: a grande imprensa independente.

March 1, 2017

Fluminense FM, uma lacuna inteligente e engraçada


por


Este ano, a Maldita ganha uma inédita homenagem nas TVs por assinatura e dois longas-metragens. A partir desta madrugada, a rede de áudio Sound, do Sistema Globo de Rádio, veicula o canal A Onda Maldita, com mais de mil músicas que selecionei das fases 1982-1985 e 1990 da rádio, fases em que estive na direção da emissora. O canal Onda Maldita estará, por 15 dias, na Net (canal 300), Sky (canal 474), Claro (canal 338) e Oi (canal 926).

A produtora Luz Mágica, de Cacá Diegues e Renata de Almeida Magalhães, roda este ano o filme “A onda maldita”, uma ficção inspirada em meu livro biográfico sobre a rádio, com roteiro de L.G. Bayão e direção de Tomás Portela. Mais: a cineasta Tetê Mattos lança o documentário “Maldita”, longa que está em fase de finalização.

Nenhuma outra FM foi cultuada por tanto tempo e tanta gente de tantas gerações. O tiro na asa fulminante da Fluminense foi a fala, o texto, o contexto, um quase radioteatro de vanguarda. Lançou a locução feminina em todos os horários, não usava gírias e palavrões (acabar com o estigma de juventude tola), mantinha locução sóbria, sem gritaria. Tudo que era dito no ar tinha texto, produção. Com muito humor.

Em 1982, a abertura política já parecia uma realidade e uma das provas foi a existência da Maldita. Se fosse no auge do AI-5, ela não poderia pôr no ar até notícias censuradas, com o apoio do dono da rádio, o saudoso liberal Dr. Alberto Torres.

Hoje seria mais complicado por causa de uma outra e não menos nefasta ditadura, a do politicamente correto. No dia em que “decretaram” a censura a algumas marchinhas de carnaval, a rádio chamaria uma banda, gravaria versões roqueiras das marchinhas vetadas e tocaria várias vezes por dia, com direito a falas indignadas de João Roberto Kelly. Mais: faria uma maratona de shows do tipo “Viva a Cabeleira do Zezé” com seu concubino, o Circo Voador.

Nestes tempos cinzentos, chatos e caretas como calça de tergal, impossível manter no ar o personagem Jarbas Falópio e seu programa “Palavras voam ao crepúsculo”. Reacionário, moralista, precursor do politicamente correto, em sua pregação diária Falópio disparava coisas do gênero: “Cuidado, Paula Toller, Toller, Toller (eco). Roqueiro é tudo bêbado e drogado ado, ado, ado (eco). Largue essa laia, Paula, la, la, la (eco). Um dia desses, contemplando em prantos a foto de Hitler, papai, mamãe e vovó na mesinha de cabeceira, me veio a luz. Mick Jagger finge que é viado só pra comer todo mundo, inclusive você Paula Toller, Toller, Toller (eco).”

E as músicas? O politicamente correto deixaria a Maldita tocar “Rock das Aranhas” de Raul Seixas, numa boa? (“Eu vi duas mulher/ Botando aranha prá brigar.../ Duas aranha /Vem cá mulher deixa de manha/ Minha cobra/ Quer comer sua aranha....”) A polícia deixou, mas o politicamente correto é menos liberal.

Mesmo fora do ar, a Fluminense FM continua sendo transmitida de boca em boca, já que até hoje a sua lacuna audaciosa, inteligente e engraçada não foi preenchida. Isso é que não dá para entender.

*Luiz Antonio Mello é jornalista e fundador da Rádio Fluminense FM