July 23, 2023

Ministério passa por descupinização - As dificuldades do governo Lula para restaurar as políticas ambientais

 

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BERNARDO ESTEVES 


HAVIA  um clima de déjà vu no
ar quando o biólogo João
Paulo Capobianco entrou
no bloco B da Esplanada dos
Ministérios, no início deste
ano, para assumir o posto de secretário
executivo do Ministério do Meio Am-
biente e Mudança do Clima (mma).
Vinte anos atrás, no primeiro mandato
de Lula, ele também fazia parte da
equipe que a ministra Marina Silva
escalou para tocar seu projeto de polí-
tica ambiental. Em 2003, Capobianco
tomou posse primeiro como secretário
de Biodiversidade e Florestas, e mais
tarde assumiu a secretaria executiva, o
segundo cargo mais importante do mi-
nistério. O biólogo foi um dos idealiza-
dores do plano que reduziu em 82% o
desmatamento na Amazônia em oito
anos (2004-12), e Marina fez questão
de tê-lo de novo ao seu lado. Capô,
como é conhecido, seria um aliado in-
dispensável no compromisso de elimi-
nar o desmatamento ilegal até 2030,
meta que o Brasil assumiu diante do
resto do mundo quando assinou o
Acordo de Paris, em 2015.
O secretário executivo viveu de den-
tro duas transições de governo. Apesar
do roteiro parecido, teve experiências
muito diferentes nas duas ocasiões. Em
2003, foi recebido pessoalmente no Mi-
nistério do Meio Ambiente pelo secre-
tário de Biodiversidade do governo
Fernando Henrique Cardoso, que esta-
va de saída. Impressionou-se com a mesa
grande repleta de papéis que o anteces-
sor havia preparado para a transição.
“Ele tinha reunido todos os documen-
tos e processos da secretaria, organizados
por ordem alfabética”, contou à piauí,
em seu gabinete em Brasília. O secretá-
rio de saída apresentou o sucessor aos
funcionários da repartição e conversou
com ele por horas para mantê-lo a par
das principais pendências e projetos em
andamento. Entregou-lhe uma secreta-
ria funcionando a pleno vapor. “Os car-
gos todos estavam preenchidos. Todos
os diretores, coordenadores-gerais e
gerentes de projeto, bem como os con-
selhos vinculados à secretaria”, disse
Capobianco. “E na agenda já tinha uma
reunião marcada para dali a duas ou
três semanas.”
Agora, o contraste não poderia ser
maior. Capobianco encontrou as salas
vazias, algumas às escuras, com os ble-
cautes fechados. “Era um deserto com-
pleto. Só tinha as secretárias, que são
terceirizadas, e o chefe de gabinete.”
Ele também não viu qualquer resquício
de ação. “Não tinha nenhuma agenda
marcada, estava tudo desmobilizado.”
Alguns fatores ajudam a explicar o
vazio encontrado por Capobianco. O nú-
mero de servidores do Ministério do
Meio Ambiente vem diminuindo nos
últimos anos, por aposentadorias não
repostas, transferências e licenças du-
rante o governo Bolsonaro. E há ainda
aqueles que continuaram na repartição,
mas aderiram ao regime de trabalho
remoto instituído durante a pandemia
de Covid, diminuindo assim a circula-
ção de pessoas no prédio do ministério.
Já por trás do esvaziamento dos pro-
jetos e ações tocadas pelo ministério, os
motivos são outros. Capobianco disse
que, na reformulação da estrutura do
mma promovida por Ricardo Salles, pri-
meiro ministro do Meio Ambiente do
governo Bolsonaro, foram extintos car-
gos de operação e coordenação responsá-
veis pela execução das políticas. “Esses
funcionários são essenciais para o fun-
cionamento da máquina, eles são o co-
ração do ministério”, disse o biólogo.
“Mas os cargos desses caras foram troca-
dos por cargos altos de indicação política,
muitos dos quais não foram preenchi-
dos.” Com isso, o governo Bolsonaro ti-
rou das instâncias de decisão os servidores
de carreira do ministério, familiarizados
com as pautas e projetos do setor. No
lugar deles, colocou militares ou civis
com pouco ou nenhum conhecimento
da agenda ambiental.
O sociólogo Mauro Pires testemu-
nhou essa mutação no Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversi-
dade (icmBio), autarquia vinculada ao
mma que é responsável pela gestão das
unidades de conservação federais. “Mi-
nha chefe imediata, servidora de carrei-
ra, foi trocada por uma funcionária
terceirizada, que era recepcionista e se
tornou coordenadora da assessoria técni-
ca”, disse Pires à piauí. “Ficava uma con-
versa esquisita, em que as pessoas não
entendiam o que estavam decidindo.”
O caso de Pires é simbólico do trata-
mento que muitos servidores tarimba-
dos da área ambiental receberam do
governo Bolsonaro. Ele dirigia desde
2016 um departamento do mma. Em
janeiro de 2019, foi exonerado e voltou
ao icmBio, onde estava originalmente
lotado. Passou quatro anos escantea-
do, sem receber atribuições. “Eu ficava
procurando coisas para fazer”, contou.
Em 2020, começou a cursar o doutora-
do em desenvolvimento sustentável na
Universidade de Brasília, onde encon-
trou algum estímulo intelectual. Com
a volta de Marina Silva, foi chamado a
integrar o primeiro escalão do mma. No
começo de maio, foi nomeado presi-
dente do icmBio.
Na transição, a equipe do novo go-
verno determinou como prioridade a
criação de uma ou mais unidades de con-
servação pouco depois da posse de Lula.
Com o gesto, pretendia marcar o con-
traste com o governo Bolsonaro, que
não demarcou um único centímetro
quadrado de áreas protegidas em qua-
tro anos. A nova equipe foi atrás das
unidades de conservação cujos proces-
sos de demarcação estavam mais avan-
çados. Mas não conseguiu encontrar a
papelada, até constatar que todos os
processos de demarcação haviam sido
reunidos num único dossiê, conforme
contou Capobianco.
O secretário executivo não sabe dizer
qual a motivação desse gesto. A piauí
perguntou se ele o atribuía à má-fé ou a
um desejo de sabotagem por parte do
governo Bolsonaro. “Na realidade, é
uma displicência com o sistema da ges-
tão pública”, disse. Para Capobianco,
esse foi mais um indício de que o gover-
no Bolsonaro queria simplesmente que
o mma não funcionasse. “Eles desmon-
taram o ministério por dentro, não no-
meando diretores, diminuindo os cargos
operativos e bagunçando os processos.” 

Esvaziar o Ministério do Meio Am-
biente e suas políticas parece ter sido
a alternativa de Jair Bolsonaro para
neutralizar a pasta, já que não conseguiu
extingui-la. Seu plano era transformar o
mma numa secretaria vinculada ao Mi-
nistério da Agricultura, como chegou a
anunciar antes de tomar posse – mas aca-
bou recuando, em parte por pressão dos
próprios ruralistas que apoiaram sua can-
didatura. Os representantes do agronegó-
cio entenderam que a medida poderia
motivar sanções comerciais internacio-
nais que comprometeriam seus lucros
com a exportação de commodities.
Em março de 2022, durante o jul-
gamento de sete ações que buscavam
reverter os retrocessos ambientais promo-
vidos sob Bolsonaro, a ministra Cármen
Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (stf),
recorreu a uma imagem poderosa para
definir como Bolsonaro, Ricardo Salles
e equipe destruíram o ministério por den-
tro, deixando de pé apenas a sua carca-
ça. “Uma figura que a meu ver parece
fácil de entender é a ‘cupinização institu-
cional’, para chegar à quebra das estru-
turas para garantir os direitos humanos,
aí incluídos os direitos ao meio ambien-
te ecologicamente equilibrado”, disse
a ministra.
A metáfora dos cupins já circulava
em Brasília desde o começo do manda-
to de Bolsonaro. A primeira vez que a
ouvi, três anos antes do parecer de Cár-
men Lúcia, foi da boca da bióloga Ana
Paula Prates, funcionária de carreira do
mma. Sua fala foi registrada na reporta-
gem O meio ambiente como estorvo,
publicada na piauí_153 (junho de 2019).
Mas, no texto da revista, não escrevi o
seu nome: assim como a maioria dos
servidores ouvidos para aquela reporta-
gem, Prates preferiu não ser identifica-
da, por receio de sofrer sanções de seus
superiores, já que Salles havia proibido
os funcionários – todos os funcionários
– de falar com a imprensa.
O caso de Prates é outro exemplo de
subaproveitamento de mão de obra qua-
lificada no governo passado. “Fiquei en-
costada no rh por três meses sem fazer
absolutamente nada”, disse ela à piauí.
Como não queria trabalhar para o go-
verno Bolsonaro, a bióloga pediu uma
licença sem vencimentos. O ministério
demorou quase um ano para responder à
solicitação, uma situação que Prates defi-
ne como humilhante. O silêncio foi uma
estratégia recorrente da pasta para não
atender a outros pedidos de afastamento.
A bióloga chegou a acionar o mma na
Justiça em busca de uma resposta. Sal-
les só assinou a liberação da funcionária
em junho de 2021, na véspera de sua
própria exoneração, em meio a um es-
cândalo em que foi acusado de envolvi-
mento com um esquema de exportação
de madeira ilegal da Amazônia.
Prates passou o resto do mandato de
Bolsonaro trabalhando para organiza-
ções ambientalistas do terceiro setor.
Reintegrou-se ao mma no começo deste
ano, quando foi nomeada para dirigir
um departamento recém-criado dedica-
do ao oceano e à gestão costeira, suas
especialidades. “É uma felicidade ab-
surda estar de volta”, disse ela. No mma
desde 1995, Prates já trabalhou para mi-
nistros de cinco presidentes diferentes.
“Por pior que fosse o governo ou o mi-
nistro, estávamos sempre trabalhando
na construção de uma política ambien-
tal.” Isso até a chegada de Bolsonaro.

De uma hora para outra, vimos a des-
construção e foi muito ruim.”

 
O combate ao desmatamento na
Amazônia, carro-chefe da políti-
ca ambiental brasileira até então,
deixou de ser uma prioridade no gover-
no Bolsonaro. Ricardo Salles extinguiu
o departamento do mma dedicado ao
tema e revogou o plano de controle que
estava em vigor desde 2004. Nada foi
colocado no lugar. O governo também
paralisou o Fundo Amazônia – com 3 bi-
lhões de reais para financiar projetos de
combate ao desmatamento – e cortou o
orçamento dos órgãos ambientais. No
ano passado, os gastos federais com a área
ambiental foram os mais baixos dos úl-
timos 23 anos.
O resultado foi inequívoco: explosão do
crime ambiental na Amazônia. Quando
Bolsonaro assumiu a Presidência, a taxa
anual de desmatamento na região era de
7,5 mil km2 – um número em tendência
de alta, distante dos 4,6 mil km2 desma-
tados em 2012, a menor taxa já obtida.
Na saída, Bolsonaro entregou um desma-
tamento quase 60% maior, de 11,6 mil km2
– o maior percentual de aumento já regis-
trado durante um mandato presidencial.
Em seu governo, o número de multas por
desmatamento na Amazônia caiu 38%, a
área de garimpo ilegal em terras indíge-
nas duplicou e as invasões de terras indí-
genas triplicaram, como mostrou um
balanço elaborado pelo Observatório do
Clima, uma rede que reúne dezenas de
ongs ambientalistas.
O governo Bolsonaro tinha um méto-
do para afrouxar as proteções ao meio
ambiente – ou “passar a boiada”, confor-
me a infame descrição de Ricardo Salles
na reunião ministerial de abril de 2020.
Onde fosse possível, as normas ambien-
tais deveriam ser flexibilizadas com de-
cretos, portarias e outros atos que não
dependem do Congresso. Para se blin-
dar, o governo embasaria as medidas
com um parecer de um órgão técnico.
“Parecer, caneta; parecer, caneta”, expli-
cou Salles, com didatismo. “Sem pare-
cer também não tem caneta, porque dar
uma canetada sem parecer é cana.”
Esse era o roteiro para a fusão das
duas autarquias vinculadas ao mma – o
icmBio e o Ibama, encarregado de fisca-
lizar o cumprimento das leis ambien-
tais. O projeto de fusão era um antigo
desejo de Salles que fazia gelar o sangue
dos ambientalistas, porque enfraquece-
ria a gestão das unidades de conserva-
ção. O então ministro criou um grupo
de trabalho para avaliar a fusão, com-
posto por seis oficiais da Polícia Militar
de São Paulo e um civil – o então presi-
dente do Ibama, Eduardo Bim, um ad-
vogado especialista em licenciamento
ambiental. O grupo de trabalho não
concluiu seu relatório a tempo, mesmo
após uma extensão do prazo, e Salles
acabou caindo antes que o trabalho fi-
casse pronto. O Ministério Público Fe-
deral colocou mais água na fervura ao
entrar com uma ação civil pública na
Justiça Federal para obrigar o mma a in-
cluir a sociedade civil na discussão e
consultar as populações afetadas antes
de decidir sobre a fusão. Quando o rela-
tório finalmente ficou pronto, em agos-
to de 2021, acabou recomendando o
fortalecimento das autarquias.
A fusão do Ibama com o icmBio
foi uma das boiadas que não passaram
graças à trincheira de resistência si-
lenciosamente montada por servidores
comprometidos com a causa ambiental.
Eles contribuíram para os adiamentos
de prazo, impedindo assim que Salles
tivesse um parecer para justificar a ca-
netada. A resiliência das políticas públi-
cas ambientais aos ataques dos últimos
quatro anos deve muito a eles. “Se não
fosse pelos funcionários de carreira, se-
ria um desastre”, disse Capobianco.
Para os diretores do Ibama e do icm-
Bio, Salles também recorreu a oficiais
da pm de São Paulo e outras instituições
militares. O clima de trabalho ficou pe-
sado sob a tutela dos fardados. Criou-se
um clima tóxico de vigilância nas duas
autarquias. Houve quem parasse de
usar a rede wi-fi e deixasse de acessar o
WhatsApp pelos computadores da re-
partição, por receio de que estivessem
sendo monitorados. “A gente sabe o que
vocês falam nos grupos de zap”, ouviu
um servidor de um militar nomeado
para uma diretoria da área ambiental.
“Os militares de São Paulo que se reve-
zaram nas diretorias do Ibama tornaram
o ambiente extremamente desagradável,
e não só no convívio e na urbanidade”,
disse à piauí o fiscal José Olímpio Augus-
to Morelli. Ele contou que o clima no
Ibama sob o governo Bolsonaro era de
constante intervenção. “E era de fato uma
intervenção branca, em que as opiniões
não eram mais respeitadas ou sequer dis-
cutidas, e não havia qualquer troca de
ideias.” Morelli ficou conhecido como o
fiscal que autuou Jair Bolsonaro por pes-
ca ilegal na região de Angra dos Reis em
2012 – depois que Bolsonaro foi eleito
presidente, a multa foi anulada e o fun-
cionário, exonerado do cargo de confian-
ça que ocupava. Continuou nos quadros
do Ibama, afastado da fiscalização na li-
nha de frente. “Não me deixaram fazer
nada relevante.”
No icmBio, o ambiente também era
sufocante. O oficial da pm que ocupava
uma das diretorias do órgão mandou
sumirem com a mesa em torno da qual
os servidores tomavam café e conversa-
vam no meio da tarde. Os funcionários
foram proibidos de publicar artigos aca-
dêmicos sem a anuência prévia de seus
superiores. Uma portaria, editada no
fim de 2019, determinou um código de
vestimenta para a repartição, proibindo
o uso de jeans rasgados, decotes, micros-
saias, roupa de ginástica e outros itens.
Um cartaz ilustrado da norma – que
segue em vigor – está colado num qua-
dro de avisos na sede do órgão, em Bra-
sília, junto a um informe sobre a Covid.
As acusações de assédio por parte
de servidores da área ambiental au

aram 380% em relação ao governo
anterior, mostrou o relatório feito pelo
Observatório do Clima. Segundo o do-
cumento, 441 funcionários do mma,
Ibama e icmBio foram objeto de um
processo administrativo disciplinar.
Nos quatro anos anteriores, foram 270.
O clima de perseguição cobrou seu preço
sobre a saúde mental de alguns servido-
res, que desenvolveram quadros de de-
pressão, insônia ou pânico. “A situação
só não foi pior por causa da pandemia,
que nos obrigou a trabalhar a distância”,
disse o sociólogo Mauro Pires.
Tudo isso motivou pedidos de licença
ou aposentadoria que acentuaram o esva-
ziamento dos quadros da área ambiental.
Ainda de acordo com o relatório, dos 9 mil
postos de trabalho existentes no mma e
nos órgãos ambientais, 4,1 mil estavam
vagos no fim do governo Bolsonaro.
Se atravessar quatro anos resistindo
a um governo antiambiental em
Brasília foi puxado, a vida não era
mais fácil para quem estava combaten-
do o crime ambiental no campo. Em
inúmeras ocasiões, Bolsonaro criticou
os fiscais do Ibama e condenou a des-
truição dos equipamentos dos crimino-
sos. Criou uma instância de conciliação
para os infratores ambientais e facilitou
a prescrição das multas, tanto as atuais
quanto as do passado. “Como ninguém
era obrigado a pagar, isso desmoralizou
fizesse o meu trabalho, perderia a paz,
poderia responder a um processo disci-
plinar absurdo ou ser transferido para
longe da minha família. Esse assédio
velado gerou muito desgaste”, diz Lopes.
Na sua avaliação, a chegada de um
governo comprometido com o combate
ao desmatamento bastou para transfor-
mar completamente a atmosfera de tra-
balho e o ânimo de seus colegas. “Agora
o servidor vai para campo sabendo que,
se fizer seu trabalho, não vai ser perse-
guido”, disse o fiscal. “Ele sabe que,
mesmo diante de uma situação difícil e
complicada, seus superiores vão ajudá-
lo a resolver o problema, em vez de
criar outro. E sabe que, se der uma en-
trevista, não vai responder a um proces-
so por insubordinação no dia seguinte,
porque a ordem anterior era de não fa-
lar com a imprensa.”
Um sinal da inflexão do novo gover-
no em relação à pauta do crime am-
biental veio com a operação na Terra
Indígena Yanomami, em Roraima, que
teve início em fevereiro, com o objetivo
de expulsar dezenas de milhares de ga-
rimpeiros ilegais. O presidente Lula
esteve pessoalmente na terra indígena,
assim como Marina Silva e outros mi-
nistros, num gesto que sinalizou o com-
promisso do governo com a operação.
“A ida deles foi muito importante por-
que empoderou os servidores para fazer
seu trabalho sem medo”, diz Lopes.
a multa do Ibama”, disse Rodrigo Agos-
tinho, presidente do órgão.
O movimento vitaminou uma legião
de grileiros, madeireiros e garimpeiros
ilegais, que passaram a hostilizar os agen-
tes do Ibama e do icmBio. O engenheiro
ambiental Wallace Rocha Lopes, que
trabalha como fiscal do Ibama, lembra
que, numa operação na Amazônia, um
homem exaltado gritou: “Bolsonaro falou
para vocês não virem para cá!” A cena
parecia vir de uma realidade paralela.
“Eu estava uniformizado, ao lado de uma
viatura da polícia e de um helicóptero
do Ibama, e o cara achava que eu estava
a serviço de ongs, e não do Estado”,
contou Lopes. “O que a gente viveu foi
muito bizarro.”
No Ibama, a pressão vinha de fora e
de dentro. Num episódio que resume
bem a orientação do órgão durante o
governo Bolsonaro, dois servidores de
carreira foram exonerados de seus car-
gos de coordenação em abril de 2020,
depois que uma reportagem do Fan-
tástico mostrou uma equipe do Ibama
tocando fogo no equipamento usado no
garimpo ilegal em terras indígenas no Pa-
rá. “Foi claramente uma represália ao
trabalho que estava sendo feito e que era
para ser feito”, disse Lopes.
Com episódios como esse, os servido-
res, ameaçados pela direção do Ibama,
começaram a ter receio de cumprir suas
atribuições. “A sensação era que, se eu
O relato do fiscal encontra eco no
depoimento de vários outros colegas,
dos quais a piauí ouviu palavras como
“alívio”, “otimismo” e “esperança”, so-
bretudo diante da volta de Marina Silva
ao mma. Um servidor do Ibama se sur-
preendeu com a quantidade de colegas
que suspenderam as férias previstas
para janeiro. Em Brasília, gente que até
então estava em teletrabalho reapare-
ceu na repartição. “O ministério voltou
a ser barulhento. No governo anterior
ninguém conversava, era um silêncio
nos corredores”, disse Mauro Pires.
“A maioria absoluta das pessoas que
trabalha hoje no icmBio sonhava com
esse trabalho”, definiu Rogério Rocco,
um advogado especializado em direito
ambiental que trabalha na autarquia.
“Precisamos resgatar a motivação que se
perdeu em grande parte no governo pas-
sado.” Rocco enxerga a si mesmo e a seus
colegas como sobreviventes das tentativas
de destruir esse sonho. “Nós somos filhos
do concurso público e da estabilidade do
Estado”, disse. “Essa quadrilha passou
e seguimos a nossa trajetória, agora de
volta à política de proteção ao meio am-
biente, com menos resistência interna e
mais foco nos adversários externos e nas
oportunidades externas.”
Os funcionários de carreira voltaram
a participar das tomadas de decisões do
mma, das quais tinham sido alijados.
“Antes não me davam nem bom-dia

gora almoço com meu diretor”, contou
um fiscal do Ibama. “As pessoas até se
surpreendem quando são chamadas
para uma reunião”, disse Capobianco.
Na gestão passada, Salles cortou o canal
de diálogo que havia tempos estava bem
estabelecido entre o ministro e os funcio-
nários. “Salles se encontrava frequente-
mente com madeireiros e garimpeiros
no ministério – alguns até tiveram o
transporte pago pelo órgão –, mas não
se reunia com os servidores”, disse o bió-
logo Alexandre Bahia Gontijo, um dos
diretores da Ascema Nacional, uma as-
sociação que reúne funcionários fede-
rais da área ambiental.
No fim de janeiro, dirigentes da as-
sociação solicitaram uma audiência
com Marina Silva, prontamente aceita.
Queriam entregar à ministra um docu-
mento de 47 páginas com a recomenda-
ção de ações que julgavam prioritárias.
Um grupo de oito servidores foi recebi-
do no gabinete da ministra. Eles foram
desarmados logo de cara, quando Mari-
na cumprimentou cada um deles com
um abraço. “Foi emocionante, nem con-
segui falar mais nada”, afirmou Gontijo
à piauí. O biólogo frisou o contraste do
gesto com o tratamento que receberam
na gestão passada. “Estávamos muito
calejados de receber porrada do próprio
gestor do nosso órgão.”
Marina Silva confirmou o relato
do servidor quando recebeu a
piauí para uma entrevista no fim
de abril. “O requisito da participação
dos servidores, da comunidade científi-
ca e dos diferentes setores da sociedade
é um imperativo para mim”, disse ela.
Na sua visão, a crise durante o governo
Bolsonaro mostrou que, quando tudo
falha, sobram as políticas públicas bem
formuladas e implementadas. “Aquele
abraço é fruto de uma concepção de
que os servidores são aqueles que ficam
aqui quando os governos passam.”
A ministra contou que, ao tomar pos-
se em 2023, encontrou o ministério em
condições bem diferentes das de 2003,
quando sucedeu José Carlos Carvalho,
que participou da cerimônia de sua
posse e hoje é seu amigo. “Vinte anos
depois, encontramos uma terra comple-
tamente arrasada, com orçamentos avil-
tados e equipes desmontadas”, afirmou.
É verdade que, com a pec da Transição,
aprovada no fim de dezembro, o gover-
no conseguiu aumentar em 19% o ma-
gro orçamento previsto para o mma.
“Mas isso só colocou o orçamento do
ministério em patamares de 2018, de
antes do governo Bolsonaro.”
Apesar de imensas as adversidades,
Marina terá a seu favor fatores com os
quais não pôde contar em 2003 – a come-
çar pela transversalidade que o combate
ao desmatamento e à crise climática deve
assumir no terceiro mandato de Lula.
“Aquilo que eram diretrizes só do Minis-
tério do Meio Ambiente há vinte anos,
hoje passaram a ser de todo governo.” Si-
nal disso: dos principais decretos assina-
dos no primeiro dia do governo de Lula,
cinco eram do mma. O presidente revogou
uma medida que incentivava o garimpo
ilegal em terras indígenas, determinou a
retomada do plano de combate ao desma-
tamento na Amazônia, restabeleceu o
Fundo Amazônia e ordenou a reformula-
ção do Conselho Nacional do Meio Am-
biente, no qual a participação da sociedade
civil foi reduzida sob Bolsonaro

Marina celebrou ainda a abertura de
novos concursos para repor vagas no mi-
nistério e nas autarquias (até o fim de
maio, porém, só tinham sido anunciadas
98 novas vagas para o mma). Considerou
o conjunto das medidas “uma grande
conquista” para os primeiros quatro me-
ses de governo. “Mas sabemos que o ob-
jetivo não é só emergencial, é fazer uma
mudança estruturante”, ponderou.
A transversalidade da questão climáti-
ca e ambiental nas políticas do governo
é uma causa que Lula abraçou quando
se aliou a Marina na campanha presi-
dencial. A relação deles estava estre-
mecida desde 2014, quando ela disputou
a Presidência contra Dilma Rousseff e
foi alvo de ataques pesados da campa-
nha do pt.
Lula entendeu que o meio ambiente
equilibrado é condição para o combate
à fome e à injustiça social, e incluiu
essa ideia em seu discurso. Em abril, o
presidente foi ao Acampamento Terra
Livre, que reuniu cerca de 6 mil indíge-
nas no Plano Piloto, em Brasília, para
assinar os decretos demarcando as seis
primeiras terras indígenas de seu novo
mandato. Num discurso exaltado, Lula
defendeu a transversalidade também
para a causa indígena: “Todos os minis-
tros têm que saber que têm que atender
às reivindicações dos povos indígenas.”
Ao assumir, o presidente mostrou
coerência em seus discursos em relação
à meta de zerar o desmatamento ilegal,
na avaliação da ambientalista Adriana
Ramos, do Instituto Socioambiental. Ra-
mos se surpreendeu ao ver Lula, em seu
discurso de posse, e o vice-presidente
Geraldo Alckmin, ao assumir como mi-
nistro do Desenvolvimento da Indústria,
Comércio e Serviços, falarem em “bioe-
conomia” e “sociobiodiversidade”. “Eu
nunca tinha visto autoridades públicas
fazendo a distinção dessas coisas”, disse.
Mas, se o compromisso ambiental de
Lula é mais firme do que antes, a difi-
culdade também será maior, prevê a
ambientalista. Ramos lembrou que o
esforço interministerial de combate ao
desmatamento será liderado pelo minis-
tro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, um
petista muito criticado por movimentos
sociais por ter favorecido o agronegócio
e a indústria na concessão de licenças
ambientais quando governou a Bahia.
“Temos um compromisso do presiden-
te, mas ao mesmo tempo temos um
ministro da Casa Civil que, nas oportu-
nidades em que teve de arbitrar entre
diferentes interesses relacionados a essa
causa, não foi muito favorável”, disse a
ambientalista. “A grande dúvida é em
que medida o compromisso do Lula vai
ter proeminência em relação a outras
variáveis políticas.”
Adesintrusão da Terra Indígena Ya-
nomami foi a primeira ação de
peso do governo para sinalizar a
retomada do combate ao crime ambien-
tal. Esse território foi tomado nos últi-
mos anos por um grande contingente de
garimpeiros ilegais, maiores responsá-
veis pela crise humanitária dos yanoma-
mis, revelada no início do ano. Como
não há um censo do garimpo ilegal, nin-
guém sabe ao certo quantos invasores
havia ali. Uma estimativa do Ministério
Público de Roraima fala em 20 mil. A fren-
te montada pelo governo para expulsá-
los incluiu agentes do Ibama, da Polícia
Federal, da Polícia Rodoviária Federal,
da Funai, da Força Nacional e das For-
ças Armadas. O esforço envolveu ataques
às instalações dos garimpeiros e investi-
das para bloquear o fluxo de suprimentos
para os acampamentos e as rotas usadas
pelos criminosos.
De acordo com um balanço da ope-
ração feito no começo de maio pelo
mma, nos primeiros três meses de traba-
lho foram destruídos 327 acampamentos
de garimpeiros, 18 aviões, 2 helicópteros,
centenas de motores e dezenas de balsas,
barcos e tratores. Além disso, houve a
apreensão de 36 toneladas de cassiterita,
26 mil litros de combustível e equipa-
mentos dos garimpeiros. De acordo com
imagens de satélites, a área desmatada
para o garimpo ilegal naquela terra indí-
gena entre fevereiro e abril diminuiu
cerca de 80% em comparação com o
mesmo período do ano passado.
Mas ainda há garimpeiros que resis-
tem em sair da terra indígena. Em um
indicador de decadência e precariedade
generalizada, esses garimpeiros, acredita-
se, são ligados ao Primeiro Comando da
Capital (pcc), facção criminosa surgida
em São Paulo e hoje com presença forte
na Amazônia, onde usa a estrutura logís-
tica do garimpo para escoar drogas. Em
meados de maio, teve início a etapa final
da operação de desintrusão, que prevê a
manutenção de equipes fixas na região
para que os garimpeiros não retornem.
“A gente acha que resolveu quase
90% do problema, mas é um problema
que ainda persiste”, avaliou o presidente
do Ibama, Rodrigo Agostinho, em con-
versa com a piauí em seu gabinete. Ele
disse que uma das estratégias agora é
monitorar focos de desmatamento, que
podem sinalizar a existência de áreas de
garimpo ainda não detectadas. “Foi uma
prova bastante importante para nós de
que conseguimos botar a logística do Iba-
ma de novo em campo.”
Em uma operação de menor escala,
realizada em abril, fiscais apreenderam
cerca de 3 mil cabeças de gado em pro-
priedades com desmatamento ilegal no
Amazonas e no Pará. Em maio, uma ope-
ração do Ibama com a pf e a Funai expul-
sou invasores da Terra Indígena Karipuna,
em Rondônia. E há ações em curso tam-
bém em todo o território para fiscalizar a
pesca ilegal, o tráfico de animais silvestres
e outros delitos ambientais.
Os resultados contrastam com a atua-
ção do Ibama no governo passado. Na
comparação entre o primeiro trimestre
de 2023 e a média do período durante o
governo Bolsonaro, o número de mul-
tas do Ibama na Amazônia mais que
triplicou. Os embargos de proprieda

quase dobraram e as apreensões de
bens e produtos ligados ao crime am-
biental cresceram 133%.
A ação do Ibama em campo esbarra
na escassez de fiscais. O cobertor é cur-
to: de acordo com Agostinho, o órgão
conta hoje com cerca de 700 fiscais –
eram mais de 1,2 mil, doze anos atrás –,
dos quais apenas cerca de 300 estão em
condições de ir a campo. É com eles que
o instituto conta para as ações de fiscali-
zação em todo o território brasileiro. E a
força de trabalho está envelhecendo.
Hoje há 470 servidores com idade para
se aposentar, mas que ainda estão traba-
lhando. “E nesse ano tem mais duzen-
tos se aposentando”, disse Agostinho.
“O Ibama é um órgão cansado.”
O reflexo disso é que podem faltar
fiscais. “Não dá para a força de trabalho
inteira estar na Amazônia”, disse a advo-
gada e ambientalista Suely Araújo, que
presidiu o Ibama no governo Michel
Temer e hoje é especialista sênior em
políticas públicas do Observatório do
Clima. Araújo lembrou que a fiscaliza-
ção é só o lado mais visível do problema,
e que a falta de pessoal é dramática nos
outros setores do órgão. “Não adianta
você aplicar um monte de multas se
não tiver pessoas para dar sequência
aos processos”, argumentou. “Você não
consegue fazer a fiscalização se a parte
administrativa não tiver pessoas em nú-
mero suficiente para fazer as licitações
necessárias, comprar equipamentos e
cuidar das viagens.”
Enquanto não sai um novo concur-
so, Agostinho aposta em soluções tec-
nológicas que podem ser conduzidas a
partir da sede do Ibama, em Brasília.
Os melhores técnicos de informática do
órgão se uniram num esforço para vas-
culhar bancos de dados e identificar os
infratores ambientais. A força-tarefa
derrubou um esquema que estava sen-
do usado para esquentar madeira tirada
ilegalmente em Rondônia e que levou
ao bloqueio de 1,2 milhão m3 de madei-
ra – o suficiente para encher dezenas de
milhares de caminhões.
Em outro tipo de ação remota, técni-
cos do Ibama estão recorrendo a imagens
de satélite produzidas pelo Instituto Na-
cional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
para embargar remotamente as áreas
com desmatamento ilegal. O embargo
obriga os proprietários a interromper a
produção e corta seu crédito no sistema
financeiro. Eficaz, foi central para a
redução do desmatamento na Amazô-
nia entre 2004 e 2012, mas tinha sido
deixado de lado nos últimos quatro anos.
Agostinho estima que o Ibama esteja
embargando cerca de 50 mil hectares
por semana.
Ao analisar as imagens de satélite e
várias bases de dados, os técnicos desco-
briram embargos que as equipes do Iba-
ma haviam feito no governo Bolsonaro,
mas que simplesmente não tinham sido
lançados no sistema. “Eram embargos
de faz de conta”, disse Agostinho. “Es-
tamos revendo todos eles.” Outro pen-
“A gente não sai destinando áreas se não
sabemos se lá tem uma comunidade tra-
dicional”, ponderou. Só depois desses
estudos é que será feito um plano de des-
tinação. Num primeiro momento o go-
verno deve encaminhar a criação de
unidades de conservação e áreas de con-
cessão florestal, atendendo a demandas
do icmBio e do Serviço Florestal Brasi-
leiro (sfb) – o secretário estima que essas
demandas abranjam de 5 a 7 milhões de
hectares, algo como a área da Paraíba.
Os alertas de desmatamento emiti-
dos pelo Inpe, encarregado de
monitorar a cobertura florestal
com imagens de satélite, indicam que o
endurecimento no combate ao crime
ambiental já está surtindo efeito. O nú-
mero de alertas emitidos entre janeiro e
abril para a Amazônia foi 41% menor
do que no mesmo período de 2022 (já
no Cerrado, houve um aumento de
14,5%). Mas é preciso ter cautela ao in-
terpretar esses dados. O sistema de aler-
tas tem a finalidade de orientar as ações
de fiscalização e não de calcular com
precisão a área desmatada. Para isso o
Inpe tem outro sistema de monitora-
mento, com o qual calcula a taxa anual
de desmatamento na Amazônia. E nem
sempre os números gerados pelos dois
sistemas convergem.
O primeiro grande teste do sucesso da
política ambiental de Lula virá em no-
vembro, com a divulgação da taxa anual
de desmatamento na Amazônia, ainda
que o atual governo seja apenas parcial-
mente responsável pelo número que vier.
Isso porque o calendário para calcular a
taxa vai de agosto de um ano até julho do
ano seguinte. Portanto, a primeira taxa
te-fino descobriu que a gestão anterior
abriu mão de dezenas de milhares de
multas, no valor total de 29,1 bilhões
de reais – o governo já tomou providên-
cias para voltar a cobrá-las.
O desmatamento da Amazônia está
longe de ser o único problema
ambiental do Brasil, mas é o mais
central e mobiliza mais atenção da opi-
nião pública dentro e fora do país. Em
parte porque ele próprio é um tema de
caráter transversal e que conecta di-
ferentes aspectos da crise ambiental.
O desmatamento é a fonte da nossa prin-
cipal contribuição para o aquecimento
do planeta, respondendo por quase me-
tade das emissões brasileiras de gases do
efeito estufa em 2021.
Por isso mesmo, zerar o desmata-
mento ilegal é um elemento central do
compromisso que o Brasil assumiu no
Acordo de Paris. Governo, imprensa e
ambientalistas falam com naturalidade
desse objetivo e parecem não se dar con-
ta da dificuldade. “Isso é algo que nunca
foi feito em nenhum lugar do mundo”,
disse a ecóloga Rita Mesquita, secretária
de Biodiversidade, Florestas e Direitos
Animais do mma. “Vamos precisar de
muita inteligência para chegar lá.”
O novo governo apresentou em abril
o roteiro que pretende seguir para atin-
gir esse objetivo. À frente do projeto está
mais uma vez João Paulo Capobianco,
o secretário executivo do mma, mentor
da primeira versão do ppcdam, sigla
para Plano de Ação para Prevenção e
Controle do Desmatamento na Amazô-
nia Legal, que foi um sucesso. Mas as
circunstâncias, hoje, são bem diferentes
de quando o ppcdam original foi lança-
do em 2004. O plano de 2023 levou em
conta a nova dinâmica do desmatamen-
to na Amazônia, marcada por novas
frentes de avanço dos madeireiros sobre
a floresta, particularmente no Sul do
Amazonas, e pela presença crescente de
facções do crime ambiental na Amazô-
nia. Dezessete ministérios estão envol-
vidos na iniciativa, sob a batuta da Casa
Civil – como era nos anos de ouro do
ppcdam, até 2012. A estratégia vai mui-
to além das ações de fiscalização em
campo, monitoramento por satélite e
embargos remotos. Também estão pre-
vistas medidas de ordenamento territo-
rial da região e a criação de alternativas
econômicas para que a população local
mantenha a floresta em pé.
Uma novidade do plano atual é a in-
tenção de resolver o problema de 63 mi-
lhões de hectares de florestas públicas
federais que ainda não foram destinadas.
É uma área equivalente à dos estados de
Minas Gerais e do Espírito Santo. São as
áreas onde os grileiros concentram suas
investidas, na expectativa de anistia no
futuro. A tarefa foi confiada ao advogado
André Lima, ex-secretário do Meio Am-
biente do Distrito Federal.
Lima disse à piauí que, num primeiro
momento, sua equipe vai fazer um levan-
tamento da situação atual dessas áreas.
do governo Lula virá contaminada pelo
desmatamento do último semestre do
governo Bolsonaro – e o sistema de aler-
tas do Inpe indica que foi explosivo.
“Temos 7 mil km2 nas costas só do
ano passado, e mais 1 mil km2 do primei-
ro trimestre deste ano”, calculou Capo-
bianco. Além disso, o período que falta
para fechar o calendário da taxa anual
compreende meses de seca, quando o
desmatamento é mais intenso. Em con-
traste com o otimismo de parte de sua
equipe, o secretário executivo está muito
apreensivo sobre o resultado da política
ambiental do novo governo. “Estamos
trabalhando pra burro pra segurar, mas
só quem não conhece a dinâmica do des-
matamento na Amazônia pode ser oti-
mista nessa altura do campeonato.”
Capobianco evita falar em números,
mas acredita que a taxa anual de 2023
não deve vir muito diferente da do ano
passado. “Se acontecer um milagre vai
ser um pouquinho menor que em
2022”, apostou. O mais importante,
para ele, é mostrar uma contenção do
viés de alta que se observa há mais de
uma década. Combater o desmatamen-
to é um processo lento, que não se faz
de uma hora para outra – Marina Silva
costuma compará-lo a frear um navio.
“Se a gente inverter a curva de forma
importante, isso significa que nos pró-
ximos anos vamos ter de fato capacida-
de institucional para deixar o governo
em 2026 com uma contribuição muito
consistente com o desmatamento zero”,
afirmou Capobianco. Ele e seus colegas
sabem que esse é o único indicador pelo
qual o governo será julgado. “A gente
pode fazer qualquer coisa no ministério,
resolver a questão do solo e da habitação,

 mas, se o desmatamento na Amazônia

não cair, ó...”, continuou o secretário exe-
cutivo, completando a frase com o gesto
de top-top. “É o nosso Armagedom.”
O governo não se arrisca a dizer o
quanto pretende reduzir do desmata-
mento nos próximos quatro anos. “Nos-
so compromisso é entregar para o
próximo governo um índice muito me-
nor que o atual e caminhando clara-
mente para o desmatamento zero em
2030”, disse Capobianco.
Zerar o desmatamento ilegal em to-
dos os biomas até 2030 era parte do
compromisso assumido pelo Brasil
quando assinou o Acordo de Paris, em
2015. No entanto, em 2021, na Confe-
rência do Clima de Glasgow, Joaquim
Leite, ministro do Meio Ambiente que
substituiu Ricardo Salles, antecipou o
cumprimento da meta para 2028. Pare-
ce ironia (ou sabotagem), vinda de um
governo que estimulava o desmatamen-
to no discurso e na prática.Os integrantes erno costumam
ignorar o prazo de 2028, mas o certo é
que o compromisso está registrado for-
malmentea Convenção do Clima da
onu. A meta do Brasil determina ainda
que o país reduza suas emissões de ga-
ses-estufa em 37% até 2025 e chegue
aos 50% até 2030 – a redução será cal-
culada em relação ao patamar de 2005,
quando o desmatamento e as emissões
estavam nas alturas.
A piauí quis saber do engenheiro flo-
restal Tasso Azevedo qual deveria ser o
patamar do desmatamento anual na
Amazônia em 2025, caso o Brasil pre-
tenda chegar aos 37% de redução de
gases-estufa até lá. Azevedo é o coorde-
nador do Seeg, uma iniciativa promovi-
da pelo Observatório do Clima para
calcular as emissões anuais brasileiras.
Ele ponderou que a relação não é tão
simples, já que o total de emissões leva
em conta também outros tipos de mu-
dança de uso da terra, sem contar as
emissões de outros setores. Ainda assim,
fez algumas projeções. “Se os níveis de
mudança de uso da terra voltarem ao
patamar de 2019 e se os outros setores
continuarem com as emissões onde es-
tão, a gente fica dentro da meta para
2025”, disse. Em 2019, o desmatamento
anual da Amazônia foi de 10,1 mil km2,
um número 12% menor que a taxa re-
gistrada em 2022. “A meta para 2025
não é nem um pouco ambiciosa.”
No governo atual, o mma incorporou
a expressão “mudança do clima” no
nome oficial do ministério – uma su-
gestão de Marina Silva que Lula acei-
tou – e criou uma secretaria específica,
comandada pela economista e cientista
política Ana Toni. A agenda de adapta-
ção e resiliência será uma prioridade da
sua gestão, pois os eventos extremos
estão batendo à nossa porta. “O Brasil é
um país muito vulnerável às mudanças
do clima, e a gente sabe que elas são um
acelerador de pobreza e de desigualda-
de”, disse Toni à piauí. Um novo plano de
adaptação será elaborado, levando em
conta o que o governo federal encomen-
dou – e engavetou – em 2016. “Nosso
plano de adaptação terá como priorida-
de salvar vidas e, para isso, eu preciso ter
segurança energética e alimentar, entre
outras”, disse a secretária.
Outra novidade aguardada na agen-
da do governo é o anúncio da criação da Autoridade Nacional de Segurança Cli-
mática, uma ideia aventada desde a
campanha eleitoral. De acordo com
a proposta que circula em Brasília, o
cargo seria criado na estrutura do mma
e teria a função, entre outras atribui-
ções, de monitorar todas as políticas
públicas do governo e conferir se estão
adequadas para que o Brasil cumpra
suas metas do Acordo de Paris. Nos cor-
redores do ministério, o nome do enge-
nheiro florestal Tasso Azevedo é citado
como favorito para assumir o cargo.
As dificuldades do Brasil para che-
gar lá – desmatamento zero, redu-
ção de emissões inédita no mundo
– são muito maiores hoje. Na leitura de
André Lima, o secretário extraordinário
de controle do desmatamento, as condi-
ções objetivas para o cumprimento da
meta são adversas, mas as condições
subjetivas são favoráveis.
No cenário externo, há otimismo
com a volta de Lula, o que se traduz na
disposição de vários países de ajudar o
Brasil financeiramente a cumprir essa
meta. Os Estados Unidos falaram em
500 milhões de dólares (2,5 bilhões de
reais), e o Reino Unido, em 80 milhões
de libras (500 milhões de reais). No pla-
no interno, também há circunstâncias
novas que podem ajudar, a começar por
um compromisso maior do presidente
com a causa. Ana Toni, a secretária de
mudança do clima, acredita que Lula
está determinado a lutar contra a crise
climática com o mesmo interesse que
dedica ao combate à fome. “Temos um
presidente que entendeu 100% que as
mudanças do clima só podem acelerar
a pobreza e a desigualdade”, disse.
Lula tentou vender a ambição am-
biental do Brasil na Conferência do
Clima do Egito e colocou o desmata-
mento na pauta das suas conversas com
Joe Biden, com o rei Charles iii e com os
estadistas com quem teve encontros bi-
laterais durante a reunião do g7 no Japão,
em maio. Mas parece mais preocupa-
do em se projetar no cenário mundial
como um grande negociador da paz
entre Ucrânia e Rússia do que em apre-
sentar-se com o único figurino no qual
o Brasil efetivamente tem uma diantei-
ra inigualável no planeta: o de uma po-
tência ambiental.
Na grande maioria, os ambientalis-
tas combateram o governo Bolsonaro,
apoiaram a eleição de Lula e continuam
ao lado do governo – tanto que Marina
Silva recrutou no terceiro setor e na aca-
demia muitos dos quadros com que
formou os primeiros escalões de sua
equipe. Mas a compreensão das dificul-
dades que o governo enfrentará não
significa que as ongs vão baixar a guar-
da. “Obviamente não é o mesmo tipo
de embate que tivemos com o governo
anterior, mas tem toda uma agenda em
disputa ainda”, disse Adriana Ramos,
do Instituto Socioambiental. “Parte do
nosso papel é colocar boas ideias na mesa
para ajudar o governo a superar os desa-
fios, mas continuaremos sendo o ele-
mento que estica a corda.”
Já entre alguns servidores, passada a
euforia da transição, parte do otimismo
inicial já começou a se converter em
frustração, diante do tamanho da tarefa
e da quantidade de obstáculos pela
frente. O clima de trabalho melhorou,
mas continuam faltando braços, e os
fiscais ambientais seguem enfrentando
hostilidade no campo. A redução da
presença do Ibama na Amazônia é uma
frustração recorrente. Desde 2010, mais
de quarenta escritórios regionais ou ba-
ses avançadas foram fechados nos esta-
dos da Amazônia Legal, em razão do
enxugamento dos quadros e do aumen-
to da insegurança para os funcionários.
Abandonar os postos avançados foi “um
erro terrível” na avaliação de José Olím-
pio Augusto Morelli. “Perdemos não
só a estrutura física e pessoal, mas tam-
bém o conhecimento, a memória e tudo
o que decorre disso.” O fiscal lembrou
que o Ibama marcava presença contí-
nua na linha de frente nos anos em que
o Brasil conseguiu frear o desmata-
mento. Ao abrir mão dessa presença,
o governo sinalizou aos grileiros que o
flanco estava aberto. “Precisamos vol-
tar a ocupar o território, principalmen-
te no arco do desmatamento”, disse
Morelli. Rodrigo Agostinho, o presi-
dente do Ibama, reconhece que o ór-
gão perdeu capilaridade e capacidade
de agir com o fechamento dos escritó-
rios. “Eu não consigo, com a minha
equipe de Manaus, resolver os proble-
mas do Sul do Amazonas, que é onde
está hoje a encrenca”, afirmou. Agosti-
nho pretende reabrir escritórios na Ama-
zônia, mas não tem previsão de quando
isso deve ocorrer.
“Criamos uma expectativa muito
grande com a transição, mas como o
desmonte também foi muito grande,
há uma dificuldade de se chegar ao
ponto que a gente gostaria”, disse Ale-
xandre Bahia Gontijo, do Serviço Flo-
restal Brasileiro.
O destino do sfb é um grande pesa-
delo para os servidores e ambientalistas.
Isso porque o órgão é o responsável pela
gestão do Cadastro Ambiental Rural
(car), um instrumento que é disputado
dentro do governo por ruralistas e am-
bientalistas. Criado pelo Código Flores-
tal de 2012, o car é um cadastro que
obriga os proprietários a informar ao
poder público onde ficam as áreas de
seus imóveis que têm – ou deveriam ter
– a vegetação nativa protegida, confor-
me define a lei. Em tese, trata-se de
uma ferramenta ideal para fiscalizar o
cumprimento da lei ambiental. No en-
tanto, o car tem caráter autodeclarató-
rio e apenas 2% dos cadastros submetidos
até agora foram analisados e homologa-
dos pelos estados. É do interesse de mui-
tos ruralistas que as coisas não mudem,
pois a homologação dos cadastros pode-
ria apontar áreas ilegalmente desmata-
das. Por isso, os ruralistas querem o
controle da gestão do carm ele, o carm – foi transferido para o
Ministério da Agricultura. No processo,
o órgão perdeu várias estruturas inter-
nas, como a ouvidoria, a assessoria jurí-
dica e de comunicação. Os e-mails dos
servidores, que antes terminavam em
florestal.gov.br, foram trocados para
agro.gov.br, uma mudança simbólica
do interesse que estava prevalecendo.
Uma das primeiras medidas provisó-
rias do governo Lula devolveu o sfb e o
car ao Ministério do Meio Ambiente e
Mudança do Clima, mas, até o fecha-
mento desta edição, ainda não havia sido
aprovada. Pior que isso: as primeiras vo-
tações mostraram que as alas antiam-
bientalistas no Congresso estão fortes e
articuladas. A oposição – notoriamente, a
bancada ruralista – não apenas insistia
em tirar o car do mma, deslocando o con-
trole do cadastro para o Ministério da
Gestão e Inovação em Serviços Públicos,
como introduziu outras mudanças para
esvaziar o mma. Colocaram a Agência
Nacional de Águas e Saneamento Básico
sob comando do Ministério da Integração
e Desenvolvimento Regional e transferi-
ram a gestão dos resíduos sólidos para o
Ministério das Cidades. Além disso, tira-
ram do Ministério dos Povos Indígenas a
competência de demarcar novas terras.
Se as alterações feitas pelos antiam-
bientalistas do Congresso forem aprova-
das, Marina Silva terá amargado sua
primeira – e dolorosa – derrota. Com
um agravante: os governistas não pare-
ceram particularmente empenhados
em defender um mma forte, num sinal
de descompromisso do governo Lula
que enfureceu os ambientalistas. Só
falta agora os ruralistas voltarem a de-
fender a fusão do Ibama com o icmBio.
Há no horizonte uma série de ques-
tões que colocarão à prova a soli-
dez do compromisso de Lula com
a pauta ambiental e climática. A come-
çar pelo projeto de asfaltamento do tre-
cho da br-319, de Manaus a Porto Velho,
que daria à capital amazonense uma
almejada conexão terrestre com o resto
do país. A obra era uma prioridade do
governo Bolsonaro e o Ibama chegou a
emitir uma licença prévia para o iní-
cio dos trabalhos no ano passado. A pa-
vimentação nem saiu do papel, mas o
desmatamento no entorno da rodovia já
começou. A derrubada da floresta nessa
área cresceu 122% entre 2020 e 2022,
conforme um levantamento do Obser-
vatório do Clima.
Ambientalistas veem a obra com mui-
ta preocupação, pois a estrada atravessa
o maior trecho de floresta intocada da
Amazônia. “O asfaltamento da br-319
significa a abertura de um novo eixo
de desmatamento”, disse Adriana Ra-
mos. “Essa obra seria totalmente in-
compatível com a meta do Brasil de
redução do desmatamento até 2030.”
Indagado a respeito, Rodrigo Agostinho
disse que o Ibama aguarda a apresenta-
ção de um estudo de impacto ambien-
tal por parte do Departamento Nacional
de Infraestrutura de Transportes para
avaliar se dará sinal verde para a obra.
“Entendo que, para ter estrada, vai ter
que ter governança para que ela possa
conviver com a floresta”, disse Agosti-
nho. “Caso contrário, fica muito difícil
o Ibama emitir qualquer autorização
para asfaltamento.”
Outro tema que deverá opor o gover-
no a ambientalistas em breve é a reno-
vação da licença de operação da Usina
Hidrelétrica de Belo Monte, que ven-
ceu em novembro de 2021. Aprovada
em 2010, no segundo mandato de Lula,
a usina foi inaugurada no governo Dil-
ma, sob protestos de povos indígenas e
ribeirinhos – trata-se do foco do maior
número de críticas dos ambientalistas
aos governos do pt. A obra comprome-
teu severamente o ecossistema da Volta
Grande do Xingu, o trecho do rio em
que a usina foi erguida, com impacto
profundo sobre a pesca e o modo de
vida das populações do entorno. Além
disso, muitas condicionantes impostas
pelo Ibama para a construção da usina
nunca foram cumpridas. Ambientalis-
tas enxergam na renovação da licença
da usina uma oportunidade de o gover-
no se redimir dos erros do passado.
Há quem defenda que a licença sim-
plesmente não seja renovada; os mais
realistas exigem que as condicionantes
sejam executadas e que o volume de
água destinado para a usina seja dimi-
nuído de forma a manter-se compatível
com a sobrevivência do ecossistema.
Também nesse caso, cabe ao Ibama
emitir ou não a licença. “Por causa das
mudanças climáticas e da necessidade
de manter o Rio Xingu vivo, pode ser
que, durante alguns meses do ano, a usi-
na tenha problemas de funcionamento”,
disse Rodrigo Agostinho. “Isso é o que o
Ibama vai tentar compatibilizar.”
A ameaça de esvaziamento do mma
pelo Congresso foi parcialmente com-
pensada por uma vitória dos ambientalis-
tas – ao menos por enquanto. O Ibama
proibiu a exploração de petróleo na cha-
mada Margem Equatorial, que abrange
a região da foz do Rio Amazonas, onde
foi descoberto em 2016 um grande reci-
fe até então desconhecido pela ciência.
Após estudos preliminares indicarem
que há bastante petróleo naquela região,
a Petrobras protocolou o pedido para
explorar o primeiro poço naquela área.
Mas o projeto da estatal “apresenta incon-
sistências preocupantes para a operação
segura em nova fronteira exploratória
de alta vulnerabilidade socioambien-
tal”, como escreveu Agostinho no des-
pacho que rejeitou o pedido no mês de
maio. No caso de um hipotético vaza-
mento de petróleo na região, os navios
da Petrobras levariam 43 horas para che-
gar até o local.
Neste caso, Marina cravou uma vitó-
ria ante um projeto apoiado por nomes
como o ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, o governador do
Pará, Helder Barbalho (mdpiauí_junho 43
fe Rodrigues, senador pelo Amapá, es-
tado que se beneficiaria com os royalties
da exploração de petróleo naquela re-
gião. Rodrigues foi um nome cogitado
para ocupar o Ministério do Meio Am-
biente antes da posse de Lula. A decisão
do Ibama precipitou sua saída da Rede
Sustentabilidade, partido de Marina.
A Petrobras pretende recorrer da de-
cisão do Ibama, e estão em curso pro-
cessos de licenciamento para outros
poços na Margem Equatorial. Os apoia-
dores da exploração de petróleo na região
pressionaram Lula para que interviesse
em seu favor. Em conversa com a im-
prensa antes de embarcar de volta da
reunião do g7, no Japão, o presidente
deu a entender que o projeto não será le-
vado a cabo se trouxer prejuízo ao meio
ambiente, mas não descartou que venha
a sair do papel. “Se explorar esse petró-
leo tiver problemas para a Amazônia,
certamente não será explorado. Mas eu
acho difícil, porque é 530 km de distân-
cia [da foz do Amazonas]”, declarou.
Ainda que a Petrobras mostre que é
possível tirar petróleo do fundo do mar
de forma segura naquela área, abrir
novas frentes de exploração de um
combustível fóssil vai na contramão do
que a ciência recomenda para frear a
crise climática. “Que estratégia é essa?
O Brasil quer ser o último vendedor de
petróleo do mundo?”, questionou Suely
Araújo. “Como o governo Lula assumiu
essa narrativa de colocar o clima como
coração das suas preocupações, a socie-
dade civil tem que cobrar coerência.”
Quando falou à piauí, antes de o Iba-
ma negar a licença para a Petrobras,
Marina Silva sinalizou que o petróleo
da foz do Amazonas deveria continuar
no fundo do mar. “Nós podemos ter
uma matriz energética 100% limpa”,
disse ela. “É por isso que insisto que a
Petrobras não pode ser apenas uma em-
presa de exploração de petróleo, mas
tem que ser uma empresa de geração de
energia, investindo no grande potencial
eólico, solar e de biomassa que temos.”
Em sua primeira passagem pelo Mi-
nistério do Meio Ambiente – ela pediu
demissão em 2008 quando entendeu
que os interesses de sua pasta estavam
sendo subordinados a interesses do se-
tor produtivo no governo –, Marina
tinha entrado em rota de colisão com
a então ministra-chefe da Casa Civil,
Dilma Rousseff, e o projeto desenvol-
vimentista acabou ganhando o cabo
de guerra.
Quinze anos depois, a piauí quis sa-
ber de Marina como ela iria lidar com
esse choque de interesses no novo go-
verno. “O que deve prevalecer é o inte-
resse público”, respondeu a ministra.
“É de interesse público que se preser-
vem as riquezas naturais, que se respei-
tem os povos indígenas, seus territórios
e seus direitos, e é de interesse público
que se tenha uma economia próspera.”
Ela disse que economia e ecologia não
são coisas distintas, mas partes de uma
mesma equação, e que uma agenda
não deve se sobrepor à outra. “Para ser
licenciado, um projeto precisa provar
não apenas a viabilidade do interesse
econômico, mas também a viabilidade
do interesse social e do interesse am-
biental.” Ainda é uma incógnita qual
dos lados dessa difícil equação vai pesar
mais nas decisões do governo Lula.

PIAUI

 
 


 

   






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