July 20, 2024

Iran: promesas de mudanças

 

 

 
 A vitória do reformista Pezeshkian na eleição presidencial do Irã alimenta a esperança da retomada de diálogo com o Ocidente

Por Patrick Wintour
 O reformista Masoud ­Pezeshkian conseguiu uma vitória notável no segundo turno da eleição presidencial iraniana, o que reflete a profunda insatisfação popular com a condução do país nos últimos anos e abre possíveis caminhos de cooperação com o Ocidente. Pezeshkian recebeu 16,3 milhões de votos e derrotou o ultraconservador Saeed Jalili, com 13,5 milhões votos. O comparecimento final foi de 49,8%, alta significativa diante do baixo comparecimento recorde de 39% registrado no primeiro turno.
Pezeshkian tem sido um defensor de permitir que as mulheres escolham se querem usar o lenço de cabeça e de acabar com as restrições na internet, a forçar o uso de conexões VPN para escapar da censura do governo. “O caminho difícil à frente não será tranquilo, a não ser com sua companhia, empatia e confiança”, discursou ao povo, após a vitória nas urnas.
Sob o slogan “Pelo Irã”, Pezeshkian
prometeu ser uma voz dos sem-voz, di-
zendo que os protestos não devem sofrer
repressão policial. Embora alguns o con-
siderem ingênuo na alta política, grande
parte de sua campanha foi deliberada-
mente emoldurada por sua integridade
pessoal, bem como sua ausência de car-
gos ministeriais na última década. Seus
apoiadores fizeram pedidos imediatos de
libertação de prisioneiros políticos, um
símbolo das demandas reprimidas que
ele poderá ter dificuldade para atender.
Pezeshkian enfrenta um campo mina-
do ao tentar promover reformas. Embora
tenha declarado sua lealdade ao líder su-
premo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, tam-
bém disse que renunciará se sentir que es-
tá sendo impedido e, então, pedirá à po-
pulação que se retire do processo político.
 
Os exatos poderes do presidente no
campo da política externa são tema de
discussão, mas Pezeshkian argumentou
em debates televisivos que não consegui-
ria promover mudanças, incluindo a redu-
ção da inflação de 40%, a menos que conseguisse o cancelamento de algumas sanções, o que exigiria uma abordagem menos
conflituosa nas relações internacionais.
 
Na campanha, ele disse que o Irãviu-se
em uma “gaiola econômica” em consequ-
ência de sua política externa, e precisava
ser mais cooperativo. Seu companheiro
de chapa foi o ex-ministro das Relações
Exteriores Javad Zarif, que em 2015 nego-
ciou o acordo nuclear que levou à suspen-
são das sanções, antes que Donald Trump
retirasse os EUA do plano, em 2018.
O adversário Jalili, ex-negociador nu-
clear próximo de Khamenei, havia afir-
mado que o Irã poderia prosperar crian-
do laços econômicos mais fortes sem o
Ocidente. Longe de ser uma gaiola, o Irã
era um santuário, disse ele.
 
A vitória de Pezeshkian é ainda mais
notável porque nenhum reformista teve
permissão para concorrer na última elei-
ção presidencial, em 2021, e pensava-se
que a maré alta do reformismo irania-
no já tivesse passado, com muitos elei-
tores convencidos de que não havia sen-
tido em ir às urnas. A repressão aos pro-
testos das mulheres em 2022 só aumen-
tou a sensação de impotência. Muitos an-
tigos reformistas do movimento verde,
bem como prisioneiros políticos no com-
plexo de Evin, haviam pedido um boico-
te. Mas Pezeshkian liderou no primeiro
turno e ganhou confiança de que poderia
vencer se mais eleitores participassem da
votação no segundo turno.
 
Também ficou claro que os apoiadores
de Mohammad Bagher Ghalibaf, conser-
vador mais centrista, não iriam transfe-
rir seus votos para Jalili, com quem ti-
nham fortes diferenças ideológicas.Zarif
pediu aos abstencionistas que votassem
na etapa decisiva. “Devemos provar que o
povo é o povo, não aqueles que se conside-
ram guardiões do povo”, acrescentou ou-
tro importante apoiador de Pezeshkian,
o ex-ministro das Comunicaçõ
Mohammad-Javad Azari Jahromi.
 
Cerca de 5 mil eleitores comparece-
ram ao seu último comício eleitoral num
estádio de futebol em Teerã, sugerindo
que a campanha talvez não tivesse des-
pertado o apoio de que precisava entre
os abstencionistas. Após uma campanha
tranquila na capital, seus apoiadores saí-
ram às ruas para comemorar em júbilo
uma vitória que poucos previam.
 
Nas eleições parlamentares do início
deste ano, marcadas pela baixa partici-
pação, os conservadores derrotaram os
reformistas. A autoridade de Ghalibaf
como presidente do Parlamento tam-
bém foi enfraquecida por sua derrota na
eleição presidencial. A composição polí-
tica do Parlamento será um dos muitos
obstáculos do novo presidente, já que o
órgão tem o poder de destituir ministros.
O primeiro turno da votação, em 28
de junho, teve o menor comparecimen-
to na história da República Islâmica, de
de a revolução de 1979. Autoridades ira-
nianas há muito apontam o baixo com-
parecimento como um símbolo da legi-
timidade da teocracia xiita do país, e não
de oposição ao regime.
 
A eleição presidencial foi antecipada
pela morte de Ebrahim Raisi, num aci-
dente de helicóptero em maio. Raisi era
visto como um potencial sucessor do lí-
der supremo de 85 anos, e o infortúnio
desorganizou a sucessão. A decisão é to-
mada por um corpo de 88 pessoas, a as-
sembleia de especialistas.
 
O Ocidente agora terá de decidir se
ajudará Pezeshkian ou manterá as san-
ções econômicas, devido à contínua es-
calada do programa nuclear do Irã e seu
apoio ao Hezbollah no Líbano e aos re-
beldes houthis do Iêmen.
 
O Irã está enriquecendo urânio em ní-
veis próximos ao ideal para armamen-
to e mantém um estoque suficiente pa
ra construir armas nucleares, mas ain-
da não possui ogivas ou tecnologia de
mísseis. Também está fornecendo dro-
nes à Rússia para uso na Ucrânia. O se-
gundo conselheiro de política externa
de Pezeshkian, ao lado de Zarif, é Mehdi
Sanei, que foi embaixador em Moscou.
 
O Departamento de Estado de
Washington disse que a eleição não levaria
a mudança alguma na abordagem norte-
-americana em relação ao Irã. “As eleições
no Irã não foram livres e justas. Como re-
sultado, um número significativo de ira-
nianos simplesmente decidiu não partici-
par.” A declaração do órgão acrescentou:
“Não temos expectativa de que essas elei-
ções levem a uma mudança fundamental
no caminho do Irã ou a um maior respei-
to aos direitos humanos dos cidadãos. Co-
mo os próprios candidatos disseram, a po-
lítica do Irã é determinada pelo líder    
CARTA CAPITAL

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